Breve hino ao Manuel Maria

Não conheci o Manuel Maria Trindade, nem recordo ter tido a sorte de o ver em praça, era quase da idade do meu filho mais novo, mas nos últimos dias tenho-o imaginado, vezes sem conta, a bater as palmas a um toiro imponente, vibrante, daqueles que secam a boca e aceleram os sentidos. Para ele vão estas palavras.
A prática de enfrentar um toiro bravo a corpo limpo é quase tão antiga como a história da humanidade, com diversos contextos que não interessa agora historiar, mas o confronto físico, voluntário, numa praça, entre um homem e um toiro, através de um cite, da invasão do seus terrenos, do tourear a investida bruta, culminando com uma reunião cinética, ajudada depois por um grupo de homens, é algo único com tradição sedimentada e intrinsecamente portuguesa, sem paralelo com qualquer actividade humana, pela capacidade de entrega física, mental, de superação do instinto de sobrevivência, abnegação do risco e do sacrifício individual e colectivo.
Independentemente de todas as aleivosias, que não merecem sequer uma linha, a pega de um toiro numa arena é um momento de Arte maior, incomparável com qualquer outra arte efémera, que remete para valores ontológicos da natureza humana, reduto de verdade, nobreza e de valor intrínseco, ao alcance de muito poucos mortais.
O impulso de pegar um toiro, até o realizar com arte capaz de sublimar a história de um grupo de homens unidos pela mesma vontade e vivência, é um caminho iniciático transcendente, como é a liderança e a interdependência no seio de um grupo de jovens que se organizam, treinam e motivam para enfrentar toiros, depois de serem lidados a cavalo na tradição da cultura tauromáquica portuguesa, de onde a sociedade, as organizações e até as empresas teriam muito para aprender neste tempo de relativismo e facilidades vazias.
A autenticidade suprema do ritual da pega de um toiro, como em toda a liturgia de uma corrida de toiros, está na omnipresença de um dos grandes tabus do nosso tempo que é a própria morte, sempre dissimulada pelo politicamente correcto que renega o sacrifício, o esforço e a dedicação inerente ao ciclo da vida e às paixões que dela fazem parte quando comportam risco.
O Manuel Maria sentiu esse impulso e certamente comungava da mesma transcendência como forcado de cara, herói consciente e genuíno, manteve intimidade com o medo sempre que se fardou e aceitou o que a sua paixão transportava, pelos seus amigos, pela glória de umas palmas, pelo orgulho da família, por um sorriso da namorada e pela admiração de todos quantos emocionou quando pegou um toiro.
O Manuel Maria viveu intensamente como quis, fazendo o que mais gostava. Que honra e que privilégio!
Alguém disse que o grande paradoxo da Festa dos toiros é ser olhada como um fenómeno anacrónico e antiquado quando na realidade representa a transgressão ao niilismo e a vanguarda de valores fundamentais e eternos, que o Manuel Maria viveu e pelos quais será recordado, sempre que for pegado um toiro por um herói de jaqueta de ramagens.
Sentidos pêsames aos Pais do Manuel Maria, que está nas minhas orações, e ao grupo de forcados amadores de São Manços.
observador