Porque cresce a direita populista?

No rescaldo das legislativas de 2025, foi clara a preocupação das várias forças políticas em apontar culpados para o crescimento do partido de André Ventura. À direita, culpava-se os socialistas pela estratégia de promoção do Chega. À esquerda, culpava-se a direita pela normalização do partido da direita populista. E todos ou quase todos, pasme-se, culpavam o Pedro Nuno Santos. Mais preocupados com as próprias agendas políticas, do que em debater as reais causas de um fenómeno sociológico que é transversal a inúmeros países, da noite eleitoral e dias subsequentes, emergia sobretudo a ideia que as costas do dirigente socialista eram especialmente largas.
A direita populista cresceu exponencialmente num espaço temporal demasiado curto, numa evolução que poucos vaticinariam. E continuará a crescer, se para além dos jogos partidários, não nos preocuparmos em perceber o porquê.
O Wokismo
Quando falamos do movimento “woke”, importa esclarecer que a referência nada tem a ver com o genuíno e justo movimento de protesto dos idos anos 70 do século passado, que está na origem da própria designação. Falamos sim, do formato politicamente manipulado com que chegou aos nossos dias. À usurpação do nome, juntou-se a agenda política desenvolvida nos meios académicos americanos e em algumas elites intelectuais europeias, logo aproveitada pela esquerda mais radical, para impulsionar todo um novo enquadramento político, social e cultural. Sucederam-se as tentativas de imposição de uma linha de pensamento único, os atos de censura, os projetos educacionais manipulados, todo um conjunto de excessos e tiques de ditadura cultural em estado de insanidade global. Quem não aderia ao novo “mainstream” e ousava contra-argumentar, era de imediato premiado com a berraria coletiva e um qualquer rótulo de “ista”. O receio de tão pouco desejada rotulagem, foi condicionando a esquerda moderada e o próprio centro-direita que, envergonhado de o ser, ía participando pelo silêncio, no circo que estava instalado.
O terreno fertilizava-se abundantemente para uma reação extremada. A comunidade haveria de acusar o cansaço relativo ao exército de “pseudo-ofendidos” e, em algum momento, adivinhava-se que iria reagir. E reagiu! Pelo pior caminho possível, a reboque da direita populista, que percebeu que tinha chegado o seu momento, que estava montado o cenário para subir palco e influenciar o futuro com um impacto de dimensão histórica.
Os culpados somos todos nós, em particular o centro politico moderado que, em determinado momento, permitiu à esquerda radical a liderança do processo “evolutivo” da civilização ocidental.
A segurança e a imigração
É neste contexto que caracterizou o primeiro quarto temporal do séc. XXI, que as comunidades em geral e os decisores políticos em particular, têm de lidar com dois temas difíceis, mas reais – Segurança e Imigração. Receosos da pressão social de não fazerem parte do rebanho, optam pela mais fácil e perigosa das soluções. Metê-los numa gaveta, transformando-os em temas tabu. Afinal, bastava alguém tentar trazer tais problemas a debate, para que centenas de vozes se levantassem em coro, apontando o racista e fascista que ousava falar em “falsas questões”.
Nem os sinais que aqui e ali iam surgindo, como o “Brexit”, claramente impactado pelo discurso do fecho de fronteiras alegadamente por razões de segurança, ou a obra do apelidado islamofóbico Michel Houellebecq, em jeito de profecia para a explosiva França, pareciam despertar os que conduziam o nosso destino comum.
O acordar, no final deste quarto de século, revelou-se violento. Os temas que deveriam ter sido assumidos e geridos com a visão e a estratégia do centro moderado, estão capturados e monopolizados pela direita populista e a servirem de combustível essencial para o seu acelerado crescimento.
O choque cultural
Nada há, de tão enriquecedor para a evolução civilizacional, como o encontro e influência de culturas. Nós somos, na nossa própria existência, uma miscelânea de conceitos e de influências mútuas, sem uma clara sobreposição de uma cultura sobre qualquer outra. Mas a cada momento, teremos de saber filtrar, no processo de impactos culturais em curso, aquilo que é nefasto e que colide com os alicerces essenciais da nossa existência comum.
A civilização ocidental evoluiu a partir de uma fortíssima influência da cultura judaico-cristã, também ela, no passado, recorrentemente castradora nas mais variadas vertentes. Levamos 500 anos, após a obscura era medieval, a conseguir ganhos reais como no caso da igualdade de género ou da livre expressão do próprio EU.
Não podemos permitir agora, a propósito do falacioso argumento da tradição social ou religiosa, que alguns desses alicerces de que nos orgulhamos sejam postos em causa, por muito que se ouça o ruído dos oikofóbicos, tal como Arturo Pérez-Reverte os designou, que estão sempre prontos a ver no ocidente e na cultura ocidental, a origem de todos os males do mundo.
A resistência contra influências arcaicas, de cariz medieval, já no espaço da barbárie, terão de ser um desígnio da própria Europa, sob risco de estarmos a gerar crises sociais indesejáveis e a produzir mais combustível para a consolidação da direita radical.
A cultura política e o exercício de gestão da coisa pública.
No entanto, não são apenas os temas e as causas capturadas, que alimentam o crescimento deste fenómeno sociopolítico.
A disponibilidade e recetividade das populações para aderirem ao discurso populista, emergem também, e inevitavelmente, da necessidade de votarem em protesto contra a má política, onde se habituaram a ver o compadrio, a importância do cartão do partido, a cultura dos boys & girls levados à gestão do país, quando em muitos casos, pouco fizeram para além de acabar o secundário.
O crescimento da direita populista não surgiu do acaso, não é uma moda, nem um epifenómeno localizado e controlado. É um processo em curso com potencial de arrastamento no tempo. Emerge, em parte significativa, de uma reação extremada à tentativa de imposição de um enquadramento sócio-cultural hostil à esmagadora maioria da população, que inibiu o tratamento de dossiers com danos colaterais para a comunidade em geral. A este quadro junta-se o voto de protesto, e o suporte do fenómeno vai-se tornando mais sólido.
Cabe-nos a todos perceber essa realidade! As preocupações da população têm de ser ouvidas e abordadas com coragem e sem tabus. Por vezes, é nas tão mal- afamadas conversas de café, que a elite política tanto desdenha, que residem algumas incontornáveis verdades. Talvez valesse a pena de quando em quando sair da redoma e tentar ouvir povo.
observador