Rui Costa esvaziou tudo, sobrou pouco ou nada

Era dia de Assembleia Geral, podia não ser dia de Assembleia Geral. O momento desportivo e institucional no Benfica é daqueles que promove a ida de muitas centenas de adeptos ao Pavilhão da Luz, não para fazer a discussão do único ponto da ordem de trabalhos, o Orçamento, mas para debater onde estão e para onde vão os encarnados. Afinal, e contas feitas, havia espaço para todos – o que permitia que tudo avançasse sem mais nenhum constrangimento, tendo em conta que um excesso de “lotação” faria com que a reunião magna ficasse em risco tendo em conta que o Estádio da Luz está agora organizado para o concerto dos Calema na noite deste sábado. Em paralelo com isso, havia quase um contar de espingardas para as eleições.
João Noronha Lopes, que apresentou esta semana com casa cheia na Junta de Freguesia do Benfica a sua candidatura oficial, assumiu um posicionamento de liderança dentro da oposição a Rui Costa. João Diogo Manteigas, que chegou com Martim Mayer, neto do antigo líder Borges Coutinho, foi o primeiro a avançar. Cristóvão Carvalho, que também esteve na Assembleia Geral, posicionou-se com promessas ambiciosas num projeto que possa mudar o rumo do clube. No entanto, o antigo candidato em 2020, quando perdeu para Luís Filipe Vieira no sufrágio mais equilibrado que o ex-presidente teve, ganhou outro lastro, algo que se voltou a sentir este sábado. “Espero é que seja uma Assembleia tranquila, na qual possamos discutir o Benfica num espírito de grande fervor mas também de grande respeito entre todos os sócios. Possibilidade de eleições antecipadas? Terá de perguntar ao presidente Rui Costa”, referiu ainda à entrada.
Era no atual líder que se centravam todas as atenções mas bastou o discurso inicial na reunião magna para se perceber que Rui Costa não vinha para dar novidades. Aliás, só esse momento acabou por “esvaziar” tudo o resto. Foi conhecida a data das eleições (25 de outubro), houve várias intervenções já mais a olhar para o sufrágio do que para o atual momento mas, antes, o presidente dissera “tudo”: assumiu os falhanços desportivos da presente temporada, mostrou total foco no Mundial de Clubes a par da preparação da nova época para qualquer que seja o futuro líder e não deixou sequer sinais de um possível movimento de saída para antecipar eleições como tinha sido pedido pelos restantes candidatos. Tudo andou depois à volta disso.
O discurso inicial de Rui Costa era um dos momentos mais aguardados para se perceber a mensagem inicial do presidente que poderia depois marcar o rumo da reunião magna. Aí, o líder das águias acabou por fazer quase uma súmula do que se seguiria nos trabalhos. Houve abordagens mais detalhadas sobre finanças ou operações de mercado do futebol mas, em resumo, disse tudo: 1) assumiu os insucessos desportivos, não só na mola real do clube mas também em algumas modalidades (valorizando as equipas femininas e também o setor da formação); 2) falou na importância de adequar custos sem que isso belisque a competitividade; 3) deixou qualquer decisão sobre uma recandidatura para depois do Mundial de Clubes. Demissão? Nada.
“No que respeita ao futebol, reconheço sem hesitação e sem desculpas que não alcançámos aquilo que queríamos e ficámos aquém do que o Benfica ambiciona. Pese embora tenhamos lutado por todas as competições internas até ao fim, não atingimos os objetivos que pretendíamos. Vencemos somente a Taça da Liga, o que, como já disse, não nos satisfaz. Queremos mais e exigimos mais de nós próprios. Daqui a poucos dias iniciamos a participação no Mundial de Clubes, ao qual chegámos por mérito desportivo próprio em função dos resultados obtidos na Liga dos Campeões ao longo dos últimos anos. Uma vez mais, fomos o último clube português a sair desta competição e, apesar de toda a exigência que uma Champions encerra, não podemos perder a ambição de querer sempre fazer ainda melhor. O Benfica está no top 15 europeu e é a primeira equipa logo a seguir às Big 5″, começou por apontar Rui Costa nessa intervenção inicial na reunião.
