'Inspirador' e 'difícil' - Brasil, estreante na Copa do Mundo

"Joga bonito" é uma frase usada pelos brasileiros para descrever como o jogo de futebol deve ser jogado.
"Joga" é o verbo "brincar" em português, enquanto "bonito" significa "bonito". A filosofia gira em torno de habilidade individual, criatividade e uma mentalidade de ataque.
O futebol não é apenas um jogo no Brasil, ele está enraizado na cultura, com mais de dois milhões de jogadores registrados.
O rúgbi, por outro lado, ainda é um esporte desconhecido entre a maioria dos sul-americanos, mesmo com o Brasil estreando na Copa do Mundo de Rúgbi Feminino contra a África do Sul no domingo.
O Brasil, que é a seleção com a pior classificação na Copa do Mundo, na 25ª posição, jogou apenas 16 testes de rúgbi XV e comemorou sua primeira vitória em 2023 sobre Portugal.
Apesar da grande diferença no conjunto de jogadores, recursos e triunfos globais, a mentalidade dos jogadores de rúgbi continua a mesma do futebol.
"Elas têm velocidade absoluta e estão no seu melhor quando são decisivas, leem o que está acontecendo na frente delas e reagem no momento", disse a técnica da seleção brasileira de sevens feminino, Crystal Kaua, à BBC Sport.
"Eu sempre digo que é como dirigir em São Paulo [que tem 12 milhões de habitantes]. Com as motos, se você vê espaço, tem que ocupá-lo. Elas não são grandes, então precisam tomar decisões inteligentes e rápidas."
Para se classificar para a Copa do Mundo, o Brasil teve que derrotar a Colômbia na repescagem sul-americana — um obstáculo que eles já haviam falhado seis vezes.
Com o time feminino de sevens prosperando na World Series, a decisão foi buscar a qualificação trazendo suas estrelas de sevens para o jogo do play-off, resultando em uma vitória confortável por 34 a 13.
Entre os 32 jogadores selecionados para a Copa do Mundo, 11 competiram em pelo menos uma Olimpíada.
A abertura Raquel Kochhann, que tem apenas seis jogos pelo XV, foi uma das jogadoras que o técnico Emiliano Caffera procurou para ajudar a garantir a qualificação.
Como a grande maioria dos adolescentes no Brasil, o sonho de Kochhann era jogar futebol profissionalmente, mas uma lesão acabou com suas esperanças.
A jovem de 32 anos optou por estudar educação física na universidade e foi recomendada a jogar rúgbi pela primeira vez por causa de sua fisicalidade.
"Eles cortaram meu time de futebol feminino, mas eu ainda tinha o sonho de representar meu país, então tentei outro caminho", disse Kochhann à BBC Sport.
"Joguei minha primeira partida de rúgbi pelo meu clube em 2011 e foi a primeira vez que eles venceram os jogos estaduais. Fui eleito o MVP (jogador mais valioso) do torneio.
"Outro time me convidou para jogar com eles. Era um torneio internacional no Uruguai, onde clubes jogam contra seleções. Jogamos contra o Brasil e eu os vi pela primeira vez e disse: 'Nossa, quero fazer parte deste time.'"
Sua experiência no futebol foi um diferencial e ajudou a garantir uma vaga na seleção nacional de sevens em 2012.
A rápida ascensão continuou, com Kochhann jogando sevens nas Olimpíadas do Rio após a inclusão do Brasil como país-sede, seguido pelo envolvimento nos dois Jogos.
Ela também foi a porta-bandeira do Brasil nas Olimpíadas de Paris no verão passado, após um retorno notável ao esporte após ser diagnosticada com câncer de mama em 2022.
Para tornar seu retorno após 18 meses ainda mais surpreendente, Kochhann também sofreu uma lesão no ligamento cruzado anterior.
"Eu disse à equipe que precisava me afastar e fazer tratamento, pois precisava fazer quimioterapia e radioterapia", acrescentou. "A reação da minha equipe foi de cabeça baixa e tristeza. Eu disse que não queria essa energia."
"É só uma lesão normal e depois desse tempo voltarei para brincar com vocês." Uma das meninas perguntou: "Depois que você tirar os seios, você vai correr mais rápido?". Todos riram e eu disse: "Essa é a energia que eu quero para facilitar o tratamento".
"Era importante para mim mostrar a todos que o câncer nem sempre é o fim da vida, mas sim um recomeço, do qual você pode voltar e realizar coisas realmente grandes."
Vencer as probabilidades não é apenas a história de Kochhann, mas também do rúgbi brasileiro.
A Espanha, 13ª colocada no ranking mundial, derrotou o Brasil por 41 a 12 na preparação para o torneio, depois de sete jogos, incluindo dois não-testes, terem sido agendados neste ano para melhorar sua competitividade no XVs.
Na estreia no torneio, os jogadores usarão um novo uniforme incorporando símbolos que representam a força e a ancestralidade dos atletas.
"O nível do Brasil é diferente. Os desafios que vi são diferentes de qualquer outro lugar do mundo", acrescentou Kaua, que já treinou grande parte do time na categoria sevens.
"Essas meninas são fortes, corajosas e destemidas. Até você chegar aqui, não consegue imaginar a magnitude de onde vêm nossas jogadoras.
Metade das meninas do Sevens vem dessas origens [das favelas], uma grande parcela — talvez mais da metade. Elas estão inspirando a próxima geração.
"As pessoas nesses espaços estão começando a ver o rúgbi como uma opção genuína para mudar suas vidas."
O Brasil enfrenta África do Sul, Itália e França em seu grupo, todas grandes nações jogadoras de rúgbi, oferecendo uma plataforma ideal para capturar a imaginação do público.
"Vai ser difícil, mas não tenho dúvidas de que faremos barulho em um ou dois jogos", disse o técnico Caffera.
Chutar a gol é uma raridade no Brasil, mas é uma habilidade que se adapta aos jogadores natos.
Kochhann recorreu ao YouTube e ao Instagram para aprender, tendo conseguido apenas sete conversões.
Mas confiança com a bola não é algo que falta aos brasileiros.
"Estou animado para mostrar o que os chutadores brasileiros sabem fazer", disse Kochhann, que só começou a praticar chutes a gol nos últimos três meses.
"Meu chute é diferente, pois é uma mistura entre um chute tradicional de rúgbi e um chute de futebol. Eu tenho o meu próprio jeito."
E os brasileiros só sabem jogar de um jeito.
BBC