Vídeos desmascaram suposta megaoperação contra o narcotráfico em Cuernavaca

MORELOS ( Processo ) – Em 3 de julho, moradores do bairro de Lienzo del Charro, em Cuernavaca, tiveram sua rotina interrompida pelo que parecia um episódio de um drama policial: helicópteros sobrevoando, dezenas de policiais posicionados em ruas e avenidas lotadas de viaturas. Foi uma megaoperação que, segundo as autoridades, tinha como objetivo prender traficantes perigosos. Embora a operação inicial tenha durado menos de uma hora, ela foi estendida com buscas e vistorias em diversos imóveis da região.
Segundo o Secretário de Segurança e Proteção Cidadã de Morelos, Miguel Ángel Urrutia Lozano, a mobilização foi motivada por uma denúncia de cidadãos alertando sobre a presença de indivíduos armados. No entanto, dias depois, em uma audiência judicial, a versão oficial começou a ruir quando a equipe de defesa dos detidos alegou que tudo não passava de uma suposta armação.
Naquele dia, Adrián Rivas Millán, ex-policial de Cuernavaca conhecido como "El Belicón" e atualmente comerciante de dorilocos, foi preso. Jesús Antonio, um cidadão que passeava com seus cachorros, percebeu a operação e começou a gravá-la com seu celular. Essa ação chamou a atenção da polícia, que o prendeu e o acusou de supostamente ter ajudado Adrián a escapar.
A defesa de Adrián sustenta que se tratou de uma operação midiática e que as autoridades tentaram justificá-la com prisões forjadas.
Abaixo, o Proceso apresenta os resultados de uma audiência na qual o juiz rejeitou todas as provas apresentadas pelas autoridades. O trabalho de uma equipe interdisciplinar também forneceu evidências das ilegalidades cometidas durante a detenção desses dois indivíduos. Adrián também compartilha seu depoimento pessoal sobre o que vivenciou.
Na audiência de 7 de julho de 2025, o juiz especializado de controle César Augusto Galán Delgado decidiu não indiciar Adrián Rivas Millán, acusado de tráfico de drogas para fins comerciais, resistência à prisão e porte ilegal de arma de fogo, no processo penal.
Durante a audiência, o juiz lembrou que, de acordo com o artigo 19 da Constituição, "ninguém poderá ser detido por mais de 72 horas sem justificativa por ordem judicial, da qual deverá constar o fato criminoso, as circunstâncias, o tempo, o local e a forma de sua execução, bem como provas que comprovem a provável participação do réu".

O juiz enfatizou que, embora o Ministério Público tenha apresentado a denúncia em tempo hábil e notificado os réus sobre seus direitos, "não foram demonstradas as provas substantivas necessárias para a instauração do processo". A esse respeito, especificou que "Adrián Rivas Millán exerceu seu direito de testemunhar dentro do prazo constitucional, enquanto Jesús Antonio López Morales decidiu permanecer em silêncio, e essa circunstância não pode ser considerada uma aceitação tácita dos fatos alegados".
Como parte fundamental da análise, foi revisado o boletim de ocorrência aprovado, apresentado como principal prova. Segundo depoimentos dos agentes da Secretaria de Segurança e Proteção ao Cidadão, Primitivo e Artemio Manuel, em 3 de julho, eles receberam uma denúncia sobre uma caminhonete cinza com indivíduos aparentemente armados trafegando no bairro Lienzo Charro.
Os policiais relataram ter chegado ao local às 11h e, ao observarem o veículo, identificaram um homem de "aproximadamente 40 anos, pele escura, porte atlético, vestindo camisa polo preta, calça jeans e tatuagens no braço", que manuseava um objeto sem olhar para cima. Após se identificarem como policiais, explicaram que havia um boletim de ocorrência para o 911.
De acordo com o boletim de ocorrência, ao inspecionar o caminhão, "a placa de série do painel estava alterada, com arranhões nos últimos dígitos". Além disso, "vários pacotes do tipo Ziploc contendo aparentemente cocaína cristal, bem como um comprimido da mesma substância, foram encontrados no console central".
