Quantos mais terão de morrer para que a consciência pese?

Em Portugal, morreram bebés porque não havia meios para os salvar. Um homem com o cérebro a sangrar ficou mais de cinco horas à espera de transporte. O INEM falhou. O SNS não chegou a tempo. E a ministra da Saúde, depois disto tudo, consegue dizer ao país que está de “consciência tranquila”.
Isto não é apenas trágico. É grotesco.
Num país que se orgulha do Serviço Nacional de Saúde, as equipas médicas fizeram o que puderam, mas o socorro parou na falta de meios, nos atrasos logísticos, nas coordenações que falharam.
E quando falha um sistema que existe para salvar vidas, vidas perdem-se. Não é retórica. É literal.
O que choca não é só a sucessão de casos. É o discurso que se lhes segue.
Uma ministra que, depois da morte de bebés que podiam ter sido evitadas com um transporte aéreo atempado, vem dizer que dedica “70% do dia ao INEM”. Como se o tempo de secretária fosse consolo para uma mãe que ficou sem o filho nos braços.
Como se a estatística interna do ministério fosse mais relevante do que o corpo frio de uma criança que nunca vai crescer.
Por muito menos do que isto já caíram ministros em Portugal. Já houve demissões por pressões políticas, por suspeitas administrativas, por problemas que não custaram vidas.
Agora, perante mortes concretas e um sistema de emergência que falha no essencial, chegar a tempo, o que temos é uma governante que dorme tranquila.
Como se governar fosse garantir o seu próprio sono, e não o direito à vida de quem depende do Estado.
E sim, é verdade que não foi Ana Paula Martins quem pilotou os helicópteros. Não foi ela quem atendeu o telefone do INEM. Mas o sentido profundo da responsabilidade política é este: quem assume a pasta responde por aquilo que acontece sob o seu comando.
Não é para as glórias. É para as tragédias.
O SNS não precisa apenas de mais dinheiro. Precisa de prioridades certas e coragem de governar, não de administrar silêncios.
Precisa de quem, ao ver falhas que matam, fique com a consciência pesada ao ponto de perceber: não posso continuar como se nada fosse.
No fim, a pergunta que fica não é retórica. É uma exigência moral:
quantos mais terão de morrer para que alguém, finalmente, deixe de ter a consciência tranquila?
Quantas famílias terão de chorar sozinhas para que se entenda que governar é carregar o peso destes fracassos, não varrê-los para debaixo do tapete dos relatórios?
Porque há consciências que descansam.
Mas há países inteiros que não deviam dormir tranquilos com elas no poder.
observador