A minha experiência pelo sinuoso caminho das bolsas do ensino superior (II)

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A minha experiência pelo sinuoso caminho das bolsas do ensino superior (II)

A minha experiência pelo sinuoso caminho das bolsas do ensino superior (II)

Quando discutimos um suposto excesso de exames, em vez da falta de apoio e tutorias em muitas escolas públicas, perdemos completamente o foco. Por conseguinte, falhamos aos que mais precisam.

Da mesma forma que sabemos que o verão nos traz os incêndios, com setembro, regressam as aulas e as discussões intermináveis sobre as dificuldades dos estudantes no ensino superior. É inevitável. Este setembro em particular é especial para mim, marca o início de um novo desafio – terminada a licenciatura na FEP, começo o mestrado em Economia na Nova SBE.

Se são leitores habituais do que aqui vou escrevendo, certamente estão a pensar na ironia do destino – acabei rendido ao centralismo para estudar. É verdade, mas era uma oportunidade imperdível – estudar no segundo melhor mestrado em Economia da Europa Ocidental – e, tendo a bolsa da Fundação Amélia de Mello a custear as propinas, tudo se tornou mais real.

Indo estudar para Lisboa, aparecem os desafios do alojamento. Confesso que, no meu caso, tendo outros colegas à procura de casa, quando soube que não teria lugar nas residências públicas, foi mais fácil encontrar uma alternativa. Contudo, gostava de usar este meu espaço para relatar e tornar pública esta experiência, que já apelidei de sinuosa, pelos caminhos ineficientes de acesso a bolsas e residências públicas.

O processo de candidaturas e renovação das bolsas da DGES abriu, este ano, no dia 25 de junho. Entre exames e o estágio de verão, acabei por fazer o pedido de renovação da bolsa no dia 19 de julho. É verdade que mudei de universidade, mas também é verdade que é o quarto ano de ensino superior, em que a situação financeira é similar. No entanto, é facto que tendo as aulas começado no dia 1 de setembro, quando escrevo este texto, ainda não sei se manterei a bolsa, muito menos o valor dela.

A isto se acrescenta a questão do alojamento. Aquando da candidatura, assinalei que pretendia candidatar-me a uma residência pública. Todavia, antecipadamente, no dia 9 de julho, enviei um e-mail aos serviços de ação social para perceber quando poderia esperar uma resposta definitiva quanto à residência. Na altura, foi-me dito que só receberia resposta depois de 24 de agosto (dia das colocações no ensino superior) e que sendo estudante de mestrado, face à escassez de oferta e à precedência dos colegas de licenciatura, seria muito improvável conseguir um lugar. Nesse cenário, tornar-me-ia beneficiário do complemento de alojamento, que, mediante a apresentação de contrato e recibos, me pagaria o valor da renda até cerca de 500 euros.

Nesse momento (estamos ainda na primeira quinzena de julho), percebi que só saberia se tinha residência no fim de agosto – uma semana antes das aulas começarem -, apesar de saber, pelos próprios serviços de ação social, que ter lugar era praticamente impossível. No fim de contas, acabei por ser notificado, no dia 14 de agosto, que não teria lugar nas residências e teria de procurar uma alternativa, tendo direito ao complemento de alojamento, caso tenha bolsa.

Consegui encontrar uma solução, contudo, sem saber se tenho bolsa, desconheço se terei complemento de alojamento. Pior ainda estão aqueles que só sabem onde vão estudar a 24 de agosto. Quando sabem se têm lugar nas residências? Como vão procurar casa? Vêm acampar para Lisboa ou para o Porto para ver as alternativas? Ou vão fechar contrato por mensagens? E aqueles que, no primeiro ano, estiverem em circunstâncias similares às minhas – à espera de notícias da bolsa para saber se têm complemento de alojamento? Vão pôr a cabeça no cepo? Apesar de tudo, eu tenho o ‘conforto’ de saber que em anos passados tive a bolsa e a situação não mudou, mas inquieta-me pensar naqueles que não o têm.

Não faz sentido toda esta espera. Porque é que aqueles, como eu, que continuam os estudos não podem pedir para renovar a bolsa antes de 25 de junho? Se as notas dos exames foram publicadas a 15 de julho, por que razão as colocações só saíram a 24 de agosto?

Todos os anos, assistimos à comoção nacional pelos estudantes deslocados. Todos os anos, assistimos à perturbação coletiva com o preço dos quartos para estudantes nas grandes cidades. Mas, caramba, ninguém é capaz de mudar nada. Chega a ser revoltante ouvir os estados de alma de alguns decisores, que nada fizeram para solucionar o problema.

A bolsa provisória é uma farsa, porque não passa disso mesmo, não deixa de ser provisória. E este é o estado a que chegamos. É evidente que muitas famílias não se podem dar ao luxo de tanta incerteza. Ter um filho a estudar fora de casa não implica apenas custos de alojamento — os gastos são naturalmente superiores aos que teria em casa. Se ninguém cobre esse custo, a dúvida quanto à residência ou alojamento é evidentemente inibidora.

A democracia precisa de um elevador social capaz de responder aos desejos dos cidadãos. Precisa de cumprir a promessa que coletivamente fizemos de que os filhos viveriam melhor do que os pais, de que, independentemente da posição social de origem, as condições justas e o mérito imperariam. Quando discutimos as propinas, em vez do alojamento; quando discutimos um suposto excesso de exames, em vez da falta de apoio e tutorias em muitas escolas públicas, perdemos completamente o foco. Por conseguinte, falhamos aos que mais precisam, falhamos a consertar o elevador social.

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