Pedido de Trump, produção de Coca-Cola com açúcar de cana pode favorecer o Brasil

O lançamento de uma versão da Coca-Cola a ser produzida nos Estados Unidos com sacarose de cana deve aumentar a demanda por importação de açúcar pelo mercado americano. A mudança pode abrir uma oportunidade significativa para o Brasil, maior produtor e exportador mundial da commodity.
O anúncio, feito pela tradicional fabricante de refrigerantes na terça-feira (22), surge como uma boa notícia para a cadeia sucroalcooleira brasileira em meio à tensão criada no setor agropecuário com a tarifa de 50% sobre exportações para os Estados Unidos, programada, em princípio, para o dia 1º de agosto.
Atualmente, a Coca-Cola produzida nos Estados Unidos utiliza xarope de milho em sua composição. A decisão da empresa ocorre poucos dias após o presidente americano, Donald Trump, declarar em suas redes sociais que vinha conversando com a empresa para apoiar a nova versão.
Segundo estimativas da Datagro, especializada em mercados agrícolas, a demanda por açúcar de cana pode crescer em até 1,5 milhão de toneladas por ano, considerando a substituição total da empresa da glucose e frutose de milho pela sacarose de cana. “Obviamente se eles fizerem uma alteração gradual ou apenas parcial, o impacto será apenas uma parcela disso”, diz o presidente da consultoria, Plínio Nastari.
Ele explica que o mercado global de açúcar trabalha com um equilíbrio bastante tênue. “Muito embora o consumo mundial seja de 194 milhões de toneladas anuais, o volume transacionado no mercado internacional é da ordem de 56 milhões de toneladas”, diz.
“Nossa projeção é que para o ano comercial 2025/2026, que começa em 1.º de outubro próximo, haja um superávit relativamente pequeno, da ordem de 900 mil toneladas”, acrescenta Nastari.
Assim, uma demanda adicional de 1,5 milhão de toneladas açúcar geraria um déficit de cerca de 600 mil toneladas no comércio global da commodity.
Em outros países, inclusive no Brasil, a bebida já é adoçada com açúcar, como na receita original, lançada em 1886. Na década de 1970, com a alta nos preços do açúcar, o xarope de milho surgiu como uma alternativa barata e eficiente para a indústria alimentícia americana, em meio a políticas agrícolas de subsídio à produção do grão.
Em 1985, toda a produção de Coca-Cola nos Estados Unidos passou a utilizar o xarope derivado do cereal, que hoje custa um terço do valor do açúcar refinado. Ainda assim, até hoje há consumidores americanos que preferem comprar, a um preço mais alto, a versão com sacarose produzida no México.
O Brasil é hoje o maior produtor e exportador mundial de açúcar de cana. Na safra 2023/2024, foram produzidos no país cerca de 46 milhões de toneladas da commodity, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Desse total, 35,2 milhões de toneladas foram destinados à exportação.
Os Estados Unidos, por sua vez, produzem anualmente aproximadamente 9,3 milhões de toneladas de açúcar – 4,1 milhões de cana e 5,1 milhões a partir da beterraba –, volume insuficiente para a demanda interna, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). Na safra 2023/2024, o país importou 3,8 milhões de toneladas do produto.
Os Estados Unidos estabelecem um volume anual de importação de açúcar que é isento de taxação. O Brasil tem atualmente uma cota tarifária de 146,6 mil toneladas, mas há anos negocia um aumento do patamar para entre 300 mil e 400 mil toneladas.
Caso a tarifa adicional de 50% sobre todas as importações brasileiros seja de fato efetivada a partir de 1º de agosto, haverá um custo adicional anual para as exportações de açúcar, por meio da cota tarifária, de cerca de US$ 27,9 milhões, segundo a Datagro. O valor, no entanto, acabaria pesando no bolso do consumidor americano.
A maior parte das importações americanas tem origem no Brasil. Em 2024, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a indústria sucroalcooleira brasileira embarcou 876 mil toneladas de açúcar rumo aos Estados Unidos.
O presidente da Datagro explica que o México, que tem acordo de livre comércio com os Estados Unidos e envia em torno de 500 mil toneladas do produto para o país vizinho, não teria como suprir a demanda adicional com a mudança na fórmula da Coca-Cola.
Outros importantes exportadores da commodity, como Tailândia e Austrália, já têm mercados cativos na Ásia, principalmente a China e a Indonésia. “Não tem muito para onde os Estados Unidos correrem [além do Brasil]”, diz Nastari.
“Mesmo que a indústria americana importe açúcar de outras origens, o aumento na importação vai abrir a uma demanda adicional, que pode chegar a até 1,5 milhão de toneladas, em algum outro lugar do mundo, que provavelmente vai ser suprida pelo Brasil”, explica.
Ainda segundo ele, um aumento nas exportações brasileiras de açúcar não chegaria a impactar significativamente os preços do produto no mercado interno.
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