Israel e Palestina: Que papel para a Jordânia e para o Egipto?

Numa altura em que o mundo parece ter desistido de acreditar na paz entre israelitas e palestinianos, importa lembrar que o impossível, na História, já aconteceu muitas vezes. Mas não acontece por acaso, exige coragem política, concessões mútuas, memória e pragmatismo. Exige, acima de tudo, um ponto de partida justo.
O ponto de partida, neste caso, não pode ignorar o direito do povo judeu a existir e a ter o seu país. Israel não é um corpo estranho no Médio Oriente, nem um Estado artificial plantado no deserto por um capricho do Ocidente. Os judeus viveram naquele território durante milénios, antes de serem expulsos, perseguidos, dispersos. O regresso à sua terra, no século XX, depois do Holocausto, não foi um gesto de poder, foi um acto de sobrevivência histórica. O anti-semitismo, que renasce agora com a ligeireza das redes sociais e o cinismo das esquerdas populistas, deve ser denunciado com clareza. O terrorismo, ainda mais.
O ataque brutal de 7 de Outubro de 2023, levado a cabo pelo Hamas, não foi um acto de resistência. Foi um massacre deliberado, planeado, transmitido em directo como se de um feito se tratasse. O rasto de morte, violação, rapto e destruição deixou cicatrizes que dificilmente serão saradas. Israel tem o direito e o dever de proteger os seus cidadãos. Os reféns, vivos e mortos, devem regressar a casa. Não há paz possível sem justiça mínima.
Mas também não há justiça sem paz. E os palestinianos, milhões de pessoas esmagadas entre o fanatismo dos seus “representantes” e o peso brutal da ocupação militar, não desaparecerão. Têm o mesmo direito a viver em segurança, a sonhar com liberdade, a terem um território. O seu sofrimento, que se tornou estrutural, não pode continuar a ser instrumentalizado por tiranias regionais, grupos terroristas e calculismos diplomáticos. Uma criança em Gaza vale o mesmo que uma criança em Telavive. A paz não se mede em quem matou mais.
O problema é que, depois deste ciclo de violência, a solução dos dois Estados, tantas vezes prometida, tantas vezes adiada, parece mais distante do que nunca. A radicalização mútua, a fragmentação do território, a ausência de lideranças confiáveis e a desconfiança absoluta entre as partes tornam quase impossível a convivência entre dois países lado a lado. A realidade já ultrapassou o mapa.
É por isso que é tempo de voltar a pensar fora da caixa. Se a Palestina como Estado soberano for, de facto, uma impossibilidade geopolítica, talvez seja necessário considerar alternativas transitórias, com base na realidade demográfica e histórica da região. A Jordânia, onde mais de 60% da população é de origem palestiniana, tem um papel inevitável neste processo. Já o teve no passado, e poderá voltar a tê-lo, não como potência ocupante, mas como mediadora e estrutura de enquadramento para uma futura autonomia palestiniana. Uma solução poderia passar por integrar, numa primeira fase, a Cisjordânia como região autónoma da Jordânia, com garantias internacionais e compromissos de progresso gradual para uma futura soberania plena.
Gaza, pela sua especificidade, exigirá uma abordagem diferente, provavelmente com um papel mais ativo do Egipto, que tem laços históricos, fronteiriços e políticos com o território. Uma Gaza desmilitarizada, gerida de forma transitória por uma coligação internacional ou por um mandato árabe, poderá ser a única forma de garantir que não volta a cair nas mãos de grupos como o Hamas. O objectivo não é eternizar a ocupação por terceiros, mas criar condições reais para que os palestinianos possam construir, com tempo, espaço e segurança, a sua própria estrutura política legítima.
Estas ideias não são novas, foram debatidas em momentos de maior lucidez internacional, abandonadas por falta de vontade política ou por medo do impopular. Mas talvez estejam a tornar-se inevitáveis. A ausência de solução é, por si só, uma forma de condenação. E quem acredita numa paz justa, uma paz que reconheça os direitos dos dois povos, não se pode dar ao luxo de esperar mais 75 anos.
Num tempo de trincheiras morais, em que tudo é reduzido a hashtags e slogans, defender uma posição equilibrada parece um ato de cobardia. Não é. É um acto de lucidez. A justiça não é um jogo de soma zero. Israel tem o direito a existir — com segurança, com dignidade, com paz. A Palestina também. O que falta é um caminho. Talvez não seja o desejado. Talvez não seja imediato. Mas que seja possível.
Escreve no SAPO quinzenalmente à quinta-feira // Tiago Matos Gomes escreve com o antigo acordo ortográfico
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