Silves não é uma cidade qualquer, nem deve ser tratada como tal

Foi uma das cidades mais importantes da Península Ibérica, rivalizando até com Sevilha ou Lisboa, em algumas alturas. O seu passado está bem documentado na história, mas a sua presença no presente e no futuro do Algarve é cada vez mais residual.
Ao longo dos séculos, Silves foi perdendo centralidade económica e política. Primeiro com o assoreamento do rio Arade, depois com a ascensão de cidades costeiras como Portimão, Faro ou Albufeira, que beneficiaram mais diretamente do turismo de massas (o novo motor económico da região) e do investimento público e privado. Mas a verdadeira questão não é a perda natural de importância,, é sim a falta de reação à perda. Silves não tem sido apenas esquecida. Tem-se deixado esquecer.
Nos últimos anos, os sucessivos executivos camarários pareceram adotar uma lógica de gestão minimalista: renovar estradas, renovar infraestruturas, preservar o património, sendo que, mesmo considerando estas tarefas extremamente importantes, não bastam para inverter o declínio estrutural do concelho. O verdadeiro papel de uma autarquia não deve ser apenas manter a coisa pública, é projetar, atrair e transformar. Silves tem estado longe disso.
É inegável que o concelho vive hoje uma crise silenciosa: a perda de jovens, o envelhecimento da população, o aumento dos custos de vida (influenciado pela pressão turística no mercado imobiliário) e a falta de oportunidades qualificadas. Tal como em muitos outros concelhos do interior algarvio ou do país, os jovens de Silves são forçados a sair, não por escolha, mas por falta de alternativas. A maior parte dos empregos disponíveis está concentrada no turismo, agricultura ou serviços pouco diferenciados, com salários baixos, pouca progressão e ainda menos estabilidade.
O sector do turismo, apesar da sua importância, tem sido tratado como tábua de salvação única. Multiplicam-se os projetos de investimento turístico, como aldeamentos, resorts, unidades de alojamento local, mas sem uma estratégia de integração real na economia local, e sem garantir que geram emprego de qualidade ou fixação de população ativa. A aposta no turismo tem limites claros: é sazonal, frágil perante crises externas, e dificilmente podemos competir com outras regiões mais bem servidas de infraestruturas. A aposta no turismo não é bem uma aposta, é uma atitude passiva perante o desenrolar do que vai acontecendo externamente ao concelho.
O problema de fundo é que Silves não tem aproveitado as oportunidades que o século XXI oferece. Não é um problema apenas do concelho, como facilmente podemos perceber com os dados que temos do país, no entanto, temos de perceber que vivemos numa era em que o trabalho remoto, a economia digital, a inteligência artificial e os serviços baseados em conhecimento permitem que empresas e trabalhadores se desloquem para qualquer ponto do país, desde que existam boas condições para viver e trabalhar. Alguns exemplos no interior, antes resignados ao esquecimento, conseguiram inverter tendências graças a alguma visão estratégica.
O caso de Vila Velha de Ródão é particularmente ilustrativo: através da atração de investimentos industriais de valor acrescentado, da criação de habitação acessível e de políticas ativas de fixação de famílias, o concelho passou de exemplo do despovoamento a símbolo de reinvenção. A população está em crescimento, reabriram escolas que estavam fechadas há vários anos, e existem trabalhadores altamente qualificados naquele concelho, vindos de vários pontos do mundo.
Nada disto foi obra do acaso. Foi preciso vontade política, liderança, capacidade de negociação com o Estado e com investidores privados, e sobretudo uma leitura do que é o mundo hoje. Não há nenhuma razão estrutural que impeça Silves de seguir um caminho semelhante. A localização geográfica, a qualidade de vida, o património natural e histórico, a segurança e até a disponibilidade de imóveis deveriam ser trunfos para atrair talento e inovação. Mas para isso é preciso mais do que cosmética urbana. É preciso planeamento a longo prazo, diálogo com as universidades e centros de inovação, incentivo ao empreendedorismo jovem, parcerias com empresas tecnológicas, diálogo com investidores internacionais, e políticas reais de integração de novos residentes, famílias e jovens trabalhadores.
Onde estão os programas de incentivo à fixação de jovens altamente qualificados? Onde estão os concursos para atrair ideias inovadoras para o concelho? Onde estão os incentivos fiscais, os apoios à reabilitação de imóveis para habitação jovem, os polos de experimentação agrícola sustentável ou os núcleos de startups ligadas aos sectores tecnológicos? Onde estão os PDMs adaptados para atrair este tipo de empresas, nomeadamente com capacidade na rapidez da disponibilização de terrenos industriais? Onde está a presença da Câmara Municipal nos grandes certames internacionais tecnológicos e de investimento? São apenas exemplos.
Muitos dos jovens que saíram de Silves têm hoje formação superior, experiência internacional, redes de contactos e ideias capazes de transformar realidades. Mas raramente são ouvidos. E, sobretudo, não são convidados a regressar. Uma autarquia moderna deveria fazer precisamente o contrário: criar programas de reconexão com a diáspora do concelho, perceber o que essas pessoas precisam para voltar e agir sobre isso.
Não se trata de abandonar o turismo ou a agricultura. Trata-se de integrar esses sectores numa visão mais ampla, moderna e inteligente. O turismo pode ser mais qualificado, baseado em experiências, em cultura, em ciência. A agricultura pode ser mais tecnológica, sustentável e digital. Mas nada disso acontecerá por inércia.
O discurso fácil do «não há dinheiro» já não convence. Há fundos europeus, há instrumentos do PRR, há programas de cooperação e há vontade de muitos privados em investir em territórios com potencial, desde que haja estratégia, vontade para dialogar e seriedade na abordagem.
Serviços mínimos não servem para os desafios que se avizinham no futuro. Já não teremos um ambiente externo tão amigável, nem estabilidade interna para poder continuar com o «business as usual». Algo tem de mudar. Administrar uma câmara municipal não é manter o concelho como está, é projetá-lo para o que pode vir a ser.
Silves precisa de autarcas com ambição e visão. Que não se limitem a administrar um legado, mas queiram construir um futuro. Que saibam olhar para os exemplos dos melhores e, com humildade, adaptar boas práticas à realidade local. Que tenham coragem de arriscar, de ouvir, de inovar. Que não tratem os jovens como estatística de saída, mas como ativos essenciais à reconstrução do concelho.
Miguel Braz | Consultor internacional de negócios.
Barlavento