Estresse causa câncer? O que a ciência já sabe

A quantidade de pessoas estressadas no mundo tem atingido números alarmantes. É o que advertem diferentes estatísticas. De acordo com o levantamento AXA Mind Health Report mostrou que cerca de 62% da população global relata níveis elevados de estresse. O número fica um pouco acima da estatística divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que diz que a cada 5 pessoas no mundo, uma sofre com estresse crônico. Já segundo o World Mental Health Day, do Instituto Ipsos, o Brasil ocupa o quarto lugar entre os países com níveis mais altos de estresse no mundo.
Além de todos os efeitos diretos sobre o bem-estar e a saúde mental, a ciência já demonstrou que o estresse crônico está ligado a diversas doenças, impactando o sistema cardiovascular, com hipertensão, infartos ou acidentes vasculares cerebrais, os chamados AVCs, por exemplo. Também pode levar a problemas gastrointestinais, doenças autoimunes, questões dermatológicas e musculoesqueléticas, como fibromialgia, entre outros. Mas e o câncer?
Embora não haja, por enquanto, evidências robustas de que o estresse, isoladamente, seja capaz de causar câncer, há diversos trabalhos que sugerem a influência do estresse crônico no desenvolvimento, na progressão e em desfechos piores. “É uma métrica muito difícil de aferir em estudos clínicos, por ser dinâmica e subjetiva”, explica o oncologista clínico Gustavo Schvartsman, associado da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Além disso, em geral, o câncer não é um fator de risco isolado, mas associado a outras questões. “Quem tem estresse costuma dormir mal, comer mal, ser sedentário, ter uma vida corrida, problemas familiares, financeiros ou de relacionamento…”, lista o médico.
Embora a OMS e o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos não reconheçam o estresse como uma causa direta do câncer, as entidades admitem que ele contribui para comportamentos de risco, tal qual o uso de tabaco, álcool e drogas e má alimentação, favorecendo o desenvolvimento de tumores, sobretudo em quem tem tendência genética.
Um gatilho em potencialUma das investigações mais recentes sobre o tema, a propósito, demonstrou que o estresse pode contribuir para o desenvolvimento do câncer em pessoas que já têm predisposição genética. A pesquisa, publicada no início de julho deste ano, no British Journal of Cancer, avaliou um grupo específico de homens e mulheres, com mutações identificadas nos genes BRCA1 e BRCA2, que têm mais riscos de câncer de mama ou de próstata. Quando os cientistas analisaram a influência do estresse, medidos pelos níveis de cortisol, conhecido como “hormônio do estresse”, eles perceberam que a substância é capaz de induzir danos ao DNA, aumentando as chances do surgimento da doença.
O cortisol, a adrenalina e a noradrenalina, hormônios liberados pelo estresse, afetam o sistema imunológico, segundo Schvartsman. “Pode haver inflamações crônicas e um microambiente tumoral pró-inflamatório, que faz o câncer progredir”, afirma o oncologista. Isso significa que o estresse pode intensificar as características inflamatórias no contexto biológico que envolve um tumor, o que acaba favorecendo seu crescimento e sua resistência aos tratamentos. “Pode também aumentar a angiogênese, ou seja, a maneira como o tumor ‘aprende’ a fazer as suas rotas, produzindo novos vasos sanguíneos. Desta forma, ele pode encontrar caminhos para se tornar metastático”, explica.
“Alguns estudos laboratoriais apontam que o cortisol pode danificar, por exemplo, a proteína p53, essencial na prevenção de tumores. Isso enfraquece a capacidade das células de eliminar mutações”, acrescenta a neuropsicóloga e psico-oncologista Kátia Antunes, membro do comitê científico do Instituto Lado a Lado pela Vida (SP).
Apesar dos avanços nos estudos, a especialista lembra que a relação direta entre estresse e câncer segue sendo um desafio (e um enigma) para a ciência. “Felizmente, nem todos que passam por momentos de estresse significativo vão desenvolver algum tipo de câncer, embora possam ter outras doenças”, afirma.
Mão dupla: câncer causa estresse?Se ainda não é possível afirmar que o estresse causa câncer, o caminho inverso é verdadeiro, em muitos casos: é frequente que o diagnóstico aumente o nível de estresse do paciente, o que pode interferir negativamente no tratamento e nos desfechos. O oncologista Schvartsman, da SBOC, aponta que receber a notícia de que tem câncer pode levar a sensações ruins, transtorno de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, piora do sono e da alimentação, o que acarreta uma baixa na imunidade e um aumento da inflamação, piorando o cenário.
A psico-oncologista Kátia reforça a ideia, lembrando que o diagnóstico atrapalha a qualidade de vida não apenas do paciente, mas também dos familiares. “É uma mudança muito brusca. Tanto o diagnóstico quanto o tratamento ocasionam estresse físico e emocional. As preocupações com o futuro também interferem no processo do tratamento”, destaca. O paciente se questiona se vai dar certo e, mesmo depois, fica angustiado, pensando na possibilidade de a doença voltar. “O sofrimento emocional é significativo”, diz ela.
“Quem já tem o câncer e mantém níveis de estresse muito elevados pode ter imunossupressão (isto é, um sistema imunológico menos eficiente), pior resposta à imunoterapia, maior inflamação sistêmica e até redução na adesão ao tratamento”, descreve Schvartsman. A origem do problema está no fato do paciente, muitas vezes, não ter tempo para pensar ou priorizar os cuidados consigo mesmo.
Dependendo das condições, os tratamentos envolvem deslocamentos, dificuldades financeiras e interrupções das atividades de trabalho. A situação tende a piorar quando falta uma rede de apoio para remanejar os cuidados com os filhos ou outras pessoas, sobretudo no caso das mulheres, que continuam sendo as maiores responsáveis pelas tarefas que envolvem cuidados familiares. Assim, ocorrem atrasos nas consultas, nas sessões de quimioterapia, radioterapia, e imunoterapia. “Às vezes, o paciente chega até a abandonar o tratamento e não adere aos medicamentos”, acrescenta o médico.
Mais uma razão para que uma pessoa com câncer receba acolhimento, apoio e tratamento com uma equipe multidisciplinar, incluindo atenção à saúde mental. “O manejo do estresse precisa começar com um psicólogo, de preferência um especialista na área oncológica, mas todos os profissionais envolvidos também precisam de um treinamento adequado nesse sentido”, aponta Kátia.
Para ela, além de diminuir o peso do estresse, uma equipe acolhedora pode estimular melhorias no comportamento, como se alimentar melhor, praticar atividades físicas e meditar, entre outras ferramentas.
“Embora saibamos que o estresse age de forma negativa tanto para o desenvolvimento do câncer, como no processo de tratamento, felizmente muitos pacientes conseguem rever a vida e adotar mudanças benéficas, facilitando respostas mais favoráveis em relação à vivência do câncer”, finaliza.
IstoÉ