A pandemia silenciosa das BETs

Vivemos uma epidemia silenciosa e devastadora. Não é um vírus, mas tem-se espalhado com a mesma velocidade. Falo das apostas desportivas online, as “BETs” – uma bomba-relógio social e económica que já explode nos lares brasileiros.
Para que o leitor português compreenda a dimensão do fenómeno no Brasil, é preciso contextualizar. As “BETs”, como são popularmente conhecidas, referem-se às casas de apostas desportivas online. Este mercado foi legalizado no país em 2018, mas a sua regulamentação efetiva (como iriam operar e ser taxadas) arrastou-se por anos, sendo finalizada apenas no final de 2023. Este hiato criou um “faroeste” regulatório, permitindo uma expansão agressiva e omnipresente, dominando patrocínios de futebol e publicidade.
O primeiro sintoma dessa doença financeira é a sangria de capital. O volume apostado atingiu a marca absurda de R$ 240 mil milhões (cerca de 43,6 mil milhões de euros) apenas em 2024. Esse não é dinheiro novo – é recurso tirado diretamente do orçamento familiar, que deixou de pagar contas, de comprar no supermercado, na loja de roupa ou na farmácia do bairro.
O resultado? Uma perda devastadora de R$ 103 mil milhões (cerca de 18,7 mil milhões de euros) para o retalho nacional. Estamos, na prática, a sufocar pequenos e médios negócios para alimentar uma indústria predatória de jogos de azar.
Enquanto o retalho agoniza, a situação dentro dos lares torna-se um pesadelo financeiro. Os dados que compilei são um grito de socorro que não podemos mais ignorar:
35% dos apostadores já estão endividados – um salto de 16% em apenas um ano.
1,8 milhão de brasileiros tornaram-se incumpridores por causa direta das apostas.
57% destes incumpridores não tinham dívidas antes de começar a apostar.
42% dos apostadores têm contas atrasadas há mais de 3 meses.
43% dos homens apostadores estão completamente endividados.
O efeito é ainda mais cruel entre os mais vulneráveis da nossa sociedade: 5 milhões de beneficiários do “Bolsa Família” – o principal programa de apoio social do governo brasileiro a famílias de baixo rendimento – gastaram absurdos R$ 3 mil milhões (cerca de 545 milhões de euros) em apenas um mês (agosto/2024). Famílias que deveriam usar o benefício para alimentação estão a financiar a indústria do azar.
O ciclo é desesperador e impossível de sustentar: 10% dos jogadores já recorreram a empréstimos para continuar a apostar. 52% tentam recuperar o que perderam apostando ainda mais, cavando um buraco de dívidas sem fim. 48% dos apostadores comprometeram parte significativa do rendimento, incluindo resgates de poupanças e investimentos.
E se o cenário já é terrível, prepare-se: o pior pode estar para vir. A Caixa Econômica Federal, um dos maiores bancos públicos do Brasil – numa escala de importância semelhante à da Caixa Geral de Depósitos em Portugal – anunciou a sua entrada neste mercado, com lançamento previsto para novembro de 2025.
A chegada de um gigante estatal vai normalizar ainda mais essa prática, dando uma falsa impressão de segurança a algo que funciona como um triturador de património e destruidor de sonhos.
É preciso gritar a verdade: apostas online NÃO são investimento. São jogos de azar criados matematicamente para o utilizador perder. O endividamento que vemos é apenas a ponta do icebergue. Por baixo, estão a ser destruídos a saúde mental, com a ansiedade e a depressão; os laços familiares, com brigas e separações; a produtividade no trabalho; e o futuro de toda uma geração.
Esta não é apenas uma crise – é uma tragédia anunciada que exige ação imediata. Precisamos de educação financeira obrigatória nas escolas; imites de gastos nas plataformas de apostas; campanhas massivas sobre os riscos reais; apoio psicológico gratuito para quem está viciado; regulamentação rigorosa e fiscalização real e efetiva.
Cada real apostado é um tijolo a menos na construção do futuro da sua família e um prego a mais no caixão do comércio local. A única aposta segura é na educação e no trabalho honesto. Todo o resto é ilusão vendida a preço de ouro.
É preciso acordar antes que seja tarde demais.
observador



