Agricultores à nora atrás dos apoios do Estado

O apoio prometido pelo Governo aos agricultores afetados pelos incêndios ainda não foi entregue, apesar do ministro da Economia e da Coesão Territorial ter prometido agilizar o processo, acenando com um prazo de 10 dias. Em causa está a verba destinada à «rentabilização do potencial produtivo agrícola e um apoio excecional aos agricultores para a compensação dos prejuízos, mesmo através de despesas não documentadas», até ao máximo de 10 mil euros.
Ao Nascer do SOL, o secretário-geral da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), Luís Mira, afirma que esse valor ainda não chegou a nenhum agricultor e questiona a forma como o processo está a ser tratado: «Até ao momento não existe nada. Onde está o dinheiro? Que agricultor é que recebeu o dinheiro? Que eu saiba nenhum. O que se constata é que a prática é diferente do discurso político».
«As pessoas quando fazem uma promessa têm de saber que podem cumprir. Estas promessas foram feitas a seguir a um Conselho de Ministros quando está tudo empolgado e não têm a mínima noção de como pode ser implementado», referiu Luís Mira, acrescentando que a CAP não fez nenhuma promessa e, três dias depois, os agricultores doaram alimentos a outros, atingindo quase 500 toneladas, «porque os animais têm que comer todos os dias».
O secretário-geral da CAP dá ainda cartão vermelho à forma como são feitos os pedidos de apoio. «As CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional] empurraram para as Câmaras e as Câmaras para as Juntas. É certo que tudo depende das regiões. A CCDR do Alentejo faz uma coisa, a do Centro outra e a do Norte outra, ou seja, cada uma tem o seu modus operandi».
E vai mais longe nas acusações: «Qual o conhecimento da CCDR e da Câmara para avaliar os prejuízos? Claro que algumas câmaras mais sensatas já foram ter com a associação lá da zona a pedirem ajuda. Então o Estado não é capaz de tratar da saúde animal e teve de delegar essa tarefa nas organizações que estão espalhadas por esse Portugal fora e agora vão avaliar as perdas? E com que critérios? Então um agricultor de Trás-os-Montes vai receber um valor diferente do Centro ou do Alentejo? Nada disso faz sentido».
Segundo Luís Mira, o problema ganha contornos mais complexos nos casos em que as autarquias remetem essa responsabilidade para as Juntas de Freguesia. «Então um Governo que diz que vai lutar contra a burocracia, a primeira vez que tem aqui uma coisa para lutar contra a burocracia cria mais problemas? Se tiver três terrenos que pertencem a três juntas de freguesia tenho de ir uma a uma?», questiona.
Recorde-se que na altura em que Castro Almeida anunciou os apoios também disse que, nos casos de prejuízos abaixo dos 10 mil euros, o Governo não iria «estar e pedir papéis» para apoiar as pessoas afetadas pelos incêndios. «Não vamos estar a pedir papéis. É na base da prova testemunhal, vendo no local, com alguém da Câmara Municipal ou da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, define-se o valor e pagamos imediatamente», afirmou o governante.
Mas mais tarde disse que seria preciso preencher um formulário de candidatura que teria de ser entregue às Câmaras Municipais. As autarquias, por sua vez, «encaminham para a CCDR e a CCDR avalia e paga em 10 dias ou menos», salientou.
Questionadas pelo Nascer do SOL, apenas a CCDR Norte respondeu até ao fecho da edição e remeteu explicações para o decreto-lei de 24 de agosto que prevê que as autarquias recolham a informação para reportarem à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional e «em vistoria conjunta, os técnicos dos municípios e da CCDR, IP, territorialmente competente definem a estimativa do valor dos danos decorrentes dos incêndios».
Outra dor de cabeça para a CAP_diz respeito ao facto de os agricultores da zonas do Alandroal, de Aljustrel e de Castro Verde afetados pelos incêndios terem ficado de fora por os fogos terem ocorrido mais cedo. Ou seja, a resolução do Conselho de Ministros só prevê compensar os agricultores que tenham sido afetados entre as 00h00 do dia 26 de julho de 2025 e as 23h59 do dia 27 de agosto de 2025. «Parece que estamos num país diferente, mas é isto que está em vigor. Não me passa para a cabeça que não corrijam isto, no entanto, quem definiu isto foi a ANEPC [Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil] e o primeiro-ministro, o que é discriminatório», acusa o secretário-geral da CAP.
