Marcos Lisboa: a ironia é que Trump tem copiado o que é tradição no Brasil

Na avaliação do economista Marcos Lisboa, surpreendentemente os Estados Unidos tem copiado o ‘pior do Brasil’ e ferido governança, com decisões da atual administração que contrariam a independência de instituições e uma cultura republicana.
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“É muito surpreendente os Estados Unidos copiando as instituições e as regras de políticas públicas que fracassaram no Brasil”, disse Marcos Lisboa, Ex-presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda e ex-diretor do Itaú, que participou da edição mais recente do Dinheiro Entrevista.
Segundo o economista, o Brasil tem uma tradição “muito autoritária” e a governança da política pública é um ponto crítico no país – ao passo que os EUA tinha uma herança diferente, mas que tem sido dilapidada por Donald Trump.
“Tem uma tradição no Brasil que é muito autoritária, tanto na esquerda quanto na direita. ‘Eu não quero me submeter a governança da política pública. Eu não quero ter um banco central independente, quero poder mandar no banco central. Eu entendo de juros, né? Eu quero ligar pro banco central e falar assim, baixa os juros'”, afirma.
“A boa política pública segue o a história de Ulisses: você amarra as mãos no mastro para você não poder fazer muita coisa. Se você quer boa governança, isso quer dizer o seguinte: ‘Meus caros, vocês vão ter menos poder. Todo mundo vai ter menos poder. Isso vai tornar o país mais rico’. Agora a ironia é que os Estados Unidos agora está exatamente querendo virar Brasil”, completa.
Segundo Lisboa, o ‘autoritarismo’ da atual administração de Trump impressiona, que é o mesmo visto em políticos brasileiros, independentemente da ‘coloração ideológica’.
Ataques de Trump ao Fed“Sobre vários aspectos da economia do Brasil, os termos [para descrevê-los] são ‘ecumênicos’. Esquerda e direita compartilham. Você vê como é que são os votos no parlamento, no Congresso, no Senado. Todos esses truques que são cotidianos. As pessoas não têm noção porque isso não dá imprensa, mas são comportamentos para conseguir morder mais um pedaço do estado. Eu já levantei esse número várias veze, 80% da esquerda, 80% da direita. Assim, todo mundo juntinho votando, uníssono, pela concessão e pelo fortalecimento do patrimonialismo.“
Dentre os ataques às instituições independentes feitos por Trump, alguns dos mais emblemáticos tem sido os solavancos contra o chair do Federal Reserve, Jerome Powell, em meio ao seu contínuo apelo por juros mais baixos.
“Nossos juros deveriam estar três pontos mais baixos do que estão, economizando US$1 trilhão por ano (como país). Esse cara teimoso do Fed simplesmente não entende – nunca entendeu e nunca entenderá. A diretoria deveria agir, mas não tem coragem de fazer isso!” Escreveu Trump em sua plataforma de mídia social.
Indicado pelo próprio Trump para o comando do Fed, Powell liderou o ciclo de alta de juros nos últimos anos para conter a inflação, que atingiu o maior nível em quatro décadas.
Agora, com os preços em queda, o ex-presidente pressiona publicamente por cortes mais rápidos, alegando que isso ajudaria a impulsionar a economia.
Em discursos e entrevistas, Trump chegou a chamar Powell de ‘teimoso’ e ‘atrasado’, acusando-o de não entender os rumos da economia. Mas especialistas alertam que esse tipo de ataque pode afetar a confiança dos mercados e criar instabilidade para investidores, dentro e fora dos Estados Unidos.
Marcos Lisboa vê problemas para 2027O economista vê o quadro fiscal brasileiro como um conjunto de distorções que foram se acumulando ao longo do tempo. Em sua avaliação, o orçamento acabou perdendo credibilidade, depois de sucessivas manobras que mascararam despesas e comprometeram a confiança nos números oficiais.
“Está cheio de goteira no orçamento. Foram se criando vários truques: “olha, essa despesa não entra no primário, vou fazer um fundo financeiro porque não aparece nas contas do primário”, e a dívida segue crescendo. Acho que é uma preocupação grande como vai ser o fiscal em 2027. O tamanho da encrenca que a gente vai ter que enfrentar – e isso com uma agenda muito grande a ser feita”, analisa.
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Outro ponto levantado é a falta de avaliação consistente das políticas públicas. Lisboa cita a quantidade de subsídios, fundos e benefícios concedidos pelo Estado ao setor privado sem análise de impacto, além do peso das decisões judiciais que comprometem cerca de 10% do gasto público. Para ele, a multiplicação de interpretações no Judiciário e o uso criativo das regras ampliam a incerteza.
Na visão do economista, o núcleo do problema é a captura do Estado por interesses específicos, somado a um patrimonialismo persistente. Ele também critica a forma como a máquina pública concentra poder decisório, sem mecanismos de controle suficientes.
Isso, afirma, mantém o país distante de soluções estruturais. A saída, em sua opinião, passa por mais limites ao poder do Estado, órgãos independentes de avaliação e fechamento de programas que não produzem resultados.
“Avaliamos pouco toda essa concessão de subsídios e benefícios, de fundos, por exemplo, que o estado concede ao setor privado. Tem toda a discussão sobre as decisões judiciais do Brasil que estão em um número astronômico quando você compara com outros países. [Representa] 10% da despesa pública. Mas por que? O que está acontecendo? Onde é que está o erro? [Nas] interpretações cambiantes do judiciário. A criatividade com as regras. Tem uma discussão muito importante para garantir a que o Estado possa cumprir o seu papel social, e essa discussão não está acontecendo”, analisa Marcos Lisboa.
IstoÉ