‘As imitações deixaram de ser um motivo de vergonha’

Adoras os produtos de grandes marcas de luxo como Chanel, Dior e Balenciaga, mas não tens dinheiro suficiente para gastar neles? Se sim, temos a opção certa e secreta para resolver o teu problema. Encontra as marcas e sites de réplicas que oferecem soluções de qualidade exata, mas a um preço acessível». «Com o AliExpress, podes encontrar imitações de roupas de luxo de alta qualidade, com preços acessíveis e muitas opções para todos os gostos». Estas são apenas duas das dezenas de sugestões que vão surgindo nos motores de busca quando procuramos por algum artigo de marca na internet. Ou seja, se antigamente as pessoas, em geral, pareciam ter vergonha de admitir que alguns dos seus acessórios, peças de vestuário ou calçado eram falsificações – compradas sobretudo em feiras ou lojas do chinês e apresentadas como Valenciaga, Erméche, Gutxi ou Chenel –, parece que esse «mercado» está cada vez mais normalizado. Aliás, pelas imitações serem cada vez mais sofisticadas – sendo difícil perceber se se trata de uma peça verdadeira ou não –, há quem as passeie com orgulho e que faça questão de revelar o preço «absurdamente pequeno» que pagou por elas. AliExpress, Shein, Temu, Alibaba, Dhgate, as opções de sites que fazem esse tipo de vendas são muitas e não é preciso ir tão longe. No TikTok, Instagram e Facebook, a qualquer altura do dia, é possível entrar em lives – diretos – de vendedores(as) que mostram as imitações que têm à venda.
«Nunca liguei a coisas de marca. Visto aquilo que me faz sentir confortável e não gosto nem posso gastar muito dinheiro em roupa. Mas com o passar do tempo muita coisa mudou e, se antes só ouvíamos falar de imitações nas feiras e lojas do chinês, atualmente conseguimos encontrá-las muito facilmente em ‘lojas digitais’», começa por afirmar Maria Pereira, de 62 anos. «Lembro-me de que há 30 anos, numa vila do Alentejo onde as pessoas não viviam com muito e não tinham possibilidade de comprar coisas de marca que estavam na moda na grande cidade, um polícia era conhecido por fazer apreensões deste tipo de produtos nas feiras. Até aí tudo bem. É ilegal e as autoridade sempre tiveram atentas a isso. No entanto, este agente, em particular, apreendia as coisas para depois as vender às pessoas da vila», lembra em tom de brincadeira. Eram coisas sobretudo da Adidas, Nike e da Levis. «Todos queriam ter umas calças da Levis e ele concretizava esse desejo cometendo ilegalidades», continua. «Umas calças que, na altura, custavam cerca de 100 euros, ficavam por 25 ou 30. Era um grande negócio. A dada altura, andava tudo com umas!», acrescenta.
Uma coisa que era feita às escondidas de todos, é neste momento feita de uma forma bastante transparente e que parece ter conquistado também os mais novos. Se antes eram os adultos os que mais se interessavam por este tipo de compras, agora, há pré-adolescentes que passam muito do seu tempo em busca da melhor imitação da sua marca preferida. Aliás, uma pesquisa e análise da plataforma Business of Fashion, divulgada em março de 2023, já indicava que a maioria dos consumidores da geração Z sente-se confortável a comprar cópias de artigos de marcas de luxo e considera «aceitável» que os outros façam o mesmo, acabando por normalizar uma forma de acesso a produtos inacessíveis.
Imitações perfeitas?
Mateus, de 15 anos, lembra-se bem da sua primeira compra do género: uns ténis Nike Air Jordan 1 que lhe custaram 60 euros (os originais desse modelo custariam mais de mil na altura). Atualmente, procura por artigos maioritariamente no CN Fans, que se descreve como «a plataforma ideal para compras globais simplificadas de produtos chineses». «Mas já usei outras plataformas como o Panda Buy e o DhGate. Outra plataforma que vende muitas réplicas é a Vinted», revela o jovem.
Os critérios que segue para a compra de alguma coisa dependem muito do artigo. «Tento encontrar réplicas 1:1, que são réplicas exatamente iguais às originais. Nem preciso de estar a ver os detalhes porque nesta plataforma todas as réplicas são perfeitas. Se uma pessoa na rua estiver a usar uns ténis Louis Vuitton comprados no CN Fans qualquer pessoa diria que são verdadeiros. Além disso, as etiquetas são iguais. Alguns artigos, como relógios, vêm com caixa, selos, os paninhos todos de veludo e até faturas. É impossível distinguir», garante, acrescentando que «existem réplicas com materiais idênticos mas feitas em fábricas diferentes».
