São Paulo amplia acesso ao canabidiol na rede pública

Ainda que em passos lentos, o acesso a medicamentos à base de canabidiol (também chamado de CBD) está se ampliando no Brasil como alternativa terapêutica. A cidade de São Paulo se tornou pioneira nesse movimento ao ampliar a oferta de canabidiol no SUS para mais de 30 tipos de doenças.
A medida da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo foi anunciada em agosto. Na prática, o que muda é que, pacientes que antes tinham que recorrer à judicialização, à importação ou à compra nacional a preços altos, agora vão poder adquirir a cannabis medicinal pela rede pública da capital, mediante prescrição e receita médica.
Os medicamentos, de acordo com a pasta, serão destinados inicialmente para casos mais graves ou refratários, como epilepsias, doenças crônicas e neurodegenerativas, transtorno do espectro autista e patologias reumatológicas. Além disso, outras condições foram incluídas como transtornos depressivos, ansiedade, distúrbios do sono e fibromialgia.
Para conseguir os medicamentos, os pacientes precisam passar por consulta médica e adquirir a receita médica B1 (do tipo azul). As farmácias municipais de referência serão responsáveis por distribuir a medicação.
Para a médica Juliana Paiva, que atua com cannabis medicinal em Campinas (SP), a mudança é favorável. “Além de ampliar o acesso e dar mais possibilidades para os pacientes, significa que o governo da cidade de São Paulo reconheceu que existe essa demanda”, argumenta.
Demanda por cannabis medicinal cresce no paísA recente ampliação do acesso na capital paulista acompanha uma demanda nacional. Em 2024, o Brasil atingiu a marca de 672 mil pacientes que se tratam com cannabis medicinal, segundo o 3º Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil, produzido pela Kaya Mind, empresa de consultoria e inteligência de mercado focada no setor de cannabis. O número demonstra um crescimento de 55% em comparação com o ano anterior: em 2023, 431 mil pessoas estavam em tratamento com a cannabis medicinal, segundo a consultoria.
Em outras regiões do país, o acesso pela rede pública também segue se ampliando, embora para uma quantidade mais restrita de síndromes, como as epilepsias refratárias. Desde o início deste ano, por exemplo, Santa Catarina começou a disponibilizar medicamentos a base de cannabis pelo SUS para tratamentos das condições de Síndrome de Dravet, Síndrome de Lennox-Gastaut (duas formas de epilepsias graves) e Complexo de Esclerose Tuberosa.
Segundo o levantamento da Kaya Mind, pelo menos 19 dos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal, já aprovaram normas de distribuição da cannabis no SUS, em condições parecidas com as do de Santa Catarina.
Além da rede pública, há outros caminhos para comprar os medicamentos à base de CBD no Brasil:
Farmácias convencionais ou de manipulação: desde 2019, a Anvisa autoriza a venda de cannabis medicinal nas farmácias, que podem ser adquiridas com prescrição médica;
Importação pela Anvisa: com prescrição médica, pacientes podem preencher uma autorização de importação de medicamentos com CBD e THC;
Associações de pacientes: no Brasil, algumas associações têm autorização judicial para cultivar e distribuir medicamentos à base de cannabis medicinal. Para adquirir, é necessário ser associado, ter uma prescrição médica e seguir as normas de cada entidade.
Mesmo com acesso ainda limitado em grande parte do país, a ampliação da disponibilidade medicamentos à base de canabidiol em São Paulo, uma das principais cidades do país, marca um avanço importante para a sociedade, na visão da médica Juliana Paiva. “O Brasil tem melhorado tanto em relação ao preconceito, quanto em relação ao conhecimento sobre a cannabis. Há várias universidades brasileiras trabalhando na pesquisa da cannabis, assim como mais médicos se especializando na área”, comemora a especialista.
O mercado brasileiro acompanha esse avanço. Ainda de acordo com as projeções do anuário da Kaya Mind, o ramo da cannabis medicinal movimentou R$ 852 milhões de reais em 2024, representando um aumento de 22% em relação a 2023. Para o futuro, a consultoria projeta que o aumento da demanda por produtos e a maior estrutura regulatória da cannabis medicinal eleve esse número a R$ 1 bilhão de reais até o fim de 2025.
Vantagens do uso da cannabis medicinalA cannabis medicinal têm sido usada como uma forma de complementar ou proporcionar tratamentos para diferentes tipos de doenças crônicas ou degenerativas e para alívio de dores. Ela é indicada principalmente em casos em que outros tratamentos convencionais não mais sendo efetivos, segundo a médica Juliana Paiva. “Existem muitas vantagens da cannabis medicinal. A primeira questão é que é um tratamento que pode ser um alívio para pacientes que já tentaram de tudo. Além disso, costuma ter menos efeitos colaterais e reagir bem no organismo”.
Diversos estudos, nos últimos anos, vêm demonstrando que o canabidiol possui propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e anticonvulsivantes. Uma pesquisa realizada no ano passado pela Universidade Yale, nos Estados Unidos, por exemplo, mostrou que os canabinóides, nome dado a substâncias químicas presentes na cannabis, como o canabidiol (CBD), o cannabigerol (CBG) e o canabinol (CBN), reduziram a atividade de uma proteína que é peça-chave na sinalização da dor no sistema nervoso periférico.
Há também muitos relatos de melhoras significativas na qualidade de vida de pacientes com síndromes graves. É o caso de Olívia, filha adolescente de Henrique Fogaça, chef de cozinha e apresentador do programa de cozinha Masterchef. Recentemente, ele compartilhou nas redes sociais que a filha, que usa o óleo de canabidiol há oito anos, apresentou uma melhora de 90% em relação a crises de epilepsia refratária. “Sei que a Olívia me escolheu para ser seu pai para que eu pudesse ser um canal de informação para milhares de pessoas e famílias que tem alguém com necessidades especiais em casa”, escreveu o chef na postagem.
Os medicamentos com CBD podem ser encontrados em diferentes formas, como cápsulas, sprays, cremes e óleos. E embora muitas vezes sejam considerados “naturais”, exigem acompanhamento médico especializado, como qualquer medicação, principalmente se usados em conjunto com outros tratamentos.
IstoÉ