Os policiais relataram que, durante a intervenção, Adrián Rivas Millán "investiu contra Primitivo e o atingiu na cabeça com o punho, depois sacou uma arma de fogo da calça" e começou a gritar para os vizinhos: "Que se fodam os mortos". Nesse momento, outro homem, identificado como Jesús Antonio López Morales, surgiu de um prédio próximo carregando uma pochete, e os dois entraram rapidamente na casa, trancando-a com uma corrente e ameaçando matar os policiais.
Diante da ameaça, os policiais solicitaram reforços por rádio e entraram na casa. Segundo o relato, às 11h22, conseguiram prender López Morales, que tentou agredir um policial, subjugando-o com força mínima. Primitivo, por sua vez, perseguiu Rivas Millán, que ignorou ordens verbais e fugiu por um pátio até ser capturado e desarmado após luta corporal.
Durante a audiência, a defesa apresentou depoimentos e laudos periciais em perícia computacional e perícia de campo, que foram considerados eficazes para contestar a versão oficial. Foi apontado, por exemplo, que o registro C5 indicava que o pedido de socorro foi registrado às 10h49, enquanto a polícia afirmou ter conhecimento do ocorrido desde as 10h42, levantando dúvidas sobre a cronologia dos fatos.

O laudo pericial também constatou que a Rua Miguel Hidalgo, por onde a unidade policial teria entrado, é uma passagem para pedestres com três metros de diâmetro, o que impossibilitaria a passagem do veículo, contradizendo a versão dos policiais, que alegaram estar a 15 metros do veículo investigado.
Em relação à prova audiovisual, destacou-se a gravação de María del Carmen Jaramillo Ortega. Ela reconheceu ter visto Rivas Millán dentro de um estabelecimento comercial e não no caminhão no momento da intervenção. Ela disse: "Adrián, desligue seu caminhão", o que questiona a versão de que o réu estava manipulando o veículo quando a polícia chegou.
O juiz afirmou que "as informações prestadas pelo Ministério Público não atendem aos requisitos para comprovar o provável envolvimento do réu nos fatos" e rejeitou o Boletim de Ocorrência como prova suficiente, apontando deficiências na cadeia de custódia e na integridade das provas químicas e balísticas apresentadas.
Sobre o uso da força, o juiz esclareceu que, ao contrário do que alguns policiais afirmaram, vídeos de vizinhos mostraram que a prisão foi realizada por vários policiais, não apenas um.
A decisão também esclareceu que não implica uma declaração de inocência ou o arquivamento do caso, visto que as investigações relacionadas à apreensão de arma ilegal e substâncias controladas continuam. Portanto, o juiz indicou que "o caso permanece aberto para novos procedimentos".
Por fim, foi ordenada a libertação imediata de Adrián Rivas Millán e Jesús Antonio López Morales neste caso, sem prejuízo de outros processos criminais em andamento. O Ministério Público tem três dias úteis para recorrer da decisão.

A defesa dos detidos contou com o apoio de uma equipe multidisciplinar composta pelos advogados Joel Reyes Becerril e Hugo Patiño, além de especialistas em informática e perícia do escritório Forensic Solution, localizado em Cuauhtémoc, Cuernavaca.
Entre os peritos estavam o engenheiro Álvaro e o perito Luis Manuel Gómez, que apresentaram provas científicas que refutaram o Relatório Policial Aprovado (IPH) elaborado por membros da Secretaria de Estado de Segurança e Proteção Auxiliar do Cidadão.
Reyes Becerril explicou que o Ministério Público acusou Adrián e a outra pessoa de porte ilegal de arma e posse ilegal para fins de venda de entorpecentes, com base em uma denúncia anônima e uma suposta prisão em flagrante. No entanto, a defesa apresentou uma sequência de vídeos extraídos judicialmente por um especialista em informática que contradizia a versão oficial.
"Graças a uma sequência de vídeos, foi possível comprovar que nada aconteceu como o Ministério Público descreveu. Os vídeos contradiziam a versão dos policiais que efetuaram a prisão e as acusações do Ministério Público", disse Reyes.
