O direito à não-indignação

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O direito à não-indignação

O direito à não-indignação

A julgar pelo número de pessoas que estão indignadas poderíamos pensar que, mais do que um direito, a indignação é um dever. Mas se a indignação é um dever levanta-se a questão de saber porque deveríamos cumprir esse dever e ficar tão comummente indignados, e por que razão deveria o estado mais frequente nos nossos semelhantes, isto é, a indignação, tornar-se por força também o nosso estado normal.

Tal como copiar os sentimentos dos nossos semelhantes não nos torna mais semelhantes a eles, assim não partilhar esses sentimentos não nos torna membros de outra espécie ou de outro planeta. Quem não cumpre o seu dever de indignação não é menos parte da espécie daqueles que se indignam: é quando muito como uma pessoa que não é exactamente igual a todos os membros da sua espécie; ou seja, é como qualquer membro da nossa espécie.

A noção de que nos devemos por princípio indignar depende de uma ideia característica sobre o mundo. A essa ideia poder-se-ia chamar “a maldade das coisas.” A maldade das coisas é a propriedade metafísica do mundo que predispõe para o torto os objectos, as pessoas e os arranjos impalpáveis. A indignação é no fundo um sentimento de quem acha que tudo está constantemente a dar para o torto; em especial um protesto contra o que se estipulou ser a inclinação funesta das coisas.

A noção de maldade das coisas é um modo muito comum de sugerir que o dever da indignação é natural. Não é; e quando não aceitamos esse dever ficamos dispensados de acreditar nela. Não está mais calor ou perdemos um botão porque tudo neste mundo dá para o torto. O que os não-indignados dizem aos indignados é que as ocorrências que deploramos permitem por vezes tirar conclusões sobre pessoas ou melhorar maneiras de fazer as coisas; mas não permitem discutir com o que aconteceu.

O mundo da pessoa não-indignada é diferente do mundo da pessoa indignada. Não depende do dever de imaginar que nos situamos em relação às coisas como quem verifica se uma promessa que nos fizeram foi cumprida, ou se um artigo que encomendámos foi executado na perfeição. Para o não-indignado, mesmo quando tenta proteger e manter coisas, não somos clientes das coisas, ou utentes do mundo; e é ocioso imaginar que podemos devolver à procedência as coisas que nos desagradaram.

Não cumprir o dever de nos indignarmos não é só uma questão de nos libertarmos do cumprimento de cadernos de encargos absorventes; ou de nos sentirmos sossegados para ir fazer aquilo que realmente nos interessa, sem ter de dar contas disso a ninguém. É principalmente o reconhecimento de que o mundo não é um artigo, uma tarefa, um projecto, ou um objecto em relação ao qual possamos reclamar, mas uma coisa que já era o caso muito antes de repararmos nele pela primeira vez.

observador

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