“No feminino, partimos para este ano com o objetivo de triunfar em todas as categorias. Faltando ainda disputar o hóquei, ganhámos cinco em sete, tendo falhado ao fim de seis anos no futsal. A equipa feminina de futebol revalidou o título, sagrando-se pentacampeã. Fomos ainda campeões no polo aquático, no andebol, no basquetebol e, 50 anos depois, no voleibol, o que muito nos enche de orgulho. Já no que diz respeito às modalidades no masculino, assumo que falhámos no andebol e no voleibol, depois de cinco anos de conquistas sucessivas. Estamos na luta no hóquei, no basquetebol e no futsal, onde se exige uma resposta cabal nesta fase decisiva da época”, referiu de seguida, sobre uma radiografia macro das modalidades.
“Se no futebol profissional e nas modalidades masculinas queríamos mais do que obtivemos até agora, no que diz respeito à formação temos de enaltecer o trajeto realizado. Obtivemos a melhor classificação de sempre na equipa B, conquistámos a Taça Revelação nos Sub-23, fomos campeões de juniores e estamos na frente nos juvenis e iniciados. Este pode ser um ano histórico na formação do Benfica. Aqui chegados, importa sublinhar: apesar das várias conquistas alcançadas, temos sempre de querer muito mais. Este orçamento corporiza essa aspiração de ganhar e respeita as duas linhas de força deste mandato: uma forte vontade de vencer num ecletismo amplo em ambos os géneros, conjugada com a imprescindível sustentabilidade económica e financeira do Benfica”, prosseguiu, antes de uma abordagem mais ampla.
“As contas que hoje aqui votamos estão projetadas em obediência a essas duas premissas: a todas as equipas do Benfica são dadas as condições para ganhar, enquanto reforçamos a solidez patrimonial, económica e financeira do Benfica. Prosseguimos numa trajetória de crescimento das receitas e de otimização da estrutura de custos, no sentido de maximizar o investimento na competitividade dos muitos plantéis. Manter a vitalidade eclética e única do Benfica, tanto no masculino como no feminino, é o que nos motiva. Engrandecer o clube no âmbito desportivo e fortalecê-lo no plano económico é o que nos move na elaboração deste Orçamento, cuja execução, à semelhança dos anteriores, obedece ao rigor que as nossas contas sempre mereceram”, salientou, antes de passar de forma frontal para aquilo que todos queriam saber este sábado.
“Quero terminar com uma nota franca e direta sobre o momento imediato do Benfica. O fundamental nesta altura é encerrar a época com uma participação de elevada qualidade e enorme ambição no Campeonato Mundial de Clubes. Partimos amanhã [domingo] para os EUA com o orgulho de estar num evento de dimensão global, que será um marco na história do futebol. Queremos por isso, mais do que nunca, elevar o nome do Benfica. Depois de terminada a temporada com o Mundial de Clubes e antes do arranque da nova época desportiva, comunicarei aos sócios a minha decisão de ser ou não candidato a um novo mandato como presidente do Benfica. Até lá, mantenho-me focado na época desportiva, no Mundial de Clubes e na preparação de uma nova época que pretendemos que seja melhor do que esta, seja presidente quem for, esteja aqui quem estiver, porque acima de nós, mais importante do que nós, é o Benfica”, concluiu.
