Acusar é Fácil, Assumir é que Dói

É com certa indignação, mas ao mesmo tempo com muita ironia, que fico atento à troca de galhardetes entre o PS e o PSD. Por um lado, temos um primeiro-ministro que tomou posse há dois anos e pouco, com uma segunda eleição pelo meio. Por outro, o segundo maior partido da oposição, que foi governo anteriormente entre 26 de novembro de 2015 e Abril de 2024. Sendo a culpa de X ou de Y, há que ter responsabilidade pelo que foi feito, pelo que não foi feito e, principalmente, pela evocação moral do que se está a exigir.
Nas rádios, televisões e redes sociais, o que não falta são comentários, artigos ou stories em que a acusação é o tom dominante. Cada indivíduo parece ter em si a arte de jornalista, de “senador” comentador e até, em muitos casos, uma moralidade e intelectualidade superiores que lhe dão o direito de dizer o que quer, sem admitir que se ponha em causa a sua categoria elevada e sobranceira.
Eu acredito que a oposição tem de ser firme, mas também assertiva. Um partido que foi governo tem, no meu entender, uma responsabilidade acrescida: esteve dentro dos assuntos e, por isso, tem moral para apontar o dedo quando há alterações e as coisas correm mal. Mas essa responsabilidade é ainda maior quando a crítica incide sobre matérias nas quais, quando governava, nada fez, ou em que o que fez apenas agravou o problema.
Um exemplo disso é quando um autarca do partido do governo vem atualmente para a comunicação social queixar-se da falta de polícias, que levou ao encerramento temporário de esquadras, ou da falta de médicos que mantém especialidades hospitalares fechadas. Estes são problemas que se agravaram nos governos de António Costa e que se mantêm na atualidade. No entanto, quando o governo era da mesma cor, o alarme não soava tão alto.
Já Marta Temido esteve muito bem ao ironizar a medida do governo de isenção de taxas moderadoras para as zonas afetadas pelos incêndios. Essa medida demonstra um desconhecimento total, uma vez que as taxas moderadoras estão suspensas desde a pandemia da Covid-19.
Penso que é de bom tom o partido derrotado assumir os seus erros. Mas isso raramente acontece. Recordo António José Seguro, que, timidamente, assumiu o desastre da governação de José Sócrates e, de forma responsável, deixou Passos Coelho trabalhar. Mas todos lembramos o quanto custou essa responsabilização.
Da mesma maneira, é criticável que o atual governo faça crescer o número de funcionários públicos. O expectável seria a diminuição, promessa feita também por António Costa, que se comprometera em contratar apenas um novo funcionário público por cada duas saídas. Numa era de digitalização, automação e novas formas de gestão, em que empresas e cidadãos são obrigados a otimizar recursos, o Estado continua a agir como se o dinheiro de todos nós fosse um recurso ilimitado.
Ilimitados são também os malabarismos na política. Sem noção ou qualquer vergonha na cara, o deputado do Chega, Pedro Frazão, publica um vídeo nas suas redes em que critica o “Chat Control”, depois de duas votações favoráveis a pareceres do PS para que fosse aplicado em Portugal.
O jogo político em Portugal continua a pautar-se mais pela acusação do que pela assunção de responsabilidades. É frequente ver partidos a criticar nos outros aquilo que eles próprios já fizeram quando governaram, e vice-versa. PS e PSD trocam acusações, o Chega cavalga a indignação popular, e todos parecem esquecer-se de que a memória dos cidadãos não é tão curta como julgam. O problema não está apenas nas políticas, mas na falta de coragem em reconhecer erros e aprender com eles. Enquanto isso não mudar, a alternância de poder será sempre mais teatro do que verdadeira renovação.
observador