As imagens mostraram que a prisão não ocorreu no horário ou local indicados no IPH. "As câmeras mostraram que os policiais entraram na casa às 10h10, quando o Ministério Público alegou que a prisão começou às 11h20. Isso prova que o IPH não era real", acrescentou.
O advogado esclarece que Adrián não estava em sua caminhonete, como alegou o Ministério Público, mas sim em uma loja fazendo compras com vizinhos. "Ele estava na loja quando os policiais chegaram e entrou porque não sabia por que havia tantos policiais", explicou.
Além disso, os vídeos mostraram a presença de mais de 20 policiais, incluindo a Guarda Nacional e a Sedena (Guarda Nacional), em vez de apenas dois policiais após uma perseguição, como alegou o Ministério Público.
Hugo Patiño destacou a inovação que a incorporação de peritos técnicos neste tipo de audiências representa para Morelos, graças ao sistema de justiça penal acusatório que permite a liberdade de prova.
Podemos reunir diferentes evidências para respondê-las, como foi o caso do perito forense, que conduziu duas investigações: uma na cena do crime e outra na arma de fogo supostamente encontrada com meu cliente.
O perito criminal utilizou tecnologia inédita para refutar cientificamente o IPH. Além disso, o perito Álvaro extraiu gravações de vídeo de um prédio próximo ao local da prisão, que forneceram provas visuais convincentes na audiência.
Ambos os advogados concordaram que os vídeos demonstravam o uso excessivo da força pública, como quando um vizinho gravou o momento em que Adrián foi espancado e privado de liberdade em um endereço diferente do indicado pelo Ministério Público. Além disso, o juiz determinou que a falta de objetividade e a falsidade do Ministério Público tornaram ineficazes as provas obtidas com a detenção ilegal, incluindo drogas e armas.
Reyes Becerril também relatou a adulteração de provas, afirmando que os policiais abriram o caminhão antes da prisão e adulteraram as provas em um endereço não identificado, onde foi encontrado um colete à prova de balas com as palavras "BELICOM".
Em relação ao segundo detido, Jesús, o advogado afirmou que "ele não é visto em nenhum momento dos vídeos; não foi possível determinar onde ele foi detido", por isso o juiz ordenou sua libertação por falta de provas.
Sobre a legalidade da operação, Patiño esclareceu que, embora o juiz da audiência inicial tenha considerado a prisão legal com base na acusação do promotor, evidências científicas posteriores demonstraram que não houve flagrante ou perseguição em andamento que justificasse a busca e a prisão na casa, violando direitos constitucionais como a inviolabilidade do domicílio e o direito de não ser privado de liberdade sem ordem judicial.
Esta manhã, uma grande operação foi registrada no bairro de Lienzo Charro, no norte de #Cuernavaca . Membros do Exército Mexicano, da Guarda Nacional e da Polícia de Morelos, com o apoio do helicóptero do Ministério da Segurança, estão na área. pic.twitter.com/gXZ1jdkZOT — Reporte Morelos (@_ReporteMorelos) 3 de julho de 2025
Hugo Patiño também alertou sobre as recentes reformas que ampliam a autoridade da Guarda Nacional para entrar em casas sem mandado, com base na identificação de qualquer pessoa, o que ele considera um risco aos direitos dos cidadãos e à presunção de inocência.
O advogado expressou preocupação com possíveis retaliações das autoridades contra as vítimas e seus defensores, pedindo responsabilidade institucional e cívica para evitar que esses eventos se repitam.
Ambos os defensores consideraram que este caso representa uma esperança de justiça no país, demonstrando que, apesar das irregularidades e atos de corrupção, há juízes objetivos e eficientes que garantem a liberdade e o respeito aos direitos humanos.
“Eles me fraturaram e zombaram de mim”Adrián Rivas Millán, policial aposentado da Secretaria de Proteção e Assistência ao Cidadão (Seprac), relatou ter sido detido violentamente sem mandado de prisão durante uma operação conjunta em Morelos. Ele afirmou que seu caso demonstra as deficiências no trabalho investigativo das polícias estadual e federal.
