Menos estudantes, mais urgência

Portugal precisa de ser um país proficiente em ciência, educação e conhecimento, com mais profissionais altamente qualificados e com competências ajustadas às exigências atuais e futuras. Os desafios nacionais e globais tornam evidente esta urgência, tanto nas áreas clássicas do ensino, estruturantes para a sociedade e a economia, como nos campos emergentes considerados indispensáveis para o futuro.
O ensino superior é essencial para formar talento, alimentar criatividade e empreendedorismo, e impulsionar a transformação económica e social. Só com universidades e instituições com sistemas robustos e inovadores podemos aspirar a formar mentes críticas, mãos habilidosas e cidadãos responsáveis.
Porém, no momento em que mais precisamos deste motor de desenvolvimento, o sistema revela-nos sinais claros de fragilidade. Na 1.ª fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior de 2025, apenas 79% das vagas foram preenchidas — o valor mais baixo desde 2016. Houve menos candidatos e menos colocados, refletindo a perceção de que demasiados cursos já não correspondem às necessidades reais da sociedade e do mercado.
Esta tendência deve também ser analisada mais cedo, na transição para o ensino secundário, onde as opções de área de estudo influenciam de forma decisiva percursos futuros e, muitas vezes, podem afastar os jovens das áreas científicas e tecnológicas com maior potencial de empregabilidade. A orientação vocacional e o alinhamento entre ensino básico, secundário e superior podem ser essenciais para corrigir este desajuste. Este não é um desvio conjuntural, é um sistema que está desajustado. Este cenário mostra-nos um sistema com muita pressão e menos estudantes. Um sistema que precisa de reforma.
Segundo estimativas recentes, cerca de um terço dos cursos em Portugal ficaram com mais de metade das vagas por preencher, enquanto iniciativas alternativas como a Escola 42 registaram 15 mil candidaturas para apenas 550 vagas, uma evidência de que os jovens procuram novas formas de aprender, mais flexíveis, tecnológicas e ligadas ao mercado. Isto mostra-nos que o problema é também estrutural, faltam modelos adaptados às necessidades dos jovens e do país.
A realidade é que a procura está concentrada nas áreas de maior empregabilidade, como saúde, engenharias e tecnologias, mas as vagas disponíveis são insuficientes. Em contrapartida, subsistem cursos de relevância baixa que sobrevivem por inércia. Somando a isto a dificuldade em atrair estudantes estrangeiros, onde Portugal perde para países que já investiram na internacionalização, programas digitais e de reskilling com impacto direto no mercado de trabalho.
Perante este cenário, não chega apontar problemas. É preciso adotar medidas concretas.
O ensino superior deve oferecer experiências transformadoras, como estágios integrados, projetos reais, mobilidade internacional e programas de inovação. Cada estudante deveria poder construir pelo menos três experiências diferenciadoras — internacional, de inovação e de impacto social — para que a passagem pela universidade seja também uma preparação para o mundo real.
Modelos pedagógicos inovadores, como o da Escola 42, mostram que é possível aprender através de desafios, colaboração e autonomia, desenvolvendo competências transversais e pensamento crítico. São experiências que o sistema universitário deve observar e adaptar, integrando a flexibilidade e a aprendizagem por projetos sem perder o rigor académico.
Ao mesmo tempo, é urgente rever portefólios formativos, fundindo ou encerrando cursos sem procura e reforçando áreas emergentes como inteligência artificial, saúde digital, biotecnologia ou sustentabilidade. Este processo deve ser feito em diálogo com empresas, serviços públicos e comunidades locais para garantir pertinência e impacto real.
Portugal tem vantagens competitivas que podem atrair estudantes internacionais, mas perde-os devido à burocracia e à falta de alojamento acessível. É urgente simplificar candidaturas, criar balcões únicos para vistos e seguros e oferecer programas bilingues em áreas estratégicas. O objetivo tem de ser duplicar o número de estudantes internacionais em cinco anos. Para além disso, o ensino superior precisa também de estar aberto a públicos diversificados: profissionais em atualização e novos perfis que procuram formações curtas e microcredenciais. Isto significa reconhecer competências adquiridas ao longo da vida e permitir entradas flexíveis ao longo do ano para garantir relevância e sustentabilidade do sistema.
E a própria pedagogia deve acompanhar estas mudanças. Os estudantes de hoje procuram experiências práticas e interativas, com integração de metodologias de projeto e inteligência artificial como apoio ao ensino, avaliação transparente e feedback contínuo. O professor do século XXI é orientador de percursos, não apenas um transmissor de conteúdos
Por fim, o investimento público e privado no ensino superior precisa de se traduzir em resultados concretos: mais empregabilidade, inovação e desenvolvimento regional. Isso implica contratos-programa claros, financiamento associado a metas de desempenho e a publicação de indicadores acessíveis. E sempre que faça sentido, fusões funcionais e partilha de serviços podem aumentar escala e eficiência, permitindo a distribuição de recursos para o essencial: formar melhor e com impacto.
Neste esforço, é fundamental reconhecer que sistemas públicos e privados devem atuar de forma complementar. O ensino público garante escala e missão social, enquanto o privado oferece agilidade, inovação e atratividade internacional. Juntos, formam um sistema mais completo e resiliente, capaz de dar respostas diferenciadas às necessidades da sociedade e da economia.
A revolução tecnológica na educação é irreversível, mas não precisa de ser destrutiva. O desafio é integrar o melhor da inovação digital e pedagógica num sistema que mantenha rigor, qualidade e missão social. O futuro do ensino superior não se constrói com mais regulação, mas com qualidade, diversidade e cooperação. Com a coragem de mudar.
* A Egas Moniz School of Health and Science é uma instituição de ensino superior com sede e campus na Caparica (Almada) e unidade especializada em Sesimbra.
observador