Todos os candidatos tinham entretanto chegado ao Pavilhão número 2 da Luz, como era o caso de Cristóvão Carvalho. “Acho que vai ser uma Assembleia Geral quente, como é óbvio, porque existe o descontentamento dos sócios. É dentro desta casa que os sócios têm a possibilidade de falar e mostrar isso à Direção, acredito que esses sócios irão mostrá-lo. Há muito tempo que faço Assembleias Gerais e que conheço a massa adepta e o espírito dos benfiquistas. Sei efetivamente que estes vão mostrar o seu descontentamento porque o Benfica não tem cumprido o mínimo nos resultados e os sócios não estão habituados a que o Benfica esteja tanto tempo sem ganhar. Parece-me evidente que irá haver muito descontentamento”, salientou.
“Hoje é dia de orçamento, de estratégias e políticas. Por isso, questiono a nossa Direção: qual a estratégia e orçamento para cada uma das modalidades e porque não mantiveram o compromisso de detalhar? 16 milhões de trabalhos especializados, honorários e serviços externos: com transparência, a quem andamos a pagar esta brutalidade? Qual é a dívida atualizada da nossa SGPS à SAD à data de hoje? O plano de atividades já menciona o processo eleitoral: quais as empresas que contrataram para certificarem este processo e de que forma o farão? Por fim, não se esqueçam que o processo eleitoral exige um regulamento que terá que incluir: debates frente a frente entre todos os candidatos sem exceções, cadernos eleitorais fechados na data da marcação das eleições com acesso a todas as listas e contagem dos votos pelos representantes das diferentes listas. Vocês têm a oportunidade final de marcar a diferença pelo Benfica”, questionou João Diogo Manteigas, primeiro a anunciar uma candidatura, na sua intervenção.
Também Mauro Xavier, que ainda não assumiu se avança ou não com uma candidatura (e que tinha a seu lado Nuno Lobo, antigo líder da Associação de Futebol de Lisboa e candidato derrotado à FPF), teve uma intervenção em que tocou na questão de um sufrágio antecipado. “O pedido de eleições antecipadas que fiz nesta casa, há um ano, é hoje mais atual do que nunca. O Benfica não pode resignar-se à mediania. Muito poderia ser dito sobre o momento do Benfica mas, por respeito à ordem de trabalhos, vou concentrar-me num único ponto: o orçamento. E deixo claro que voto contra. Voto contra por responsabilidade, isto é um orçamento de gestão. Não é de futuro, não é de ambição. Traduz um Benfica cansado, que gere mas não lidera. Este orçamento volta a repetir um padrão que já se tornou demasiado familiar: receitas que crescem ligeiramente acima da inflação, um crescimento insuficiente para um clube que se quer dominante. E, do lado das despesas, o cenário não é melhor: uma estagnação disfarçada, mas sem reformas estruturais visíveis. Adiam-se investimentos estruturais”, apontou, entre outras ideias deixadas numa perspetiva de clube.
De seguida, Noronha Lopes assumiu também o voto contra, naquela que foi a intervenção que mereceu mais aplausos, e deixou outros reparos ao que foi apresentado. “Acho no mínimo irónico que justifiquemos a nossa falta de transparência com o facto dos rivais também assim atuarem…”, atirou antes daquela que foi uma das “surpresas” da manhã: Nuno Lobo, que até às eleições da Federação Portuguesa de Futebol nunca se tinha manifestado publicamente em contexto Benfica, a tomar a palavra e a deixar muitas críticas a Rui Costa, que decidiu não apoiá-lo na corrida à Cidade do Futebol onde os encarnados estiveram ao lado de Pedro Proença. “Em 1994 pediu para o Benfica não lhe cortar as pernas. Hoje, 32 anos depois, peço-lhe: não corte as pernas ao Benfica”, atirou Nuno Lobo, recordando os tempos de jogador ao antigo número 10 do clube.
“Quero saudar mais uma enorme demonstração de benfiquismo com a presença de tantos sócios. O associativismo que é parte fundamental da nossa identidade está bem vivo. Lembremo-nos sempre que é o Benfica que nos junta e que, por muitas divergências que tenhamos, é muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. E reforço o pedido para que a discussão seja serena e construtiva e que nos saibamos respeitar uns aos outros e aos órgãos sociais em funções”, tinha começado por dizer antes Noronha Lopes.
