Bárbara Rey: "Como é que podia dizer não ao Rei?"

Naqueles anos, o acordo tácito em Espanha afastava de cena piadas que envolvessem o trono. Talvez por isso o espanto foi ainda maior quando certo dia, na primavera de 1977, o telefone de casa tocou, e do outro lado da linha, alguém se fazia anunciar assim: “fala o Rei”. À primeira tentativa, nem sequer conseguiu chegar à fala com quem procurava. Mas voltaria à carga, de novo apresentando-se: “fala o Rei”. “Mandei-o diretamente à merda, e, quando estava quase a desligar, ouvi-o dizer com grande calma: ‘por favor, espere’. Então, pediu-me para ligar para o número que ia me dar e que, quando respondessem, dissesse apenas que queria falar com Sua Majestade o Rei. Pareceu-me surreal, mas pouco depois de ter discado o número, ouvi: ‘Zarzuela, em que posso ajudar?'”, descreve Bárbara Rey, nome artístico de María García, uma das mais maiores estrelas da televisão espanhola nas décadas de 1970 e 1980.
Este domingo, o diário El Mundo faz a pré-publicação de alguns excertos de mais um volume-bomba que promete escarafunchar os passos polémicos do Rei emérito Juan Carlos. Em “Yo Bárbara, Mis Memorias”, Rey conta na primeira pessoa uma história de “amor, sexo, espionagem, complots e segredos de Estado”. Uma saga que volta a expor a relação de intimidade com o antigo monarca, que se tornou numa longa história com contornos políticos e que envolveu milhões.

Bárbara Rey em 1980, no auge da sua relação com Juan Carlos © Getty Images
“Como é que eu podia dizer não ao Rei?”, sustenta Bárbara, que numa das passagens recorda o primeiro encontro com o antigo soberano. “Disse-me que tinha lido que me interessava o horóscopo e mostrou-me uma medalha que tinha todos os signos do zodíaco. Ele confessou-me que era um presente, e pediu-me para não a colocar em público porque a rainha a conhecia”, recorda a protagonista. “Durante esse breve encontro, foi muito correto e tentou fazer-me sentir confortável, mostrando-se de maneira natural e próxima. A sua atitude projetava calor, e seu rosto, amável e expressivo, transmitia serenidade e confiança. Só no final, quando já nos despedíamos, abraçou-me e deu-me um beijo nos lábios. Então perguntou-me se queria que nos víssemos na semana seguinte. (…) Quando me pediu para nos voltarmos a ver, soube perfeitamente que tipo de encontro se referia.”
O livro, que sai a 12 de junho, com edição da PLAZA & JANES, vai desde “os cenários de um circo ambulante até as herméticas portas da alta sociedade”, que se foram abrindo e mais tarde fechando. “Com um tom cru e direto, Bárbara conta detalhes até agora desconhecidos de sua relação com o Rei Juan Carlos I e do seu tormentoso casamento com [o artista de circo] Ángel Cristo. Também faz uma revisão pelos homens que, de uma forma ou outra, têm formado parte de sua vida: desde o futebolista Carles Rexach até Frank Francês, passando pelo ator Alain Delon ou o toureiro Paquirri, entre outros.”, lê-se na sinopse.
Corria 2017 quando Amadeo Martínez Inglés lançou “Juan Carlos I: o rei das 5.000 amantes”, uma biografia não autorizada sobre a vida íntima do monarca espanhol, que recuperava alguns destes segredos muito pouco bem guardados sobre a sua esfera privada. Há pelo menos um nome que de certa forma custou o trono ao pai de Felipe VI, Corinne Larsen, um caso extraconjugal que envolveu a polémica caça aos elefantes no Botsuana e um “presente” de 65 milhões de euros. Quanto a Bárbara Rey, hoje com 75 anos, o ano de 1994 assinalou por fim o desfecho do romance, iniciando-se então uma chantagem movida pela estrela de TV, que possuiria gravações, fotos e vídeos comprometedores de Juan Carlos. A investida de Rey terá custado milhões aos cofres espanhóis até ao ano de 2004, pelo que esta está muito longe de ser uma mera novela de alcova na história recente espanhola.
Já em setembro de 2014, o nome de Bárbara Rey voltou a assombrar a vida de Juan Carlos, entretanto exilado nos Emirados Árabes Unidos, e da família real espanhola. A revista holandesa Privé publicou fotografias comprometedoras tiradas em 1994, onde o Rei emérito de Espanha aparecia a beijar a atriz. Ao cair do ano, a polémica Bárbara continuava a faturar. E o prenúncio da biografia, que agora chega aos escaparates, dificilmente deixará enterrar a saga.
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