Quão democrática uma orquestra pode ser?

Será coincidência que o segundo movimento do Quarteto de Cordas Op. 76, nº 3, de Joseph Haydn esteja sendo executado esta noite por músicos da Deutsche Kammerphilharmonie Bremen (DKB)? Não — e por pelo menos dois motivos. Primeiro, o documentário "A Expedição Haydn", exibido no Hall 424 do porto de Hamburgo, é sobre essa orquestra e o grande compositor do classicismo vienense. E, segundo, a melodia do movimento do quarteto serviu de modelo musical para o hino nacional alemão, que começa com "Unidade, Justiça e Liberdade" — todas características importantes de uma democracia.

E é justamente esse o tema do evento, organizado pela Deutsche Kammerphilharmonie Bremen e que contará com um painel de discussão de alto nível: música clássica e empreendedorismo gerido democraticamente. A DKB é considerada um modelo para muitos nessa área, por ser democraticamente organizada e financeiramente independente. Para Albert Schmitt, diretor administrativo da orquestra, isso, somado ao virtuosismo de seus 41 músicos, é a receita para o sucesso da orquestra: "A abordagem democrática cria a base para que cada músico se identifique plenamente com a orquestra. Todos têm voz, todos têm a oportunidade de contribuir e, portanto, todos estão constantemente motivados para alcançar performances de alto nível."
Da "Trupe de Muesli" à orquestra profissionalEm 1980, a orquestra foi fundada por estudantes de música com o objetivo de tomar todas as decisões democraticamente. Que peças tocamos? Qual maestro trabalha conosco? Quais músicos incluímos em nosso grupo? Todos têm voz. "Nascemos na democracia porque buscávamos uma maneira de estruturar uma orquestra de forma que ela pertencesse aos músicos, para que os músicos fossem e continuassem sendo os donos", diz Schmitt. O que inicialmente era ridicularizado como um "grupo de cereais" e parecia um apartamento comunitário tornou-se mais profissional ao longo dos anos.

Em 1999, os músicos decidiram transformar a orquestra em uma empresa. Como acionistas da recém-fundada sociedade de responsabilidade limitada (GmbH), eles passaram a ser responsáveis não apenas pela parte artística, mas também pela financeira. Isso significava que, ao contrário das 129 orquestras públicas na Alemanha, a DKB precisava se financiar quase que integralmente. Hoje, cerca de 75% de sua receita provém da venda de ingressos e discos, além de patrocínios. O restante provém de subsídios governamentais. Os músicos não são remunerados por acordos coletivos, como seus colegas assalariados, mas sim com base em suas performances. Em contrapartida, a orquestra é independente e pode tomar todas as decisões democraticamente.
Amor à primeira vistaMas a democracia também pode ser difícil e exaustiva. A violista Friederike Latzko, envolvida desde o início, diz que a colaboração às vezes nos lembra do estresse de um relacionamento: "É claro que cada um tem sua opinião, especialmente quando se trata de decisões artísticas. Depois, há discussões intensas, e você acha que tudo deveria ser muito mais rápido, mas processos mais rápidos nem sempre são melhores. O mais importante é que todos os músicos estejam envolvidos e que o resultado final seja o ideal."

Maestros de ponta são contratados, os programas são mais exigentes e os locais, mais internacionais. Em 2004, a DKB conseguiu recrutar o maestro estoniano Paavo Järvi como diretor artístico. "Foi amor à primeira vista", diz Paavo Järvi. Desde o início, o maestro apreciou os métodos e a estrutura de trabalho da orquestra. Assim como ele, os músicos também valorizam a responsabilidade: "Em uma orquestra normal, os músicos têm direitos. Mas na Deutsche Kammerphilharmonie, eles têm direitos E responsabilidade." Com Järvi à frente, a DKB tornou-se uma das melhores orquestras do mundo. Hoje, os músicos e seu maestro são reconhecidos por sua precisão, transparência e colaboração democrática.
A liberdade da arteIsso também é demonstrado no filme "A Expedição Haydn", do diretor Christian Berger, uma produção da Deutsche Welle em cooperação com a NDR. Berger já documentou três grandes projetos da orquestra para a Deutsche Welle: "O Projeto Beethoven", "Schumann no Píer 2" e "O Código Brahms". Os músicos e seu maestro decidiram — democraticamente, é claro — primeiro executar as 12 Sinfonias Londrinas de Joseph Haydn em concerto e, posteriormente, gravá-las em estúdio. Eles queriam dissipar a ideia equivocada de que a música de Joseph Haydn era entediante.
Eles também compartilham a liberdade artística com o compositor. Antes de Joseph Haydn (1732-1809) compor suas Sinfonias de Londres, ele trabalhou por muitos anos na corte do Príncipe Nikolaus von Esterházy, em Viena. Com a morte de seu empregador, uma nova vida começou para Haydn, então com 58 anos: a orquestra da corte foi dissolvida e ele se tornou um compositor freelancer. Ele aceitou um convite para Londres, onde foi celebrado, deu grandes concertos e compôs obras-primas, incluindo as Sinfonias de Londres. E é justamente essa liberdade que os músicos da DKB reivindicam para si. Isso vai tão longe que, durante as sessões de gravação das sinfonias, eles participam das decisões sobre quais takes serão incluídos no CD e onde melhorias são necessárias.
Democracia em pequena e grande escalaA Deutsche Kammerphilharmonie Bremen não está, portanto, muito distante dos processos de otimização no setor privado. Isso também ficou claro no importante painel de discussão em Hamburgo. O Prof. Dr. Michael Otto, antigo apoiador da DKB, reestruturou completamente a cultura de liderança em sua empresa, o Grupo Otto, com 36.300 funcionários em todo o mundo. Ele queria fortalecer as equipes para que pudessem tomar decisões de forma independente e rápida, utilizando sua expertise especializada. Durante o painel, ele se manifestou decisivamente contra a gestão de cima para baixo: "Hoje, é muito mais importante que uma equipe esteja totalmente comprometida e que um gestor simplesmente crie a estrutura e não imponha impositivamente de cima o que precisa ser feito ou acredite que precisa controlar tudo constantemente." Assim como na DKB, é importante que as empresas tenham liberdade e a correspondente tolerância a erros.

Peter Limbourg , Diretor Geral da Deutsche Welle, que participou do painel de discussão, também reconhece que a democracia é um bem valioso, porém ameaçado: "A democracia está sob pressão no mundo todo, mas continua sendo a melhor coisa que temos. Ela garante freios e contrapesos e evita uma situação em que apenas alguns com poder e dinheiro ditam como as coisas são feitas." Ele também está impressionado com a abordagem da DKB: "A orquestra leva os valores da democracia, transparência e união para o mundo."
O evento termina com música ao vivo: um conjunto de oito músicos apresentará um medley nada convencional de obras gravadas nos últimos anos para grandes projetos e ciclos sinfônicos, com arranjos do oboísta Ulrich König. A apresentação destaca o virtuosismo e a criatividade dos músicos da Deutsche Kammerphilharmonie Bremen, bem como seu senso de humor.
dw