“O orçamento que foi apresentado, e que é a razão que nos trouxe aqui hoje, carece de informação, rigor e de transparência. É mais do mesmo. Por isso vou votar contra. Deixem-me em primeiro lugar que diga o seguinte: não colocando em em causa a competência técnica e o profissionalismo do doutor Nuno Catarino, lamento que não exista hoje, no seio da Direção que foi eleita por todos nós, um único vice-presidente que possa vir aqui apresentar o orçamento do clube. Em segundo lugar, não consigo compreender que, depois de tanta insistência dos sócios, não exista neste orçamento uma discriminação dos custos por modalidade. E considero uma enorme ironia que se venha fazer uma comparação genérica dos custos das modalidades com outros, usando o portal de transparência de um dos nossos rivais”, ressalvou.
“Quando para justificar a nossa falta de transparência, usamos como exemplo um rival que ao longo de 40 anos simbolizou exatamente o contrário… A este orçamento falta informação e falta transparência. O plano de investimentos não é acompanhado por uma explicação detalhada sobre os racionais e as expectativas do retorno dessas iniciativas. São previstos aumentos substanciais nas receitas operacionais sem que se perceba o que será feito de diferente para o conseguir. Em terceiro lugar, é exigível muito mais transparência nas relações financeiras internas entre as sociedades do Benfica e principalmente no impacto que essas relações têm nos resultados do nosso clube. Por último, numa altura em que se aconselha contenção e rigor, está previsto mais um aumento dos fornecimentos e serviços externos sem que, mais uma vez, seja fornecida uma justificação detalhada para essa necessidade”, prosseguiu o candidato às próximas eleições.
“Em resumo, este orçamento carece de maior transparência e de maior rigor, repetindo alguns vícios que apontei no passado e que têm de ser corrigidos no futuro. Porque nesta questão da transparência não podemos ficar a meio caminho: ou somos transparentes ou não somos. E termino fazendo um apelo ao presidente da Mesa da Assembleia Geral para a rápida convocação da Assembleia Geral Extraordinária para a aprovação do regulamento eleitoral e clarificação do processo eleitoral. O Benfica não pode esperar”, frisou.
Rui Costa voltou a usar da palavra, tendo como especial alvo na resposta Nuno Lobo, a “surpresa” desta Assembleia Geral. “Devia ter contado aqui tudo, o Benfica recebeu-o e eu disse-lhe várias vezes o porquê de não o apoiar. O Benfica apoiou um projeto alheio ao seu, que considerava melhor para o futebol português”, apontou, antes de ligar o antigo líder da Associação de Futebol de Lisboa a Luís Filipe Vieira, falando mesmo num “mentor”, e revelar quer não apoiou ninguém na última eleição da AFL apesar de todos os contactos que foram feitos pelo antigo presidente dos encarnados a “vários dirigentes”. Entre muitos assobios e pedidos de demissão, Rui Costa fazia o que podia antes do desfecho esperado: Orçamento chumbado por 73,8% num total de 1.056 associados. Nunca algo assim tinha acontecido no clube, tendo em conta que todos os outros Orçamentos e Relatório e Contas chumbados tinham diferenças pequenas ou mínimas. Agora não.
“Se não é candidato, então tenha a coragem de se demitir e convocar eleições antecipadas. Não faz parte do futuro do Benfica. Se é candidato, tem toda a legitimidade. Foi eleito e tem mandato até outubro. Mas é precisamente pela vossa inação nos últimos quatro anos que o Benfica está hoje fragilizado”, referiu já depois dos resultados conhecidos João Diogo Manteigas, falando também naquilo que se passou na parte final da temporada no futebol e pedindo para que os encarnados retirem a confiança a Pedro Proença.
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