Relativamente à durabilidade dos artigos, Mateus lembra a primeira réplica que comprou. «Os ténis Jordan foram comprados numa loja do Instagram. Mas as pessoas que vendem nessa plataforma mandam vir da mesma origem, que são fábricas na China. Usei-os bastante, mas acabaram por se estragar. Admito que talvez não tenham durado tanto como se fossem originais», admite.
Quando procura por algum artigo, tenta procurar os links em spreadsheets, «uma espécie de documento de Excel que tem a foto, o preço e o link». «Por norma as spreadsheets encontram-se em contas no TikTok. Depois tenho de seguir o link e vou dar ao site do CN Fans. Adiciono ao carrinho os produtos, que vão para a minha conta do CN Fans», detalha. «O processo de encomenda funciona assim: compramos os produtos, em seguida eles vão para um armazém e só quando já estão no armazém é que pagamos o envio para Portugal. O custo do envio é cerca de metade do custo dos produtos (se uns ténis custam 60, o envio custa 30)», continua.
Mas este também pode ser um «terreno pantanoso» e Mateus já se desiludiu uma vez. «Quando as autoridades chinesas apreenderam as mercadorias que se encontravam nos armazéns do Pandabuy. As minhas encomendas já estavam pagas, ficaram lá e nunca fui indemnizado. Perdi cerca de 100 euros», lamenta.
Noutra ocasião encomendou um cinto da Hermès igual a um que já tinha comprado em Barcelona, mas ficou retido na alfândega. «E recebi uma carta de um escritório de advogados a dizer que tinha de pagar uma multa que rondava os 100 euros por encomendar artigos contra faccionados e prejudicar os clientes deles. A minha mãe falou com uma advogada amiga que lhe disse para não pagar nada. O cinto tinha custado 20 euros. Pedi um reembolso (a compra foi feita no site DH Gate) e recebi o dinheiro de volta», partilha ainda.
Neste momento, o jovem de 15 anos tem um cinto da Hermès e ténis Air Force. «Acabo de fazer uma encomenda de uns ténis Asics, uns ténis LV, uma t-shirt da Casablanca, uma t-shirt da Gallery Dept, uma camisola da Stone Island. Também já tive t-shirts da OFF-white e da Ralph Lauren. Estas são as marcas de que eu gosto e nunca poderia comprar os produtos originais. Pelo preço de um original consigo comprar quase um guarda-roupa inteiro. Esta última encomenda, por exemplo, custou aproximadamente 130 euros», revela. O preço original apenas dos ténis Asics, por exemplo, ultrapassa esse valor.
Mateus admite saber que a contrafação é ilegal. No entanto, considera que ao comprar este tipo de artigos não está a prejudicar ninguém. «Até porque para a marca chegar ao ponto de ter artigos contrafeitos é porque já está num nível bastante elevado», acredita.
Em junho de 2022, um estudo do Painel de Avaliação da Propriedade Intelectual e Juventude referente a 2022, divulgado pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) já dizia que os jovens da União Europeia compram cada vez mais produtos falsificados e continuam a aceder a conteúdos pirateados. Dos inquiridos com idades compreendidas entre os 15 e 24 anos, mais de metade (52%) disseram ter comprado pelo menos um produto falsificado, quer intencionalmente, quer de forma acidental. Quanto ao acesso a conteúdos digitais a partir de fontes ilegais, cerca de um terço (33%) disse ter acedido.
Já em Portugal, mais de um terço (34%) dos jovens compraram intencionalmente produtos falsificados e cerca de 20% utilizaram, reproduziram, descarregaram ou transmitiram conteúdos a partir de fontes ilegais.
E as apreensões no país também aumentaram. Em maio, um relatório do Grupo Anti Contrafação (GAC) revelou que o número de apreensões de produtos contrafeitos apreendidos em Portugal, em 2024, aumentou 398% face ao ano anterior e é o valor mais elevado desde 2016, De acordo com o documento aprovado a 30 de abril, foram apreendidos, no total, 3.264.653 produtos contrafeitos pelas autoridades durante o ano de 2024, o equivalente a mais de 6 milhões de euros. Em 2023, as apreensões ficaram pelos 655.000 produtos.
