Newsha Tavakolian, uma fotojornalista em alerta

De que forma se chega a este processo de atuar com uma visão diferente sobre um trabalho que já era seu, que já estava feito? É exatamente sobre essa visão, o deixar de ser unilateral. Este trabalho é sobre o meu arquivo que, na verdade, iniciou-se há cerca de cinco anos e meio. Foi quando o meu pai morreu. Fiquei muito zangada e, ao mesmo tempo, sentia que tinha muita força, mas era a força da raiva. Não sabia como lidar com a situação, porque estava fora do meu controlo. Tratava-se de perda. Era sobre dor e eu não tinha controlo sobre nenhuma das coisas que estavam a acontecer ou que surgiam. Diria que sou uma espécie de fotógrafa que quando quero vejo o meu trabalho como uma ‘gravidez’. Ou seja, quando ‘engravidamos’ de algo, damos à luz algo que esteve durante tanto tempo no nosso cérebro. É algo que nos sai do corpo, da alma. É como se déssemos tudo em torno de uma ideia e, a dada altura, ela sai do nosso corpo e do nosso sistema. Este projeto, esta exposição, é exatamente isso. A morte do meu pai e a raiva que espoletou em mim fez com que esta consulta ao arquivo fosse algo em que mergulhei seriamente.
A escolha das imagens derivou desse sentimento? Sem dúvida. Ao invés de escolher as melhores imagens, decidi escolher as piores. Aquelas que estavam meio queimadas e que não estão bem expostas. Ou que aconteceram porque carreguei o botão por engano. Quando fotografava protestos, sentia que era quase como se construíssemos um feito de alguém difundindo-o num todo, num fragmento da vida que não está propriamente determinado num registo fotográfico perfeito ou muito bem exposto. Decidi escolher esses negativos.
E isso foi uma necessidade que se foi intensificando ao longo destes cinco anos? O real, o imperfeito? Nos últimos cinco anos também mudei como ser humano e tornei-me mais adulta. O meu mundo também mudou. No ano passado, quando tive esta exposição em Teerão, quando vi o quadro, o retrato do meu pai que imprimimos num tamanho muito grande, estava extremamente escuro. Nesse momento percebi que esta era uma das últimas imagens do meu pai, porque ele morreu logo após esse retrato. Essa sensação de escuridão, de desconforto, fez com que eu decidisse apenas tornar aquilo diferente. Foi quando peguei na tinta e o pintei de amarelo. Para mim foi como dar luz àquele retrato, àquele sentimento. Em cada exposição que faço, recorro bastante a este método experimental. Aqui, em Lisboa, o meu pai transformou-se ‘num filho. É como um girassol, não o vemos.
As fotografias têm um forte poder expressivo, carregadas de questões, destacando o conflito entre a sociedade imposta e o desejo de mudança individual. Além de um ato artístico e visual, é também um ato político? Depois de And They Laughed At Me, acho que nunca mais vou trabalhar da mesma forma. Para mim a fotografia não é realmente sobre fotografia. É uma metáfora sobre a vida, sobre tudo o que vivemos. Voltar ao arquivo, escolher os negativos e os fragmentos de eventos que ocorrem quando somos muito jovens e dos quais fizemos parte, é como quando – falando de uma forma metafórica — o negativo é exposto à luz: não podes expo-lo. E esse é o exemplo perfeito da vida. Quando estamos expostos a algo, não podemos dizer que aquele algo não aconteceu. Temos de lidar com isso. Aprendes, segues em frente, ou então colocas para debaixo do tapete. Podemos nunca pensar nisso, mas continua lá, porque, mais uma vez, está exposto. Está visível. No caso da luz, ainda neste contexto metafórico, o máximo que podemos fazer é perceber como manuseá-la. Lidar com ela. É importante lidar com esses pontos negativos, acho que é um ato de pensar mais longe e além da fotografia.
O facto desta exposição acompanhar as comemorações da liberdade e da revolução em Portugal também tem o seu lado metafórico, num viés político… Sim, acho bonito que a minha exposição se abra sobre a celebração da revolução e acho que é importante para a geração jovem vir e ver porque é um lembrete para eles de que essa liberdade que eles têm, em qualquer tempo ou espaço, pode-lhes ser retirada. Têm de cuidar disso. No Irão também lutamos pelas liberdades. A liberdade pessoal e tantas outras coisas que as pessoas, em muitos países do mundo ocidental, consideram um dado adquirido. Os extremos políticos estão a subir e, consequentemente, a ter votos. É uma situação muito delicada e acho que talvez a minha exposição possa ser um lembrete para as pessoas pensarem sobre o passado em Portugal, sobre as pessoas que lutam e lutaram para chegarmos a este lugar.
observador