Carneiro de Baião ao Largo do Rato

Não foi à primeira, será à segunda: no sábado, José Luís Pereira Carneiro será eleito sem concorrência como o décimo secretário-geral da história do Partido Socialista (PS) nas eleições internas convocadas na sequencia da demissão de Pedro Nuno Santos da liderança do PS.
Considerado moderado e homem de consensos, Carneiro iniciou-se nas lides políticas em 1993, tendo-se envolvido na elaboração do programa autárquico do partido. Foi nessa altura que conheceu António Guterres, então líder parlamentar e que mais tarde viria a ser secretário-geral. Diz quem o conhece que Carneiro se identificou imediatamente com o estilo e com a linha política do atual secretário-geral das Nações Unidas.Antes da política, o futuro líder socialista, tentou uma vida no jornalismo. Eram os anos de O Independente e o jovem José Luís Carneiro era aluno de Vasco Rato na Universidade Lusíada, no curso de Relações Internacionais. É pela mão de Vasco Rato, cronista do jornal que Paulo Portas fundou, que José Luís Carneiro começa a escrever sobre os países lusófonos. Paulo Mascarenhas era o editor e lembra-se que já na altura José Luís Carneiro «gostava de se definir como católico progressista, tal como o Guterres».
Durante alguns anos José Luís Carneiro passou a integrar na sua rotina de estudante universitário, a escrita das prosas que «muitas vezes ia lá entregar em mão. Gostava de se sentar na redação a conversar connosco e toda a gente tinha boa impressão dele», conta. Era o início da década de 1990 e o jovem socialista vindo de Baião para estudar em Lisboa, cruzou nessa altura com a equipa política que na redação da António Pedro, semana após semana, abanava o governo de Cavaco Silva, com sucessivos escândalos. Carneiro não tomou parte nisso, escrevia sobre internacional, mas o impacto político que o jornal tinha nessa altura não lhe terá sido indiferente.
Terminados os estudos, Carneiro regressa ao norte e começa a sua carreira docente. Na mesma Universidade Lusíada, é assistente de João Marques de Almeida que, já por diversas vezes lembrou nos meios de comunicação social em que colabora, as boas relações que sempre teve com o futuro líder socialista e a qualidade académica que sempre lhe foi reconhecida pelos pares. Marques de Almeida recorda ainda que José Luís Carneiro é uma daquelas pessoas que ajuda a criar um bom clima de camaradagem no ambiente de trabalho.
Mas a par com a vida académica foi sempre também crescendo o envolvimento político. Em 1998, já com Guterres primeiro-ministro, candidata-se nas listas do PS à Câmara da sua terra natal, Baião. O partido não vence as eleições, mas Carneiro assume o primeiro cargo político, como vereador da oposição.. Pouco tempo depois, aceita o convite de uma das suas maiores referências no partido. Francisco Assis era líder parlamentar e convida-o para chefe de gabinete. Começa aí uma ligação política que dura até aos dias de hoje. Assis foi um apoio de primeira hora nas duas candidaturas de José Luís carneiro à liderança do PS.
A chegada ao Palácio de São Bento e aos corredores da Assembleia da República ditou, definitivamente o percurso político do próximo secretário-geral. Em 2005 é eleito deputado, mas senta-se no hemiciclo por pouco tempo. Em Outubro candidata-se a Presidente da Câmara de Baião e vence as eleições com mais de 50% dos votos. Cumpre então um ciclo de três mandatos consecutivos na autarquia que o viu nascer. A experiência executiva viria a ser-lhe muito útil no futuro.
A ascensão dentro do partido chega com António Costa, apesar de José Luís Carneiro ter sido um homem de confiança de António José Seguro. Foram poucos os nomes que transitaram do consulado de Seguro para o consulado de Costa e Carneiro foi um deles. Volta a ser eleito para o parlamento nas eleições de 2015 e integra o primeiro governo da geringonça como secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. É nestas funções que começa a dar nas vistas e a despertar a confiança do primeiro-ministro. A capacidade e a discrição com que foi capaz de resolver diversas crises impressionou Costa. Foi o caso da necessidade de repatriar emigrantes vindos da Venezuela, ou o apoio a portugueses apanhados em ataques terroristas ou catástrofes naturais.
Nessa altura, José Luís Carneiro já fazia caminho nas estruturas do partido, sendo líder da Federação do Porto, uma das mais importantes do partido, entre 2012 e 2016.
A proximidade com António Costa, fá-lo-ia chegar ao lugar de maior confiança dentro do partido. Em 2019, o primeiro-ministro nomeia-o secretário-geral adjunto, uma nomeação que na prática faz dele o número dois do partido, numa altura em que o líder tinha pouco tempo para a estrutura interna dadas as obrigações governativas.
Em 2022, no último governo de António Costa, Carneiro assume a pasta de ministro da Administração Interna. É sempre uma das pastas mais difíceis da governação mas, na altura em que o agora candidato à liderança assumiu o lugar, as dificuldades eram ainda maiores.
O histórico de ministros da Administração Interna do PS foi tudo menos famoso. Em 2017, Constança Urbano de Sousa viu-se obrigada a pedir a demissão, depois dos trágicos incêndios de junho e outubro, que provocaram uma centena de mortos no país. A incapacidade de resposta das forças de proteção civil e a falência do SIRESP foram determinantes para as duas tragédias, e a ministra não foi capaz de dar resposta aos problemas. Em outubro foi o próprio Presidente da República que obrigou à sua demissão, no declaração ao país que proferiu após os incêndios de outubro. Eduardo Cabrita foi o senhor que se seguiu, mas as coisas também não correram bem. A morte de um cidadão ucraniano às mãos do SEF, no aeroporto de Lisboa (facto que viria a ditar a extinção do SEF) e o atropelamento de um cidadão pelo carro em que o ministro seguia, foram os dois casos a que Eduardo Cabrita não resistiria.
Depois de ter obtido uma surpreendente maioria absoluta, António Costa chama Carneiro para o lugar. Nas mãos do novo ministro da Administração Interna fica o difícil processo de extinção do SEF e reintegração dos agentes que faziam parte daquela força de segurança e fica também o novo desenho de controlo de imigrantes nas fronteiras nacionais. Para além disso teve ainda que lidar com a organização e segurança da Jornada Mundial da Juventude e, claro está, como uma época sempre perigosa de fogos florestais.
Como em quase todo o seu percurso, Carneiro entrou discreto, cumpriu a missão e esteve sempre longe de polémicas. Foi aliás na Administração Interna que adquiriu pergaminhos para poder ser visto como candidato da ala costista, nas eleições internas que levaram à vitória de Pedro Nuno Santos. Apesar de derrotado, conseguiu uns honrosos 36% de votos que lhe permitiram acalentar a esperança de que um dia havia de ser líder do partido. Teve razão e no próximo sábado será eleito para conduzir os socialistas no pior momento da sua história.
Jornal Sol