E quando não há (mais) mama?

Há um sério problema atual: as pessoas estão demasiadamente apressadas para lerem até ao fim; ouvirem até ao fim. Ficarem até ao fim, no que vale a pena. Ou mesmo que não valha a pena, para assim se saber criticar se houver lugar a crítica. Parece que andam a correr com os olhos separados dos ouvidos, como se isso as colocasse numa marcha vitoriosa. Mas, qual marcha? Assim, se espantam sobretudo os pais e os professores portugueses quando os ‘miúdos’ terminam (a correr) o secundário sem terem percebido que um texto se começa a ler no início e só se conclui quando termina. E que ainda tem de ser relido. Depois, queixa-se metade do país (que se importa) com alheios argumentos sobre os baixos números de acesso ao Ensino Superior, já neste agosto fervilhante.
Primeiro, devia ser esta a preocupação: saber-se ler e escrever bem. Ouvir também, com escuta ativa. Será que estas crianças, julgadas adultas à beira da universidade ou do emprego novo, foram bem amamentadas?
A questão não se prende com tal e andam a dar demasiada importância a isto da amamentação; aliás a chegar ao exagero de menosprezar mães e crianças com ritmos diferentes no vínculo da amamentação. Já é injúria começar a limitar horas de mamar. Eu diria mais, mas não seria uma linguagem apropriada. É que não são só as mães que serão prejudicadas nesta história da repressão horária da amamentação. Os filhos, doravante adultos, não vão gostar de saber que tiveram uma história destas na sua primeira infância.
Ora, as histórias de amamentar ‘quanto tempo’ e se é homem ou mulher que o deve fazer (porque, sim, já tudo se mistura no que fica meio lido, meio ouvido), quem disse o quê, assim se propagam as fábulas tristes como um contágio típico do que foi a covid-19 e creio mesmo que estamos a viver a nova pandemia: desinformação e desmame. Sim, desmame aqui calha bem. Quem chegou até esta parte do texto e ainda não foi embora, permita-me já colocar as palavras assim como são, na sua etimologia própria e original.
Cada vez mais a desinformação de assuntos tão importantes como este – amamentação e desmame – é fomentada pela pressa de se querer postar e publicar primeiro, de se pretender falar mal de alguém primeiro. De se ‘ver’ primeiro. Vem o pediatra, o jornalista, o comentador com a cunha, o político… e todos opinam sobre como e quem deve dar ‘mama’. Aliás, uma palavra muito utilizada no discurso parlamentar, infelizmente, para outras situações.
Ainda sobre a esparvoada novidade legislativa da amamentação/dispensa laboral da mãe, há os supostos jornalistas e autores que escrevem algo que parece um achado arqueológico: que as crianças amamentadas são mais bem-sucedidas no desempenho cognitivo e emocional. Isso já se sabia há décadas, mas vem agora um cuidado com estes ‘achados’ assim abordados quando mães há que não podem e não puderam amamentar. Então, nesse caso, essas crianças ficam atiradas ao destino desta desinformação? Essas mães ficam com uma sensação de impotência de género? O vínculo e o desempenho futuro dos ‘miúdos’ realizam-se por meio complementar de outros estímulos.
E parece que tudo o que é mama incomoda recentemente. Na Dinamarca, recordo-me de ver uma sereia pequena (não a Pequena Sereia) como apanágio turístico; entretanto construíram uma maior (bem maior) porque os dinamarqueses se queixavam da estatura da primeira sereia. Ora, o escultor foi criticado e a estátua grande, por causa de seios maiores também e proporcionais à altura pedida, foi retirada porque a consideram com seios pornográficos. Mas, demoraram a achar este pejo.
Talvez esteja a haver um contágio mais célere sobre problemas com mamas e até um falso puritanismo. Ninguém se entende, todos se incomodam e quem sofre são as mulheres. As estátuas aqui não interessam. Isto é a verdade.
sapo