Reforma na Justiça à vista?

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Reforma na Justiça à vista?

Reforma na Justiça à vista?

A Justiça continua no topo das preocupações dos portugueses, mas parece não ter lugar de destaque nos programas eleitorais dos partidos, muito menos nas prioridades políticas dos Governos dos últimos anos, independentemente da cor dos eleitos. No entanto, esta semana, a primeira do ano judicial, o PS – agora na oposição como terceira força política –, veio mostrar interesse num eventual pacto com a Aliança Democrática (AD) para uma reforma.

O partido liderado por José Luís Carneiro apresentou 15 propostas, assentes em três pilares, no que chamou de um ‘Compromisso para a Justiça’. «As reformas necessárias podem, e devem, ser realizadas com um consenso nacional, em especial das forças políticas defensoras do Estado de Direito Democrático», lê-se no documento.

António Cluny, procurador-geral adjunto jubilado, e Rui Patrício, advogado com mais de trinta anos de experiência, embora identifiquem pontos «relevantes» e «positivos» no documento do PS, consideram ambos que as propostas são demasiado genéricas. «Em geral, e dada a sua generalidade, as propostas formuladas – melhor seria dizer áreas de trabalho avançadas – parecem todas relevantes», diz ao Nascer do SOL o magistrado. Rui Patrício alinha no mesmo tom, mas manifesta ainda maior ceticismo. Para o advogado, a forma «vaga e bem-intencionada» como estão formuladas muitas das medidas, torna difícil «saber exatamente em que se traduzirão». E acrescenta: «Embora deva dizer que 31 anos de experiência no sistema de justiça me fazem já ter visto tantas e tantas reformas, ideias de reforma e promessas de reforma, que uma mais não me entusiasma por aí além».

A iniciativa socialista propõe uma reforma em três pilares: organização do sistema judiciário, qualificação da administração judiciária e alterações processuais, uma das propostas passa por rever o modelo de avaliação de mérito profissional dos juízes e magistrados. Ideia que o PS justifica como uma «forma de permitir uma efetiva diferenciação de desempenho, baseada em critérios objetivos, como a duração média de processos ou a taxa de decisões confirmadas em recurso».

Questionado sobre essa medida em específico, António Cluny, que insiste na generalidade da formulação da proposta, defende o recurso a dados objetivos, o que, «se bem feito», pode «facilitar a comparação de trabalho». No entanto, sublinha também que esses dados objetivos não podem ser separados de «uma análise das condições de trabalho de cada magistrado e de uma apreciação das peças analisadas na perspetiva qualitativa», exemplificando com critérios como a complexidade ou a inovação na matéria tratada.

Para o magistrado, a proposta de reforma dos critérios de inspeção da autoria do procurador-geral adjunto Maximiano Rodrigues, feita há já muitos anos, «deveria servir de base a qualquer reforma nesta matéria».

Relativamente à responsabilização do MP, Cluny considera que deve existir uma «corresponsabilização do superior hierárquico imediato do titular de um inquérito nas propostas ao Juízo de Instrução Criminal de aplicação de formas mais gravosas de medidas de coação e de diligências mais abrasivas em termos de liberdades e garantias». Sobre a organização do MP, defende que deve haver regulação, no caso de constituição de equipas de procuradores, para uma investigação e um inquérito, de «quem é o titular responsável pelas decisões nele tomadas». Aponta ainda como prioritária uma reforma profunda do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), «tanto no plano técnico processual – o CEJ parece hoje uma escola técnica de processo penal e civil – como no plano do aprofundamento dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição e nas cartas e tratados europeus e internacionais». Na sua opinião, importaria ainda aprofundar conhecimento dos juízes e procuradores na área da cooperação judicial e judiciária internacional, e preparar e instalar «tão breve quanto possível» o equipamento informático de transmissão digital direta de peças processuais entre países da União Europeia.

Acelerar os processos para combater a crítica mais apontada à Justiça – a morosidade – é também tida em conta na iniciativa socialista, mas mais uma vez as medidas não saem, segundo Rui Patrício, «do nível das generalidades».

Para o advogado, que espera que as medidas relativas a este ponto não sejam «mais do mesmo», ou seja «remendar as leis processuais», o sistema, em geral, «não é insuportavelmente moroso, e não se pode confundir o todo com algumas partes», considerando que os pontos de «flagrante morosidade» requerem medidas concretas, «que não são transversais ao sistema».

Rui Patrício esclarece que se refere à justiça administrativa e fiscal, mas também aos processos gigantes, sejam criminais sejam contraordenacionais. «Enquanto existirem, não permitem qualquer celeridade, não haja ilusões, a não ser que se venha a dispensar de todo a necessidade de processo nesses casos a coberto da lengalenga do excesso de garantias», adverte.

Ainda a propósito da iniciativa do PS, Rui Patrício critica o que chama de conversa do costume sobre articular celeridade com garantias: «Já sabemos o que significa, cortar nas garantias, mais um bocado, e ficar tudo na mesma na celeridade».

Como prioridades numa eventual reforma da Justiça, o advogado considera que é necessário, em primeiro lugar, «parar de reformar legislativamente de seis em seis meses» e, em segundo, «ter consciência e ter carteira para mexer no sistema onde é preciso, que é nas carreiras e nos materiais». Por fim, Rui Patrício defende que seria preciso «dar uns toques na mentalidade de cada um e de todos, reduzindo a crispação e a desconfiança, melhorando a accountability de todos (que exige humildade democrática) e reduzindo o corporativismo e sendo mais exigente e duro».

Em suma, a iniciativa do PS, apesar do tom genérico e, intencionalmente, consensual serviu para que o tema de uma reforma na Justiça voltasse, como acontece ciclicamente nos últimos anos, à agenda, se não política, pelo menos mediática.

Jornal Sol

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