Mudança de mentalidade
«Lembro-me de, em pequena, a minha mãe me comprar alguns ténis e roupas de imitação de marcas conhecidas como Nike e Adidas. Não comprávamos por imitarem as originais, mas sim porque era o que gostávamos e não havia possibilidades para comprar originais», afirma Mariana, de 18 anos. Na escola, chegou a ser «gozada» quando os colegas reparavam que as coisas não eram verdadeiras. «Em criança, importava-me muito se as coisas eram ou não originais por causa dessas situações, mas hoje em dia já não ligo a isso e tenho algumas imitações», conta.
A jovem lembra que, para muitas crianças, não se tratava apenas de uma peça de roupa, «era usado como rótulo». «Quando não tinhas possibilidade de comprar originais, eras colocada num lugar inferior», lamenta, assegurando que hoje em dia a forma de olhar para isso «mudou completamente». «As imitações deixaram de ser um motivo de vergonha e passaram a ser uma ‘trend’», explica. «Vejo pessoas de todos os estratos sociais a comprar réplicas, muitas vezes sem sequer tentarem esconder. A normalização veio com a globalização, com as redes sociais e com o acesso a plataformas que vendem este tipo de produtos de forma fácil e barata. A ironia de tudo isto é que aquilo que antes me fazia sentir excluída, hoje é algo que vejo ser escolhido propositadamente, mesmo por quem tem possibilidades de comprar originais», reflete. «É como se o ser ‘verdadeiro’ tivesse perdido importância e, no lugar disso, o ter estilo, a estética e o preço fossem mais importantes», aponta.
Mariana não se recorda exatamente da primeira vez que comprou, autonomamente, uma imitação na internet, nem do que foi. «Atualmente, as plataformas que mais utilizo são o AliExpress, a Shein e, mais recentemente, a Hacco. Escolho estas lojas porque têm bastante variedade, preços mais baixos e vendedores com boas avaliações. Além disso, é fácil encontrar nos comentários fotos reais de como o produto chega a casa», descreve.
Na hora da compra, pensa primeiro se realmente compensa comprar a imitação ou se opta pelo original, «porque muitas vezes o preço não difere muito». «Dou atenção especial aos detalhes, como costuras, logótipos e materiais, porque são o que mais denuncia uma falsificação», admite, acrescentando que «há situações cujo produto mostra claramente que é falsificado». «Outros conseguem passar despercebidos. Apesar de conseguir distinguir, há imitações tão boas que, à primeira vista, até enganam», afirma.
Mariana começa por procurar o nome do artigo que pretende comprar. Depois, estuda várias opções, compara preços e avaliações e procura vendedores que publiquem fotos reais. «Leio também bastantes comentários para perceber se, por exemplo, o tamanho corresponde ao anunciado», chama a atenção já que já se desiludiu com algumas encomendas, «principalmente porque não correspondiam às imagens». «Nunca reclamei, acabei por usar os produtos na mesma, porque muitas vezes não vale a pena devolver devido aos custos de envio», acredita.
Neste momento, tem cerca de 10 pares de ténis, dois pares de óculos, três perfumes, uma caneta para iPad, uma powerbank, uma capa de telemóvel, duas carteiras e três pulseiras. «São artigos inspirados em marcas como Adidas, Nike, Vans, Carolina Herrera, Miu Miu, Prada, Coach, Cartier, Apple e Guess», enumera, dizendo ter consciência de que a contrafação é ilegal e prejudica as marcas originais. «No entanto, entendo que, para muita gente, é uma forma de ter acesso a um certo estilo que, de outra forma, talvez fosse impossível devido ao preço», justifica.
Seguir tendências
Catarina Beato, de 47 anos, tem muito viva a memória do dia em que o seu pai lhe ofereceu uma imitação dos ténis All Star. «Os meus pais não tinham muito dinheiro e estávamos numa altura em que as marcas começaram a ter muito valor. O meu pai, num ato de imenso carinho, comprou-me uma imitação dos All Star, talvez no Martim Moniz. Ofereceu-me e eu não tive coragem de lhe dizer que não gostava, que não era aquilo… Fiquei com eles e usei-os», conta.
