Professor de Direito estranha nomeação de juiz para gerir imóveis do Estado

O ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, participa na conferência de imprensa no final do Conselho de Ministros, no Ministério das Finanças, em Lisboa, 16 de janeiro de 2025. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
“Confesso que, enquanto advogado que litiga habitualmente nos tribunais administrativos, esta designação me perturba”. É assim que o professor João Miranda analisa a nomeação do juiz Ricardo de Oliveira e Sousa pelo Governo Montenegro para liderar a empresa pública gere os imóveis do Estado, a Estamo.
“O problema” não se deve à pessoa “em causa” que João Miranda diz desconhecer “totalmente”, mas “sim por significar mais uma baixa de um desembargador num tribunal superior da jurisdição administrativa”, segundo o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa comentando a notícia de hoje do “Negócios” a dar conta da nomeação da entidade gerida pela Parpública, tutelada pelo ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento.
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa também diz não ter “memória de haver uma empresa pública dirigida por um juiz de carreira”. João Miranda leciona Direito Administrativo, do Urbanismo, do Ambiente e Direitos Fundamentais.
“A jurisdição administrativa encontra-se flagelada com inúmeras pendências e com um tempo de decisão muito demorado. Mas ainda assim, a crer na notícia, tal não impediu ou virá a impedir o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais – CSTAF – de autorizar a comissão de serviço deste Juiz na Estamo–Participações Imobiliárias.
“Não entro na discussão de saber se o Juiz em causa tem o perfil adequado para a função, uma vez que desconheço totalmente o seu currículo. Mas não consigo deixar de me colocar na posição dos Colegas Advogados que terão de explicar aos seus constituintes que os processos que estavam distribuídos a este Juiz irão ser redistribuídos a outros desembargadores, voltando tudo à estaca zero no que à apreciação do recurso jurisdicional diz respeito”, segundo João Miranda.
Recordando os alertas feitos pela desembargadora Eliana de Almeida Pinto sobre o quão “desfalcados” estão os Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul, “é difícil de entender a autorização desta comissão de serviço”.
“Com isto não quero dizer que juízes da jurisdição administrativa estejam impedidos de ver comissões de serviço fora da magistratura autorizadas. Em certos casos, tal pode justificar-se em inspeções-gerais, em serviços ligados ao Ministério da Justiça ou à Provedoria de Justiça. O caso da Estamo–Participações Imobiliárias, S.A. é, naturalmente, diferente e fico curioso para conhecer à fundamentação da deliberação de autorização da comissão de serviço”, conclui o professor.
Em 2023, o juiz Ricardo de Oliveira e Sousa já tinha sido indicado pelo PSD para o conselho regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), mas Rita Figueiredo Reis Rola acabou por ser o quinto elemento então em falta.
Em julho, Eliana de Almeida Pinto revelou que só no Tribunal Administrativo de Lisboa encontram-se pendentes 80 mil pedidos de intimação à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) por falta de cumprimento de prazos no atendimento a imigrantes, com a juíza a apontar que houve um aumento de processos com as mudanças nas leis de imigração e nacionalidade pelo Governo.
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