Baixo consumo noticioso amplifica desinformação

O presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, admitiu à Lusa que a elevada concentração do mercado mediático em Portugal e o baixo consumo noticioso são fatores que contribuem para a amplificação da desinformação.
“O fenómeno da desinformação será muito idêntico em todos os países, centrando-nos na nossa realidade é algo um pouco mais grave. Somos um país pequeno, com pouca gente a consumir informação”, explicou o responsável em entrevista à Lusa.
“Ao mesmo tempo que vamos perdendo órgãos de comunicação e assistindo a uma enorme e perigosa concentração, a desinformação vai conquistando espaço”, afirmou.
Além disso, os grandes investimentos em desinformação e “investimento zero na informação” podem fazer perder esta batalha, pois, em Portugal, sente-se “uma enorme resistência de todos os governos e de grande parte do poder político, (…) no apoio efetivo e eficaz à informação“, acrescentou.
Neste sentido, Luís Simões, admitiu que a “extrema-direita é a grande responsável por disseminar retóricas que não são verdade”, porque hoje em dia, no jornalismo, “em muitos momentos, é mais importante ser rápido do que ser rigoroso e verificar tudo”.
“Quem tem a responsabilidade de verificar não são os polígrafos”, afirmou o responsável, referindo que, para combater a desinformação, é preciso ter memória histórica e diversidade nas redações e “não só homens brancos de 50 anos”.
“As grandes empresas de comunicação no século XXI têm vivido sempre nos limites. Temos 25 anos deste século e não lembro de não haver palavra crise colada à palavra jornalismo”, refere.
Apesar disso, o líder sindical refere que “provavelmente os grandes meios tiveram condições de responder bem à desinformação nos primeiros tempos, quando tinham redações maiores (…) e não havia a loucura de ter que se dar a notícia no segundo depois do acontecimento”.
“Se há condições para verificar tudo o que escrevemos, provavelmente em alguns momentos não há”, admite o responsável, embora o combate à desinformação tenha vindo a ser feito através de trabalhos jornalísticos de grande qualidade.
Neste contexto, Luís Simões destaca o caso do jornalismo desportivo, em que os jornalistas afastaram-se nas suas fontes, fazendo com que a informação chegue através de outras pessoas, como as agências comunicação, “que em muitos casos têm mais gente e condições do que os próprios jornais”, admitindo que este é já um erro generalizado.
Apesar do cenário atual não ser catastrófico, a pandemia foi um momento “que não soubemos capitalizar”, considerou Luís Simões, afirmando que foi um momento em que houve um boom de desinformação, mas em que as pessoas perceberam que a informação estava no jornalismo, pois “o jornalismo desmontou muitas das retóricas”.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas considerou ainda que a Inteligência Artificial (IA) trouxe desafios para os quais os jornalistas não estavam preparados, pelo que é importante apostar na formação.
Sobre esse tema, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, lamenta que ainda não tenha havido qualquer contacto das universidades responsáveis pelo desenvolvimento do chatbot Amália, bem como por parte da tutela governativa.
Luís Simões começa por explicar que, pelo que sabe, o modelo de IA português está “na vertente do debate e engenharia”, o que não inviabiliza uma conversa sobre diretos de autor da informação utilizada para treinar a ferramenta.
“O Amália vai servir-se de informação produzida por jornalistas, na sua maioria, e é bom que assim seja, para a informação ser verificada”, por isso, “era muito interessante pensarmos que há direitos de autor e conexos que devem ser preservados”, explica.
Neste sentido, o presidente do sindicato diz ter havido “zero contacto” entre as universidades envolvidas no projeto, bem como por parte do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, que detém no seu ministério a pasta da comunicação social.
Assim, para o responsável, este “é um bom momento de se pagar aos jornalistas pelo trabalho que fazem, que é informar”, ao mesmo tempo que se questiona se o Estado estará a preparar uma forma de salvaguardar o pagamento dos direitos de autor, quando determinada informação é usada para treinar o chatbot.
“O que tem vindo a acontecer há muito tempo é que as empresas e os jornalistas produzem informação e toda a gente vai buscar. Utiliza-se essa informação ganhando dinheiro com a publicidade (…) e não acontece nada porque ninguém paga por essa informação produzida por outro”, explica.
Assim, para o responsável sindical este é o momento para as empresas, jornalistas e sindicatos discutirem uma forma de contornar este fenómeno, nomeadamente com o modelo de IA português.
Em matéria de IA no jornalismo, Luís Simões diz que o sindicato apresentou várias propostas para o livro branco de IA no jornalismo, medida presente no “Plano de Ação para a Comunicação Social”, apresentado pelo anterior governo, medidas essas que não avançaram por falta de tempo.
“Não houve tempo para trabalharmos muitas outras [medidas] que apresentámos e eu achei que este trabalho podia ter desenvolvimento e lamento hoje dizer que as eleições já foram há algum tempo, o sindicato tem pedido uma audiência com o ministro Leitão Amaro e ainda não tivemos resposta (…) não sei se isso quer dizer que o diálogo que mantivemos antes acabou”, concluiu.
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