Perdas ainda por apurar
Apesar de ainda não estarem contabilizados os prejuízos, o ministro da Economia e da Coesão Territorial já veio admitir que as perdas dos incêndios este ano são já «bastante superiores» às registadas no ano passado, superando os 30 milhões de euros. «Na região norte, os prejuízos são bastante superiores aos incêndios de 2024. O número de agricultores é muito maior, no ano passado creio que foram mil e tal, e o volume envolvido é também bastante superior ao ano passado. Eu diria, tranquilamente, três, quatro, cinco vezes mais do que o ano passado. Estamos a falar de algumas dezenas de milhões de euros», disse Castro Almeida.
Números que levam a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) a chamar a atenção «para o facto de o valor de 10 mil euros por agricultor ser escasso para acudir às situações em que tenham ardido estábulos, armazéns, instalações e máquinas agrícolas, ou culturas permanentes», pedindo ainda que «sejam criados parques para a receção de madeira ardida, de forma a evitar a especulação com os preços da madeira, ou negócios pouco transparentes na compra e venda da madeira queimada».
Restauração e hotelaria comprometidas
Também a AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) já veio manifestar a sua preocupação com o impacto dos incêndios nas regiões mais afetadas, com reflexos diretos e imediatos nas atividades do alojamento turístico e da restauração e similares. «O flagelo dos incêndios tem provocado cancelamentos de reservas e encerramentos de empresas, com quebras significativas na taxa de ocupação no alojamento e redução da procura em toda a atividade turística, comprometendo de forma séria a sustentabilidade dos negócios e dos postos de trabalho», refere.
Ao nosso jornal, Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP, salientou que o setor tem em mãos três apoios disponíveis, mas ao contrário da expectativa da associação a verba a fundo perdido destina-se apenas a repor capacidades produtivas. Ou seja, implica que tenha havido danos concretos nas infraestruturas. O que, no seu entender, afasta a maioria dos empresários desta opção. «Não digo que não tenha ocorrido, mas não temos conhecimento dessas situações. As situações que conhecimento é o de cancelamento de reservas», refere, lembrando que houve vários responsáveis do setor a acenar com reservas na ordem dos 99% para os 3%, após os incêndios.
Desta forma, a esmagadora dos empresários terá de recorrer à chamada linha de apoio à tesouraria. Ainda assim, Ana Jacinto admite que tem condições especiais, uma vez que prevê um apoio reembolsável sem juros, até 25% do volume de negócios do ano anterior, com limite de 300 mil euros, num prazo de sete anos, incluindo dois anos de carência. É certo que isso representa mais endividamento para empresas e que, alerta, elas «já estão mais do que endividadas».
E acrescenta: «Estamos muito preocupados com o setor, em particular, da restauração, porque no caso do alojamento temos dados concretos que nos indicam que as coisas vão correndo bem, até porque houve um ajustamento de preço, é mais fácil fazê-lo, e há que contar também com o turismo internacional. No entanto, não nos podemos esquecer que têm a ver com as dormidas, têm a ver com hóspedes. A restauração está numa situação diferente, sobretudo aquela que está longe dos fluxos turísticos que está a enfrentar grandes dificuldades, não é igual em todo o território, porque é muito assimétrico e há que somar os problemas que advêm de todo o endividamento que têm, porque as linhas covid foram endividamento, porque a inflação não parou de subir, porque as matérias-primas não pararam de aumentar».
Ana Jacinto diz ainda aguardar pela campanha do Governo que será lançada ainda neste mês de setembro, a par da promoção já lançada pelo Turismo do Centro para que haja um reforço da promoção das zonas afetadas. «A ideia é que as pessoas possam voltar a estes locais porque houve uma perda de confiança natural, porque o território está devastado e que provocou danos inerentes às reservas que foram canceladas, sobretudo nesse sentido que as pessoas tinham marcado presença e deixaram de ir, e as futuras reservas que iriam acontecer e que também deixaram de acontecer», salientou.
A AHRESP frisa que o verão representa, tradicionalmente, o período mais importante para a atividade turística, sobretudo nos territórios de baixa densidade. «Sem respostas rápidas e eficazes, os incêndios poderão comprometer não apenas a época alta de 2025, mas também a atratividade futura dos destinos afetados, com graves consequências para a economia local e nacional», refere.
Jornal Sol