Prevenção cardiovascular em tempo de gripe

Com a chegada da época gripal, é fundamental alertar para uma realidade clínica preocupante: os doentes com risco cardiovascular apresentam uma vulnerabilidade aumentada neste período. O que significa que, para estes doentes, a gripe deixa de ser uma infeção respiratória comum, e pode funcionar como um gatilho para o aumento do risco de eventos cardiovasculares graves, incluindo enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) e descompensações por insuficiência cardíaca. Compreender esta relação e adotar medidas preventivas adequadas é essencial para evitar potenciais complicações.
Sabemos que as pessoas com risco cardiovascular elevado se encontram numa situação de particular fragilidade face à gripe. Por um lado, são habitualmente pessoas com condições de saúde de base que comprometem o seu sistema imunitário, tornando-as mais suscetíveis a contrair infeções virais, nomeadamente a gripe. Por outro lado, estabelece-se um ciclo perigoso: a própria infeção gripal pode descompensar e agravar as doenças cardiovasculares pré-existentes, precipitando o risco para eventos agudos que podem ser mais ou menos graves.
Esta relação bidirecional é preocupante, uma vez que a infeção respiratória não permanece confinada ao sistema respiratório, podendo agravar significativamente a doença cardiovascular de base, o que aumenta o risco de complicações graves nos doentes com perfil de risco muito elevado. Falamos, aqui, de doentes que já sofreram eventos cardiovasculares prévios, como enfarte agudo do miocárdio ou AVC, bem como aqueles com insuficiência renal crónica. Igualmente vulneráveis são os doentes com vários fatores de risco cardiovascular: diabetes mellitus, dislipidemia (colesterol elevado) e, especialmente, hipertensão arterial, que continua a ocupar o primeiro lugar como fator de risco para as doenças cardiocerebrovasculares.
É, por isso, essencial reforçar que o controlo inadequado destes fatores de risco vai aumentar a vulnerabilidade. Um doente hipertenso não controlado, por exemplo, apresenta uma fragilidade muito superior e um risco muito mais alto de complicações graves associadas à gripe. Um controlo que passa pela prevenção, através da vacinação contra a gripe, mas também da avaliação regular dos valores da pressão arterial, realização de análises de rotina e adesão à terapêutica prescrita pelo médico.
Quando os dias começam a arrefecer, costumo aconselhar os doentes a comerem uma sopa de legumes que pode ser uma excelente base para a refeição. Se a isto juntarmos uma alimentação equilibrada, o menor consumo possível de álcool, a eliminação do tabaco, o controlo da pressão arterial e a prática de exercício físico, conseguimos proteger melhor a nossa saúde cardiovascular.
Em relação à prática de atividade física, as pessoas associam muitas vezes o exercício ao ginásio, a algo muito organizado, mas não tem de ser assim. Podem fazer coisas simples: levar o lixo lá fora, dar uma volta ao quarteirão, estacionar o carro um pouco mais longe do destino para poder caminhar, subir as escadas em vez de utilizar o elevador. O importante é moverem-se um pouco e não estarem tão parados, até porque sabemos que o inverno, por si só, é uma altura em que as pessoas já não têm tanta vontade de sair e de se mobilizar.
No que diz respeito à vacinação, há uma tendência muito portuguesa de nos fixarmos num fator negativo e isso acontece com as complicações após a vacina da gripe, que se torna um mito que é essencial desmistificar. É fundamental que as pessoas percebam que a vacina da gripe já foi amplamente testada e existe há muitos anos. É verdade que vai sendo modificada de acordo com as estirpes em circulação, mas a experiência é abundante, assim como a segurança associada à sua utilização.
Por outro lado, as pessoas muitas vezes recusam a vacina com o argumento de que ficam na mesma constipadas, mas uma coisa nada tem a ver com a outra. A constipação banal não é uma gripe: a gripe é algo mais complexo e mais grave, causando temperaturas elevadas e um mal-estar que pode durar vários dias. O que significa, para uma pessoa mais idosa ou com outras complicações de saúde, que o organismo pode não tolerar tão bem esta infeção. É precisamente a vacina da gripe que nos vai proteger contra a doença e toda a descompensação que ela pode provocar.
As pessoas não devem, por isso, ter receio de se vacinar e devem cuidar de si, sobretudo quem tem outras doenças crónicas, como a hipertensão, a dislipidemia, a diabetes ou a insuficiência cardíaca, por exemplo.
É importante evitar locais com grande aglomeração de pessoas e não esquecer as medidas de higiene básicas: lavar as mãos frequentemente, cobrir a boca com lenços ao tossir ou espirrar, arejar e ventilar os espaços. Temos de pensar nas pessoas que estão à nossa volta e preocupar-nos não só com a nossa saúde, mas também com a dos outros.
observador