Na verdade, Catarina não é «uma pessoas de marcas» e, atualmente, só compra imitações para os seus filhos conseguirem acompanhar as trends do TikTok, sempre consciente de que aquilo que está a comprar não é o artigo «verdadeiro». «Falo por exemplo dos Labubus, ou daquelas canetas a álcool que agora toda a gente tem para colorir certo tipo de livros», explica. Recorde-se que os Labubus são peluches que foram criados em 2015 pelo ilustrador Kasing Lung, inspirados no folclore nórdico, dentuços e fofos, que normalmente vêm em «caixas cegas» do tamanho da palma da mão e que são colecionáveis.
«Não dou atenção a nada de especial… Aquilo que procuro é um preço muito barato pelo mesmo artigo», acrescenta. Infelizmente nem sempre aquilo que recebe é o que desejaria, mas não considera grave. «Não quer dizer que depois funcione… Com isto dos bonecos… Quando mandas vir aquilo não tem nada a ver, é muito manhoso mesmo. Mas pronto, a pessoa acaba por tentar fazer à vontade aos filhos», justifica. «O objetivo é mesmo só acompanhar uma tendência qualquer consumista, e não propriamente ser um objeto de imitação», garante.
Identificar falsificações
Mas já existem ferramentas que nos permitem entender se estamos diante de um artigo verdadeiro, ou de uma imitação. Baseada em Inteligência Artificial (IA), a aplicação Entrupy – que ao comprar vem com uma câmara microscópica –, tem como objetivo acabar com as falsificações. Segundo a mesma, é capaz de detectar produtos de luxo falsificados com uma precisão de 99,1%. A câmara da ferramenta amplia 260 vezes a bolsa, por exemplo, e compara os dados recolhidos com uma base de dados através de uma aplicação para smartphone (a máquina tem ligação wireless ao telemóvel). Esta trabalha com marcas de luxo como Balenciaga, Louis Vuitton, Burberry, Gucci e Hermès.
Já a empresa de tecnologia da moda The Ordre Group estabeleceu parcerias com a Louis Vuitton, a Burberry e a Patou, entre outras, para recolher a «impressão digital» única de um artigo, como uma pequena secção dos têxteis e da construção de uma carteira LV com monograma, escreve a CNN, dizendo que podemos pensar nela como «um reconhecimento facial, que capta pormenores quase imperceptíveis ao olho humano – 10.000 dessas carteiras Chanel acolchoadas teriam 10.000 identificações únicas». «Chamado Authentique, o programa regista cada ID na “blockchain”, que não pode ser replicada e é considerada facilmente rastreável e segura, em comparação com métodos como os RFID (etiquetas e leitores de identificação por radiofrequência) e os hologramas, que têm sido falsificados», explica a mesma publicação.
O que diz a lei?
De acordo com a advogada escutada pela LUZ, «a facilidade na compra e venda de produtos falsificados reside, em primeira linha, na circunstância da fiscalização deste mercado ser praticamente inexistente». «De facto, há alguns anos atrás, os locais onde conseguíamos encontrar produtos falsificados eram as feiras locais as quais, de tempos em tempos, eram ‘visitadas’ pelas autoridades. Atualmente, os produtos falsificados são comercializados numa imensidão de lojas online e em redes sociais, como o Facebook e o Instagram, o que, associado à quase inexistência de fiscalização no mundo digital, torna a compra e venda destes produtos muito fácil, transmitindo, consequentemente, a ideia de que comprar uma ‘réplica de luxo’ não é um crime, mas sim a oportunidade de ter um produto igual ao de marca por um preço simpático», alerta a especialista, acrescentando que a intervenção legal depende de queixa, sendo que, termos do artigo 328.º do Código da Propriedade Industrial, números 1 e 2, o órgão de polícia criminal ou a entidade policial que tiver conhecimento de factos que possam constituir crimes previstos no mencionado código deve informar, no prazo de 10 dias, o titular do direito de queixa dos factos de que teve conhecimento e dos objetos apreendidos, informando-o ainda sobre o prazo para o exercício do direito de queixa.
De acordo com a advogada as consequências para quem vende e é apanhado passam pela apreensão dos bens pelas autoridades; prisão entre 18 meses e três anos ou multa entre 120 a 360 dias (artigos 318.º a 323.º do Código de Propriedade Intelectual); indemnização por perdas e danos (artigo 347.º do Código de Propriedade Intelectual)
Jornal Sol