CMVM defende políticas públicas para facilitar o acesso ao mercado de capitais

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) apresentou em Braga um “estudo sobre a dinamização do mercado de capitais” que foi elaborado por um consórcio composto pelas Universidades do Minho, de Coimbra e do Porto. Este estudo analisa o papel do mercado de capitais no crescimento económico e a sua relação com o comportamento das empresas e dos agregados familiares.
Luís Laginha de Sousa, presidente da CMVM, sublinhou na sua intervenção que “o estudo não é um diagnóstico. Em termos simples, o que se pretendeu foi perceber a relação entre o desenvolvimento do mercado de capitais e o crescimento económico”.
O presidente da CMVM diz que o estudo “tem a importante particularidade de ter sido efetuado por um grupo de dez reputados académicos, que representam três prestigiadas universidades portuguesas, garantindo a independência das conclusões” e, acrescenta, “esperamos sinceramente que possa ser um contributo devidamente valorizado”.
Entre as principais conclusões do estudo destaca-se que “a melhoria das condições de acesso ao mercado de capitais, quer para as empresas que nele se podem financiar, quer para os agregados familiares que através dele podem canalizar as suas poupanças, tem o potencial de dinamizar a economia portuguesa, assim como de melhorar a qualidade de vida da população”.
Esta conclusão, que sinaliza, de acordo com os autores, “a necessidade de políticas públicas que contribuam para facilitar o referido acesso ao mercado de capitais, eliminando obstáculos existentes, criando condições mais favoráveis a esse acesso e promovendo a literacia financeira”, é complementada por resultados que enfatizam o papel do desenvolvimento do mercado de capitais enquanto impulsionador do investimento, da inovação e da produtividade da economia portuguesa.
Ao longo de quatro capítulos é justificada a importância do mercado de capitais para o crescimento económico, os benefícios do seu acesso para o desempenho empresarial e os fatores que condicionam a participação dos agregados familiares neste mercado, conjugando uma análise internacional com a perspetiva nacional.
No âmbito do primeiro capítulo, foi analisada a associação entre o desenvolvimento do mercado de capitais e o crescimento económico, tendo por base uma amostra de dados em painel, com os resultados a sinalizarem a importância do mercado de capitais (medidos através da capitalização bolsista e do crédito não bancário) na promoção da dinâmica de inovação nas economias.
“Uma conclusão que está alinhada com a do terceiro capítulo, dedicado às empresas portuguesas, e no qual se mostra que, aquelas que têm ações ou obrigações cotadas, bem como as suas subsidiárias, tendem a ser mais produtivas do que as empresas que não acedem ao mercado de capitais”, revela a CMVM.
O regulador do mercado de capitais diz ainda que “as empresas beneficiárias de capital de risco tendem a apresentar um desempenho relativo superior em termos de intensidade e propensão para exportar, tendo também, a par das empresas com colocação privada de dívida, uma maior propensão a contratar trabalhadores especializados e investir em atividades de I&D”.
Ainda no contexto do financiamento e desempenho das empresas, os resultados apresentados no segundo capítulo do estudo indicam que o acesso ao mercado de capitais está associado a melhores condições de financiamento (empresas cotadas têm menores custos do capital alheio, menor peso de empréstimos de curto prazo e menores níveis relativos de endividamento) e a níveis de investimento superiores.
Por sua vez os resultados apresentados no quarto e último capítulo, tendo por base informação de 18 países da União Europeia, apontam para uma participação limitada dos agregados familiares no mercado de capitais, em contraste com as aplicações em depósitos bancários.
De acordo com os autores, barreiras económicas e comportamentais – como baixos níveis de riqueza, comportamento face ao risco e falta de literacia financeira – explicarão, em grande parte, estes resultados.
Na conclusão final, os autores identificam que o desenvolvimento do mercado de capitais seria benéfico para Portugal, nomeadamente com efeitos no aumento do investimento, da inovação e da produtividade.
“É possível que iniciativas legislativas ou doutra índole (nomeadamente as relacionadas com a promoção da literacia financeira) que reduzam os obstáculos ao desenvolvimento do mercado de capitais e ao acesso a esse mercado por parte das empresas e das famílias contribuam para melhorar as condições de financiamento das empresas, impulsionar o desempenho da economia portuguesa e elevar o nível de vida da população”, referem os autores.
Por sua vez Luís Laginha de Sousa diz que “a realização deste estudo foi algo que o Conselho de Administração da CMVM assumiu publicamente logo no início do seu mandato, mesmo tendo consciência que não é por falta de diagnósticos que o nosso mercado de capitais não se desenvolve mais”.
“Aliás já verbalizei mais do que uma vez e publicamente que, no que ao desenvolvimento de mercado diz respeito, há pelo menos uma coisa que não necessitamos, justamente ‘diagnósticos’. Referi também que sem prejuízo de podermos sempre melhorar os diagnósticos, o essencial é passar à fase da concretização das ações que podem contribuir para o desenvolvimento do mercado”, sublinha o Presidente da CMVM.
Um dos objetivos da CMVM, refletido no Plano Estratégico para 2025-2028, é fomentar a investigação, ou seja, a produção de conhecimento sobre o mercado de capitais. Pelo que “o trabalho que foi feito de recolha e tratamento de dados, e todo o vasto conjunto de temas que podem e devem ser aprofundados com investigação complementar, são sementes que este estudo vem deixar e que nós esperamos possam germinar e dar bons frutos”, defende Laginha de Sousa.
O presidente da entidade reguladora fala nas externalidades associadas ao mercado de capitais e por isso também ao seu desenvolvimento.
