Reforma administrativa: Brasil deve gastar recorde de R$ 1,7 tri com servidores públicos em 2025

BRASÍLIA — O Brasil deve gastar R$ 1,7 trilhão com servidores públicos em 2025, somando as despesas da União, Estados e municípios com funcionários da ativa e aposentados, enquanto discute uma reforma administrativa.
Se o número se confirmar, o valor vai ser recorde. A reforma em discussão no Congresso Nacional não deve atingir a estabilidade dos servidores, mas impor medidas de avaliação de desempenho e corrigir algumas distorções, como os supersalários acima do teto constitucional.
O Estadão reuniu dados dos orçamentos da União, dos 26 Estados, do Distrito Federal e de 5.143 municípios (mais de 90% do total) com os valores das despesas de pessoal e encargos programados para este ano nas leis orçamentárias e relatórios entregues ao Tesouro Nacional.
O número final será conhecido em 2026, com os gastos efetivos e a consolidação que exclui as duplicidades, como as transações entre os entes, mas o valor previsto indica para o aumento de gastos com pessoal.
Na Câmara, a proposta está nas mãos do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), coordenador do grupo de trabalho escalado para formular a reforma administrativa. O texto não deve mexer na estabilidade dos servidores públicos, que garante a continuidade do vínculo independentemente do governo da ocasião, até a aposentadoria do funcionário.
O parlamentar, no entanto, quer instituir um programa de avaliação dos servidores por desempenho, uma revisão de gastos na administração pública e uma tabela remuneratória fixa que diga quanto cada profissional deve receber. Ele também defende mudanças que limitem o pagamento de salários acima do teto constitucional (hoje R$ 46,3 mil), honorários advocatícios e férias de 60 dias.
Dados de 2022 mostram que o Brasil emprega menos funcionários públicos em comparação a outros países (12,1% sobre total do emprego contra 20,8% da média da OCDE), mas gasta mais (13,5% do PIB, contra 9,3% da OCDE), considerando servidores da ativa e aposentados na União, Estados e municípios, segundo dados do Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) levantados pela Fecomércio-SP.
"O Brasil não emprega tanto, mas gasta muito com o funcionalismo público e, aqui, a diferença fundamental, e principalmente no governo federal, é a remuneração, que é 67% maior para os mesmos cargos do setor privado", diz o economista Antonio Lanzana, presidente do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da Fecomércio-SP e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Para o especialista, a reforma administrativa atinge um nó que impede o Brasil de crescer mais nos últimos anos: a produtividade. "Quem espera que a reforma administrativa vai resolver o problema das contas públicas ou os déficits que o Brasil tem, que são enormes, está errado", avalia.
"O foco tem de ser melhorar a qualidade dos serviços, principalmente aqueles dirigidos às classes de renda mais pobre, como saúde e educação, e aumentar a eficiência do gasto. Você tem hoje, por exemplo, cargo público de datilógrafo, ascensorista e açougueiro, coisas muitos estranhas."
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos afirmou que está implementando várias ações desde janeiro de 2023 nas áreas de pessoal, organizações e ampliação da agenda digital com o objetivo de aumentar a eficiência do Estado e a entrega de políticas públicas para a população.
"O crescimento das despesas de pessoal no governo Lula 3 concilia a sustentabilidade das contas públicas com a valorização dos servidores e a recomposição da força de trabalho. A folha do Executivo federal representava 2,68% do PIB em 2022 e a projeção é que alcance 2,59% do PIB em 2026?, disse a pasta.
Brasil tem 11 milhões de servidores na ativa, com disparidade nos saláriosO Brasil conta com um universo de aproximadamente 11 milhões de funcionários públicos na ativa, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dos quais quase sete milhões estão nos municípios. As prefeituras aumentaram o número de funcionários em quatro vezes entre 1985 e 2021.
Os dados levantados pelo instituto apontam que as despesas com o pessoal ativo não tiveram aumentos tão relevantes em proporção do PIB, apesar da alta em valores totais: eram de 8,90% do PIB em 2002 e totalizaram 9,17% do PIB em 2024, mas há disparidade nos salários. Os municípios, com um movimento maior de contratações, ultrapassaram os Estados em gastos nessa comparação a partir de 2021.
O pesquisador do Ipea e coordenador do Atlas do Estado Brasileiro, que reúne os dados, Felix Lopez, diz que não há amparo na ideia de que o setor público está inchado e cresce sem controle, mas é preciso olhar para a eficiência da administração. "Frequentemente, vamos precisar de mais gente, talvez não na educação básica, pois a natalidade caiu muito, mas certamente de mais médicos", diz Lopez.
"No nível federal, por exemplo, não temos um sistema de planejamento da força de trabalho. Frequentemente, é a luta política e a capacidade de ser amigo do rei que fazem com que você consiga autorizações para contratar gente na área A, B ou C, e depois fica uma década sem contratação", afirma o pesquisador.
Os 10% mais bem pagos no setor público possuem uma remuneração quinze vezes maior ao salário dos 10% mais pobres. Quando se olha para a diferença entre os Poderes, o Judiciário aparece com uma remuneração média de R$ 16 mil por mês, enquanto o Executivo tem um salário médio de R$ 4,5 mil por mês.
"O Judiciário tem autonomia orçamentária e foi simplesmente elevando as suas remunerações, combinado com uma imagem como se as ocupações da magistratura fossem algo diferente na República brasileira", observa o especialista. "É preciso conter um pouco a desigualdade lá no topo, isso ajudaria muito a reduzir a desigualdade geral porque é o topo que faz com que a disparidade aumente."
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