Como se tornar menos dependente dos Estados Unidos

A indústria automotiva mexicana depende quase exclusivamente dos Estados Unidos e, como todos sabemos, nenhuma dependência é saudável. Cerca de 80% dos veículos fabricados neste país são enviados para o nosso vizinho do norte, e se uma gripe deles causa pneumonia na economia do México, isso quase significa a necessidade de a indústria automotiva buscar um acordo com algum cemitério.
As duas vezes em que fomos mais ameaçados foram quando o atual presidente estava no comando dos Estados Unidos, mas agora temos uma ameaça dupla: nossos vizinhos e os chineses.
Os Estados Unidos são uma ameaça porque podem, dependendo do humor de seu líder, impor quaisquer tarifas que quiserem e levar a indústria e seus fornecedores à falência, por mais exagerado que isso possa parecer. Os chineses também são assim porque fazem a mesma coisa que nós, produzindo para exportar, mas em maior quantidade e com um custo muito menor. Estamos perdidos então? Não necessariamente.
Há pelo menos três países que criaram estratégias para fortalecer suas indústrias automotivas. O primeiro foi o Japão, que após a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1949, criou a categoria dos "kei cars", carros que mediam no máximo 2,8 metros de comprimento total e seus motores não podiam ter mais de 100 centímetros cúbicos se fossem dois tempos ou 150 cc se fossem quatro tempos. O que as autoridades queriam não era apenas oferecer transporte barato, mas também fortalecer uma indústria que gerava muitos empregos. Hoje, 76 anos depois, os carros kei ainda representam de 30 a 40 por cento das vendas de carros no Japão. E esses são carros que não são exportados, são vendidos exclusivamente em seu território.
Outro país que fez isso, muito mais próximo do México, tanto geograficamente quanto em termos de desenvolvimento, foi o Brasil.
Em 1993, os sul-americanos decidiram reduzir os impostos sobre veículos que utilizavam motores com cilindrada máxima de 1,0 litro. A ideia era semelhante à japonesa: baratear o custo de alguns veículos para a população de menor renda e fomentar a indústria automobilística, que precisava se adaptar àquela lei e à busca da população por novos veículos que finalmente pudessem pagar.
Copie e crieA estratégia deu certo e muitas fábricas chegaram ou se adaptaram para disputar a maior fatia de um mercado que hoje é de 2,63 milhões (o recorde é de 3,9 milhões); 42% desse total tem motor 1.0, sendo a maioria hoje turbo.
A Índia também fez seu programa e até os chineses estão tendo que se adaptar. A Índia impõe tarifas sobre veículos importados que podem chegar a 100%. Eles também oferecem incentivos fiscais para empresas que produzem na Índia, e quanto maior o conteúdo local, maior o incentivo. Isso impede que as fábricas na Índia sejam instaladas somente com base em CKD, o que significa que elas apenas montam, mas não fabricam as peças localmente. A MG e a BYD têm fábricas na Índia, mas a primeira afirma ter 65% e 70% de conteúdo local, enquanto a BYD tem apenas 15% a 20%.
A Índia calcula inteligentemente o conteúdo local e oferece incentivos com base no valor das peças produzidas, não na quantidade. A Índia também cobra 15% a mais de impostos se o carro tiver mais de quatro metros de comprimento.
Nenhuma dessas medidas poderia ser aplicada ao México hoje, já que toda a sua indústria é baseada em exportações para um mercado que não está interessado em carros pequenos, muito menos em motores pequenos. Mas implementar algumas dessas medidas pode levar os chineses a finalmente começar a fabricar aqui, em vez de apenas prometer sem dizer quando.
A China também tem suas próprias medidas e penaliza carros com motores de 1,6 litro ou mais, e é por isso que vemos que praticamente todos os seus carros usam motores de 1,5 litro.
Se o México decidir estabelecer limites no tamanho do motor, na potência ou no comprimento do carro, ele forçará parte da indústria a desenvolver motores para o mercado local, que poderiam ser exportados para a América Latina ou o Oriente Médio, por exemplo. Mesmo para a Europa, deixando de lado essa dependência dos americanos, que — e estamos vendo isso pela segunda vez — deixa uma indústria que contribui com quase 4% do PIB, quase 20% do PIB industrial e gera mais de um milhão de empregos diretos, tão vulnerável. Todos nós cometemos erros. Às vezes até repetimos, mas cometê-los três vezes já é algo sério. E estamos fazendo isso.
informador