D. Estefânia: graça e tragédia de uma rainha

Em contacto com os descendentes da família Hohenzollern-Sigmaringen, Isabel Stilwell teve acesso a documentos como uma caixa onde estão resumidas as cartas que Estefânia escreveu, e onde a jornalista encontrou desenhos feitos pela própria rainha, retratando o Palácio das Necessidades, as paisagens de Lisboa, e também imagens dela própria. “Como não há fotografias, ela tende a mostrar à família o sítio onde está, a casa onde vive, a roupa que veste para cada baile, através do desenho”. Entre as imagens, há um desenho em que Estefânia revela as características da coroa. “O diadema nunca tinha sido visto. E agora podemos pela primeira vez ver o famoso diadema que estava na cabeça dela no dia em que ela celebrou o casamento em Portugal e que era tão pesado que fez correr sangue na testa.”
A história é outro elemento que dá ainda mais dramaticidade à união de Estefânia e Pedro. De acordo com o que escreveu a condessa de Rio Maior, “chegou a aparecer na fronte da noiva uma gota de sangue: era a coroa muito pesada que lhe feria a testa”. Identificado o sangue, o diadema terá sido substituído por um arco de flores. Um momento que, de acordo com Isabel Stilwell, “assumiu um valor simbólico, porque tinha sangue. A sua vida foi trágica e, portanto, posteriormente viu-se nisso um mau presságio”.
Acreditava-se que o diadema tinha sido entregue à família Hohenzollern-Sigmaringen após a morte da rainha, mas uma investigação de 2020 feita por João Júlio Rumsey Teixeira identificou a estrutura da coroa no Palácio da Ajuda. De acordo com o investigador, a tiara foi encomendada em 1858. Depois da morte de Estefânia em 1859 e de Pedro V, dois anos depois, a peça foi oferecida como um presente à rainha Maria Pia de Sabóia. Por ser uma coroa desconfortável de se utilizar, o diadema foi desmontado. Os diamantes foram aproveitados numa joia que foi totalmente refeita em 1886 para o casamento do príncipe Carlos com Amélia de Orléans e Bragança. A estrutura original de 1858, sem pedras cravejadas, permaneceu guardada no quarto da rainha Maria Pia, perto das restantes joias e totalmente desmantelada. Ao longo do tempo, as peças acabaram catalogadas separadamente, mas a pesquisa que antecedeu a abertura do Museu do Tesouro Real conseguiu reuni-las e montar o que poderá ser a versão do diadema que esteve efetivamente na cabeça da rainha Estefânia.
Nas cartas que troca com a mãe, Estefânia não podia revelar que, na verdade, o casamento não foi consumado, mas buscava formas de passar a mensagem para aquela em quem mais confiava. “Logo ao princípio, a rainha conta à mãe como é que foi a primeira noite. Diz que ela própria achou muito desagradável e que felizmente Pedro teve uma sensibilidade muito grande — usa a palavra ‘um excesso de sensibilidade'”, descreve Isabel Stilwell. “A partir de certa altura, vemos que ela fala insistentemente no desejo de engravidar, e depois acabamos com ela a acreditar e a pedir ajuda, a ser-lhe oferecida a ajuda de cumprir a promessa”, relata a jornalista.
“D. João V já tinha feito, a sua própria sogra (Maria II) já tinha feito, era uma promessa de descendência“, explica a autora. “Estefânia tranquiliza a mãe dizendo que isto não é superstição, é só o cumprimento de uma promessa feita pelos antepassados de Pedro”, relata. O Palácio-Convento de Mafra é o resultado da promessa feita por D. João V para que D. Maria Ana lhe desse descendentes, enquanto a Basílica da Estrela foi construída depois da promessa feita por D. Maria I. De acordo com a jornalista, a carta de Estefânia para a mãe revela que D. Maria II também terá feito a promessa. “Estefânia conta à mãe que Dom Pedro V nasceu como resultado do cumprimento da promessa. O que é que ela pagou em cumprimento da promessa não sabemos, mas fez a promessa e temos a descrição.”
De acordo com a autora, o ritual passa por juntar três frades da ordem dos franciscanos no Palácio de Mafra, onde fariam exercícios espirituais durante uma semana. Contudo, como na altura as ordens religiosas estavam expulsas de Portugal, tudo tinha de ser tratado em segredo. “Foi feito às escondidas porque era proibido haver ordens religiosas e, portanto, tiveram que encontrar estes antigos frades e fazê-los entrar secretamente na biblioteca de Mafra e pô-los a rezar para fazer esta semana de oração. E à mãe, Estefânia diz que três boas senhoras estão à procura de frades para voltar a fazer esta operação em Mafra, como já tinha sido feito com a sogra”.
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