Fibromialgia: o que muda com a classificação de PCD

Em julho deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que reconhece a fibromialgia, síndrome caracterizada por dores musculares generalizadas e crônicas, como deficiência para pacientes com sintomas incapacitantes. A norma, que também vale para a síndrome de fadiga crônica e a síndrome complexa de dor regional, deve entrar em vigor em janeiro de 2026.
Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), cerca de 2% a 3% da população brasileira são afetadas pela fibromialgia, sendo a maior incidência é em mulheres entre 30 e 50 anos de idade. Como é o caso da corretora de imóveis Paula Jerimias, de 39 anos. Ela, que recebeu o diagnóstico há três anos, celebrou a nova lei. “É uma conquista muito, muito grande ter esse reconhecimento com uma legislação para nos amparar”, afirma.
A IstoÉ conversou com o reumatologista e presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia, José Eduardo Martinez, para entender os principais sintomas da fibromialgia, como é feito o diagnóstico, os tratamentos disponíveis e o que muda a partir do ano que vem, com o reconhecimento da síndrome como deficiência para pacientes com sintomas incapacitantes.
Desequilíbrio dos mecanismos da dor levam à fibromialgia
A fibromialgia é uma síndrome caracterizada por dor crônica generalizada, principalmente na musculatura, como explica José Eduardo Martinez, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia: “os pacientes com fibromialgia têm o que a gente chama de uma amplificação da percepção dolorosa. Eles sentem dores mais intensas e mais extensas, inclusive onde não há lesões”.
A dor pode começar de maneira localizada e se espalhar por todo corpo, podendo ser sentida nos ossos ou ao redor das articulações. Outros sintomas como fadiga, distúrbios do sono, alterações intestinais e falta de atenção e concentração também são comuns. “É importante dizer que muitas vezes esses pacientes têm associação com depressão e ansiedade, condições que também podem agravar a fibromialgia”, acrescenta o presidente da SBR.
Em casos mais graves, dor, cansaço e falta de sono deixam os pacientes debilitados e com limitações para realizar tarefas simples do dia a dia, como conta Paula Jerimias. “É uma dor diferente, não é visível para quem está de fora. Mas a fibromialgia já me fez travar a ponto de não conseguir me mexer. Às vezes, tenho dificuldade em fazer esforços mínimos como varrer a casa, pentear o cabelo ou cozinhar por muito tempo, porque sei que vou sentir muita dor duas ou três horas depois”.
As causas da fibromialgia ainda não são totalmente conhecidas. O que já se sabe é que a síndrome envolve uma desregulação no sistema nervoso. “Na fibromialgia, há um desequilíbrio entre os mecanismos neurológicos que percebem e os que inibem a dor, gerando uma sensibilidade mais intensa”, pontua Martinez.
Outra hipótese é de que o estresse crônico ou traumas físicos e psicológicos também sejam gatilhos da síndrome. Segundo o especialista da SBR, o estresse desregula os sistemas do organismo (como o da percepção da dor), causando ou agravando a fibromialgia. Foi o que aconteceu com Paula, depois de perder seu animal de estimação: “no dia seguinte que meu gato morreu, não consegui levantar da cama, meu corpo enrijeceu. Além das dores, tive enjoo. Foi essa perda emocionalmente desgastante que desencadeou a crise”.
Falta de exames específicos podem atrapalhar diagnóstico
O diagnóstico é clínico, ou seja, o profissional de saúde identifica a síndrome avaliando o histórico médico, as condições de saúde e a presença de sintomas do paciente.
A falta de exames que comprovem a síndrome e a presença de outras doenças e comorbidades que ocorrem simultaneamente e agravam a condição – como depressão, ansiedade, tendinite, bursite, dor miofascial e doenças reumáticas – estão entre os principais desafios para diagnosticar a fibromialgia.
“É importante que a investigação da fibromialgia também traga consigo o diagnóstico dessas outras condições clínicas que acompanham o paciente e amplificam a intensidade dos sintomas da fibromialgia”, acrescenta o presidente da SBR José Eduardo Martinez.
Esses obstáculos podem atrasar o diagnóstico e, às vezes, confundi-lo com outras condições de saúde. A corretora Paula Jerimias, por exemplo, demorou para encontrar um profissional de saúde especializado na doença. “Nós, fibromiálgicos, sofremos um grande preconceito porque nossa doença é invisível para as pessoas. É difícil encontrar médicos que enxerguem a nossa dor com humanidade e indiquem o tratamento adequado”, lamenta.
Tratamentos disponíveis
O tratamento da fibromialgia é individualizado e depende da intensidade da doença no paciente, histórico médico e sintomas apresentados. No geral, são usados medicamentos que favorecem a inibição natural da dor, antidepressivos e anticonvulsivantes. Alguns dos medicamentos que fazem parte do tratamento não estão disponíveis no sistema público de saúde, de acordo com o presidente da SBR José Eduardo Martinez.
Para além dos tratamentos farmacológicos, o especialista da SBR indica atividades físicas de intensidade leve, como caminhadas, pilates ou hidroginástica. “Há uma certa resistência dos pacientes em fazer exercícios físicos por causa da dor, mas vemos que essa categoria traz benefícios a médio e longo prazo”, destaca. A acupuntura também pode atenuar os sintomas da fibromialgia, como mostrou um estudo feito pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2023.
O que muda com a nova lei
Entre as principais mudanças, estão diretrizes que o SUS deve seguir para atender os pacientes com a síndrome, como:
Atendimento multidisciplinar
Incentivo à formação e capacitação de profissionais especializados
Realização de campanhas de conscientização e informações relativas às doenças
Estímulo à pesquisa científica sobre as síndromes
Estímulo à inserção das pessoas acometidas pelas síndromes no mercado de trabalho
Além disso, há os direitos e os benefícios garantidos a pacientes com fibromialgia, assim como as demais pessoas com deficiência, como:
Cotas em concursos públicos e seleções de emprego
Isenção de IPI, ICMS e IOF na compra de veículos adaptados
Aposentadoria por invalidez e auxílio-doença, mediante avaliação pericial
Benefício de Prestação Continuada (BPC), no caso de baixa renda
Pensão por morte, em situações em que a incapacidade para o trabalho for comprovada
Como descrito na lei e no Estatuto da Pessoa com Deficiência, os direitos e benefícios serão concedidos mediante a uma avaliação profissional e multidisciplinar que considere que o paciente apresenta limitações em desempenhar atividades e impedimentos nas funções do corpo.
O presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia ressalta, contudo, alguns pontos que podem dificultar esse processo. “A lei me parece muito positiva, estabelecendo a necessidade de um tratamento multiprofissional e as adaptações no mercado de trabalho, mas o grande desafio vai ser juntar equipes com vários profissionais que atendam a necessidade dos fibromiálgicos do Brasil”, diz.
Paula Jerimias, por outro lado, comemora os ajustes no mercado de trabalho. “Nós queremos e precisamos trabalhar, porém, com o suporte de normas que considerem nossas dores. Como, por exemplo, vagas com cargas horárias menores e menos atribuições, entre outras adaptações para pessoas PCD”, finaliza.
IstoÉ