Ricardinho. O mágico do salão

Ricardo Filipe da Silva Duarte Braga, também conhecido por Ricardinho, foi um génio com a bola nos pés, que acabou rejeitado pelo futebol por ser muito pequeno… As suas jogadas tornaram-se uma marca no futsal mundial e muitos especialistas consideram ser o melhor jogador de todos os tempos. Só para o ver jogar valia a pena a pagar o bilhete!
Contudo, a sua vida nem sempre foi assim, e teve tudo para correr mal. Nasceu no seio de uma família humilde, as primeiras sapatilhas que teve, aos 14 anos, foram oferecidas por um vizinho, e era também em casa de um vizinho que almoçava quando não havia comida em sua casa. A sua infância foi passada num bairro social de Valbom, em Gondomar, onde a droga e o crime andavam à solta, mas focou-se no jogo da bola e afastou-se da vida marginal.
Aos 39 anos, anunciou o fim de uma carreira brilhante. Fê-lo de forma simples e discreta, como sempre foi fora do recinto de jogo. Dentro da quadra, como os jogadores gostam de dizer, a coisa era completamente diferente. Jogou sempre ao mais alto nível e deixou o mundo boquiaberto com os seus dribles geniais, golos inacreditáveis e movimentos espetaculares como o ‘chapéu’, o ‘corte lateral’, o ‘escanteio para o céu’ e as jogadas de calcanhar.
Arrumou as sapatilhas mágicas após 698 jogos e 644 golos marcados, e com 43 títulos conquistados. Recebeu seis vezes o FutsalPlanet Awards (2010, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018), prémio com a chancela FIFA, que consagra o melhor jogador do mundo, um recorde no futsal, ganhou três vezes a Liga dos Campeões (2010, 2017 e 2018) e foi seis vezes campeão de Espanha. Como internacional português foi campeão da Europa (2018) e do Mundo (2021), duas competições onde foi eleito o melhor jogador.
O estilo de jogo de Ricardinho era marcado pela criatividade, imprevisibilidade e sentido de humor. Brincava com a bola e surpreendia os adversários e o público com movimentos que não se viam em nenhuma outra parte do mundo. O seu pé esquerdo era o demónio para os adversários. Curiosamente, o futsal surgiu como segunda opção. «Foi o futsal que me escolheu», disse. Ricardinho queria ser futebolista, passou pelas camadas jovens do Estrelas de Fânzeres e Cerco do Porto e chegou a fazer testes no FC Porto, mas o treinador da altura negou-lhe esse sonho com a justificação de que era muito baixo. «Foi a maior desilusão da minha carreira. Foi triste olharem para a pessoa e não para o talento», afirmou anos mais tarde. Em 2007, Fernando Santos convidou-o para treinar no Benfica, quase à porta fechada, para avaliar a sua adaptação, mas a divulgação da notícia antes do tempo anulou o acordo e lá se foi o futebol.
Na despedida, falou do seu exemplo e passou uma mensagem aos jovens: «Devem fazer o seu trajeto, não aceitem que lhes digam que não». De forma simples e algo tímida, Ricardinho declarou emocionado: «Estou orgulhoso do caminho que fiz. Consegui chegar acima dos meus sonhos. Quero agradecer à minha família, o desporto deu-me muito, mas também me tirou muito. Obrigado a todos». Obrigado dizem todos aqueles que gostam de desporto pela carreira brilhante, momentos inesquecíveis e legado incrível que deixou.
Magia em português
Curiosamente, foi uma mulher, Carolina Silva, a treinadora que apostou no seu talento. «A Carolina foi a minha casa e disse: ‘Tens de jogar este desporto’. Foi um amor quase à primeira vista, ter a bola no pé sempre foi o meu sonho», contou Ricardinho. Começou a jogar futsal no Gramidense Infante, aos 17 anos. Depois, transferiu-se para o Miramar em 2001/02, já como profissional e, na época seguinte, foi eleito o jogador revelação do campeonato nacional de futsal. Sobressaiu na equipa de Vila Nova de Gaia e foi contratado pelo Benfica, clube que o marcou profundamente durante sete épocas. «O Benfica fez-me ser o atleta e o homem que sou hoje», frisou. Com o emblema das águias ao peito ganhou uma Liga dos Campeões, cinco campeonatos nacionais, cinco supertaças e quatro Taças de Portugal.
André Lima não poupou elogios ao ex-colega no Benfica. «Acabou a carreira do melhor do mundo de todos os tempos, o único que em Portugal foi melhor do que eu. Ricardinho vai sempre fazer parte da minha vida e da minha carreira», afirmou.
Em 2010/11 viajou para o Japão para representar o Nagoya Oceans, onde ganhou dois campeonatos. Na época seguinte jogou no CSKA Moscovo. A aventura russa durou apenas alguns meses e pediu para sair devido à falta de profissionalismo do clube e regressou ao Benfica por empréstimo dos japoneses. Em 2012/13 cumpriu mais um ano de contrato com o Nagoya Oceans. Seguiu-se a Espanha, onde venceu seis campeonatos e duas Ligas dos Campeões com o Inter Movistar, considerado um dos melhores clubes de futsal do mundo. Na fase final da carreira passou por ligas menores e jogou no ACCS Asnières (França), Pendekar United (Indonésia), Riga (Letónia) e Ecocity Genzano (Itália).
Ricardinho deixou igualmente um legado na seleção nacional. O capitão e camisola 10 da equipa das Quinas disputou 188 jogos e marcou 142 golos.
Embaixador e político
A decisão de terminar a carreira deveu-se aos sinais físicos e exigência mental, como explicou na altura em que anunciou a retirada. «O corpo estava a dar alguns sinais e, mentalmente, estava a ser muito exigente. Sempre disse que ia ouvir o meu corpo e a minha mente e eles dizem-me que já chega», explicou.
Deixou de jogar, mas mantém-se ligado à modalidade. «Tenho agenda cheia até ao final de novembro. Vou participar em campus de futsal, porque o meu sonho sempre foi ser embaixador. Quero levar o futsal a todos os cantos do mundo. Vou estar em Singapura e nas Filipinas, tentando representar bem Portugal e o futsal».
Os seus projetos fora das quadras não ficam por aqui. Ricardinho é candidato a vereador do Desporto na Câmara Municipal de Gondomar. O antigo jogador integra a equipa de Emídio Guerreiro, candidato à presidência da Câmara pela coligação Despertar Gondomar, formada pelo Partido Social Democrata e Iniciativa Liberal
Jornal Sol