Seu coração afundou mais uma vez diante daquela lógica gélida. Este diálogo era o mesmo, repetido inúmeras vezes ao longo dos anos. Um homem fisicamente presente, mas espiritualmente ausente há muito tempo.
Ele se levantou. "Não", disse, desta vez do fundo do coração. "Não foi o suficiente."
Ela se afastou dele, da espreguiçadeira, do concreto. Seus pés a carregaram das pedras para as cinzas macias da praia. Ela tirou os sapatos. Quando a água fria envolveu seus tornozelos, ela parou e disse silenciosamente: "Sim". "É isso."
À medida que os grãos de areia deslizavam por entre seus dedos, ela parecia liberar uma lembrança a cada grão. Seu sussurro pairava no vento:
"Pegue, pegue e vá... A chuva que molhou meu cabelo naquele primeiro encontro... O som pesado daquela porta batendo em ressentimento... Os nomes que escolhemos para o nosso filho que ainda não nasceu... Vá. Essa não sou mais eu."
Müge İplikçi escreveu: Última chamada
No horizonte, as luzes da balsa brilhavam como uma estrela tênue. Algo dentro dele despertou de terror.
"Não!", murmurou para si mesmo. "Não a perca!"
Ele se virou e lançou um último olhar. A chaise longue vermelha e a silhueta nela eram agora uma imagem distante e nebulosa. Ele levantou a mão. Não disse nada. Apenas acenou. Aquele aceno foi tanto uma despedida, um pedido de desculpas e um primeiro passo ousado em direção a si mesmo.
E então ele começou a correr.
Sua saia se enroscou na areia molhada, e o vento penetrava seus pulmões como uma faca afiada. Areia, água, depois madeira sob seus pés... Ela avançou, saltando e saltando, a respiração ofegante. E então o cais. O apito final da balsa tornou-se um grito abafado em seus ouvidos. A ponte que dava para o cais estava sendo puxada para cima, rangendo como se protestasse contra sua chegada.
Alguém no convés gritou para ela: "Senhora! A senhora não pode pular! Cadê sua passagem?!"
Com um último esforço, ele alcançou a ponta do tabuleiro, a borda do vão entre duas vidas, com os pés molhados e o coração preso no peito como um pássaro louco.
"Sim!", gritou ele ao vento, com a voz embargada de medo e triunfo. "Sim, eu tenho o ingresso!"
Quando o sonho terminou, ela abriu os olhos. Sua testa estava úmida de suor frio. Sua respiração ainda acelerada. A cama era segura e familiar. Pela janela, ela viu o mar calmo, iluminado pela primeira luz do amanhecer. Ao lado dela, seu marido dormia profundamente.
Ele sentou-se na beira da cama. A última pergunta do sonho ecoava em sua mente enquanto ele a repetia num murmúrio: "Onde está sua passagem?"
Ele se levantou lentamente. Caminhou até a janela. Lá embaixo, uma balsa de verdade se aproximava silenciosamente do cais. Em breve, estaria à espera de seus novos passageiros para um novo dia.
Uma voz sonolenta e indistinta veio de trás dele na cama: "O que está acontecendo? Ainda nem amanheceu..."
A mulher olhou para a janela e respondeu: “A balsa está prestes a partir”.
Houve silêncio por um momento. Ouviu-se o farfalhar dos lençóis. Então, desta vez, a mesma voz, um pouco mais próxima, mas igualmente indiferente e sonolenta, chamou-o: "Ingresso?... De onde veio esse ingresso?"
Desta vez, a mulher murmurou a resposta num sussurro tão alto que só ela e o passageiro em seu coração puderam ouvir: “Dentro de mim”.
E naquela primeira luz da manhã, ele soube claramente pela primeira vez o que fazer, para onde correr, para onde ir com a passagem que tinha para o resto da vida.