O Estado malfeitor

Para o Estado português, quando se trata de sacar dinheiro aos cidadãos, vale tudo.
Vem isto a propósito de uma figura jurídica que passa despercebida a muita gente, o processo de execução fiscal que se caracteriza por permitir ao Estado usar meios coercivos para tirar dinheiro ao cidadão sem ter de passar por um tribunal, de modo a avançar logo para a penhora de bens, vencimentos, pensões e contas bancárias. Há razão de ser para lançar mão do processo de execução fiscal com todos os poderes coercivos que ele permite para cobrar as dívidas resultantes dos impostos e outros tributos devidos, na medida em que o Estado, aqui como em toda a parte, necessita de dinheiro rapidamente para fazer face a despesas fixas e até (algumas) de capital. Até aqui tudo bem.
Mas o malandro do Estado português vai muito mais longe. A questão é muito simples, mas muito insidiosa. É que o nosso Estado utiliza aquele processo de execução fiscal fora da cobrança de impostos e tributos, ou seja, para cobrar outras dívidas sem ter de passar pelo incómodo de ter de pôr uma acção em tribunal e esperar pela sentença. Na verdade, o legislador português, com a falta de cultura liberal que o caracteriza, tem alargado cada vez mais a possibilidade de usar o processo de execução fiscal na cobrança das dívidas resultantes de contratos voluntariamente celebrados entre os cidadãos e o Estado ou outras pessoas colectivas equiparadas. É o caso, p. ex., das dívidas resultantes das subvenções (alegadamente) mal utilizadas, da Via Verde, etc… Amanhã não haverá pretendente a concessionário de serviço público que queira assinar um contrato de concessão sem que o Estado português lhe dê o direito de cobrar dívidas por via fiscal. E há mais: se o executado em processo de execução fiscal por dívidas resultantes de contratos ainda não conseguiu pagar tudo, não pode obter uma certidão comprovando que nada deve às Finanças, muito embora a dívida nada tenha que ver com os impostos. E, portanto, não pode participar em concurso públicos, etc… O Estado português goza que se farta…
E as coisas não ficam por aqui. O legislador tem o cuidado de não criar um prazo especial de prescrição para as dívidas resultantes de contratos administrativos com o Estado. Claro que o Estado alega que aquele prazo é o de vinte anos, que é o das dívidas civis. Já viram isto?
É que o processo de execução fiscal diminui muito as garantias dos cidadãos, por muito que alguns patuscos digam que não, pelo que só pode ser excepcional e limitado à cobrança dos impostos. Nada mais.
Escusado será dizer que nada disto vale se for o Estado o devedor. A desigualdade entre o Estado e o cidadão é gritante. O Estado português não só não paga atempadamente como se fica a rir do cidadão que tem de recorrer aos tribunais para que estes condenem o Estado a pagar-lhe. E se tiver provimento o Estado recorre sempre até onde lhe for possível. E se, por fim, for condenado, que importa? Não paga, e se lá pagar qualquer coisita ao fim de 10 ou 15 anos, o governo já é outro, outro o autarca e outro o presidente do instituto público.
Claro está que nos países civilizados não é assim. O Estado português é atípico? Atípica é esta democracia. Votem neles, votem.
observador