“O conceito de externalidade é particularmente importante porque é quando estamos perante a sua existência que mesmo os mais liberais concedem ser um dos fatores que justifica a atuação das políticas públicas, seja no sentido de estimular as externalidades positivas, seja no sentido de penalizar as externalidades negativas”, diz Luís Laginha de Sousa.
“Apesar de o mercado de capitais ser uma realidade muito mais abrangente do que o mero mercado de negociação de valores mobiliários (ou o mercado de bolsa, como é comummente referido), e da abertura do capital em bolsa, quero abordar este ponto focando mais nessa dimensão para facilitar a transmissão da ideia, mas deixando claro que o que vou referir é igualmente extrapolável para um leque muito mais vasto de situações de recurso ao mercado de capitais, tais como emissão de obrigações, acesso a capital de risco e outras”, disse o responsável pela CMVM.
“Também aqui quero socorrer-me de uma afirmação que já utilizei publicamente várias vezes. Trata-se da afirmação de que, apesar da decisão de recorrer ao mercado ser influenciada por vários fatores, há um que se destaca em relação a todos os demais e que normalmente acaba por ser decisivo para recorrer ou não ao mercado e, em particular em relação à decisão de abrir o capital”, diz, acrescentando que “esse elemento é a vontade do acionista e, nalguns casos, também a vontade da gestão, sobretudo quando existe uma sobreposição entre a posse e a gestão”.
“Sobre os fatores que suportam a decisão e estimulam essa vontade de aceder ao mercado, não me vou debruçar, já que correspondem àqueles cujas vantagens são normalmente adequadamente percepcionadas e internalizadas pelos próprios agentes económicos”, referiu na sua intervenção em Braga.
No entanto, acrescenta, “as externalidades normalmente ficam fora dessa equação, sobretudo quando as decisões de acesso ao mercado são tomadas por agentes económicos que, tendo toda a legitimidade para o fazer, valorizam apenas o que conseguem internalizar”.
“Creio que podemos assegurar sem margem para dúvidas que as externalidades associadas ao mercado de capitais, não só são muitas e muito diversificadas, mas também podem ser de grande valor para a sociedade como um todo. Sem querer ser exaustivo, mas apenas para elencar algumas, refiro-me, por exemplo: a uma alocação mais eficiente de capital na economia; maior possibilidade de diversificação de risco; redução do custo de financiamento; apoio à transmissão da política monetária e melhoria na governação e na transparência das empresas”, referiu Luís Laginha de Sousa .
O presidente da CMVM sinalizou a transparência que o mercado impõe. “Essa transparência contribui para reduzir a assimetria de informação, e isso pode ser de enorme valor, por exemplo, no contexto das negociações relacionadas com condições laborais, pois o acesso a mais e melhor informação sobre as empresas contribui também para uma melhor remuneração do fator trabalho”, disse.
“A partir do nosso ponto de observação, os benefícios diretos do mercado têm elementos que deveriam justificar uma maior vontade dos agentes económicos em recorrer ao mesmo. No entanto, isso não nos impede de reconhecer que, se houvesse a possibilidade de uma maior internalização das externalidades positivas, poderíamos ter hoje um mercado com outra dimensão e seguramente com mais emitentes”, sublinhou o presidente da CMVM.
Sobre o risco, Luís Laginha de Sousa, considera que “contrariamente ao que muitas vezes se ouve dizer, de que os portugueses são avessos ao risco, acredito que essa afirmação está profundamente errada”.
“A nossa história está repleta de exemplos demonstrativos da enorme capacidade de correr riscos. O mesmo é dizer que, mais do que o custo ou a dificuldade associada a determinada opção, verdadeiramente o que é importante é a expectativa do retorno em relação a essa mesma opção. Isso significa que não somos avessos ao risco, mas sim às situações em que a expectativa de retorno não é compensadora face ao risco”, conclui.
“Se pensarmos que o mercado regulado, transparente, organizado, impõe também um custo aos agentes económicos que nele querem atuar, porventura mais importante que reduzir esse custo, é atuar no sentido de permitir um maior retorno face ao custo que essa opção representa, nomeadamente permitindo um melhor reconhecimento e valorização das externalidades”, disse Laginha de Sousa.
O presidente da CMVM focou-se numa das externalidades do desenvolvimento do mercado de capitais “que parece ser muito pouco valorizada no nosso país, porque a importância do mercado vai muito para além daquilo que é mais visível, como é o caso dos emitentes, dos instrumentos cotados, das transações, da gestão de ativos e do capital de risco”.
“Refiro-me ao conceito do setor de serviços financeiros, também comummente referido como indústria de serviços financeiros, que integra um conjunto de atividades, muitas delas de elevado valor acrescentado. A importância destas atividades é amplamente reconhecida em muitos países, ao ponto de existirem agências públicas ou público-privadas focadas na dinamização dessa indústria ou setor nos respetivos países”, referiu.
“Essa dinamização pode ser, quer pela via endógena, ou seja, fazendo com que os mercados de capitais domésticos e o setor de serviços financeiros se desenvolvam a partir da sua própria base, quer pela via exógena, através da promoção externa desses países para atrair não só entidades internacionais que atuem na cadeia de valor do setor de serviços financeiros, mas também as próprias operações realizadas no mercado de capitais, como a emissão de instrumentos financeiros — ações, obrigações, unidades de participação de fundos de investimento ou outras — bem como a constituição de entidades prestadoras desses serviços”, defende Laginha de Sousa.
Entre as agências mais conhecidas incluem-se, por exemplo, nomes como Paris Europlace, Luxembourg for Finance, Italian Financial Center, Frankfurt Main Finance e The City UK, “já para não falar de outras em geografias mais distantes, mas igualmente bastante ativas. Portugal, no entanto, não tem uma entidade dedicada especificamente a este propósito, e este é seguramente um tema que justifica atenção e reflexão”, acrescenta.
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