Em entrevista, ele conta que naquele dia cumprimentou os policiais com um "bom dia, policiais" e seguiu seu caminho. No entanto, ao retornar, sua esposa lhe contou que os policiais estavam revistando sua caminhonete. "Aproximei-me e o policial responsável pela operação me informou que ela havia sido registrada como roubada. Disse a eles que era mentira, pois eu era policial e sabia que minha caminhonete estava em boas condições; comprei-a na própria Seprac e tenho os comprovantes de pagamento."
Entretanto, apesar de mostrarem os documentos, os agentes insistiram.
"O policial ficou muito agressivo, dizendo que ia me detonar e que eu era o vendedor da economia. Não entendi o que ele quis dizer com isso", disse a vítima.
"Eu ficava dizendo a mim mesmo que ia me cagar e que não sabia com quem estava me metendo, que era uma operação de alto impacto porque os fuzileiros navais, a polícia estadual, o Gabinete do Promotor de Investigação de Crimes de Alto Impacto (FIDAI) e a Guarda Nacional estavam lá."
Rivas explica que, além de policial aposentado, é comerciante de dorilocos, espigas de milho, chicharrones e churros prontos. "Também sou eu quem organiza a feira comunitária e tenho que ir de porta em porta para planejá-la."

Diante das advertências da polícia, ele decidiu entrar em casa para procurar os documentos. "Subi as escadas e, ao chegar com os documentos, olhei pela sacada e vi um helicóptero. Disse a eles que não podiam entrar sem um mandado de busca, que não me mostraram. Arrombaram a porta e não tive escolha a não ser entrar na casa do meu vizinho", disse ele.
Lá, ele foi preso. "Eles me espancaram, me torturaram no chão, me bateram umas dez vezes nas orelhas, me chutaram por todo o corpo, me bateram com armas longas, dizendo que eu já tinha tido o suficiente, que eu era o traficante e o assassino de aluguel do bairro."
A vítima do incidente policial explica que vizinhos testemunharam o espancamento e pediram aos policiais que o deixassem em paz. "(Meus vizinhos) disseram a eles que eu não era uma má pessoa, que era um policial aposentado e não tinha nada a esconder, que eu era muito querido na comunidade."
Rivas Millán foi posteriormente transferido para as instalações da FIDAI e depois para a promotoria de Temixco, onde permaneceu por 48 horas. "Foi muito desumano. Falei com os promotores e comandantes, dizendo que tinha costelas quebradas e que minha cabeça e meus pés doíam. Eles só zombavam de mim."
Sobre o período em que esteve em prisão preventiva, ele mencionou que, ao chegar à prisão de Tlacholoya, relatou seus ferimentos, mas não recebeu atendimento médico. "Eles o ignoraram; esses são níveis de governo que se acotovelam e não dizem nada."
A polícia está a mil, e o país está entrando em colapso devido à falta de policiais experientes para investigar casos reais. Eles estão apenas prendendo inocentes e espalhando crimes. É assim que o governo atual funciona.
Após recuperar a liberdade, ele disse que se sentia calmo, "de cabeça erguida, porque não tenho nada a temer e nada a dever. Nunca fiz nada de errado".
Ele explica que ainda está analisando se tomará medidas legais contra as autoridades pelas violações de seus direitos.
Silêncio oficialEsta reportagem solicitou comentários oficiais da Procuradoria-Geral do Estado de Morelos, chefiada por Edgar Maldonado Ceballos, e da Secretaria de Segurança e Proteção Cidadã de Morelos, chefiada por Miguel Ángel Urrutia Lozano. A Procuradoria-Geral respondeu que não se pronunciaria sobre o assunto, enquanto a Secretaria de Segurança não respondeu aos pedidos.
Fontes não oficiais apuraram que ambas as agências estão se preparando para contestar a decisão do juiz. O governo estadual deve divulgar sua posição oficial na próxima semana. Soube-se também que a autoridade pretende apresentar "informações adicionais que revelem antecedentes relevantes sobre um dos dois detidos".
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