Um Código do Trabalho mais ágil para uma economia mais forte

Aprovado em Conselho de Ministros, o anteprojeto de revisão do Código do Trabalho promete dinamizar o mercado laboral português. Trata-se de uma proposta ambiciosa que prevê a revisão de mais de cem artigos do Código do Trabalho. É um verdadeiro esforço de reengenharia legislativa que, inevitavelmente, irá desencadear resistências. E com razão. Mexer em leis laborais é mexer em equilíbrios sensíveis. Ainda assim, a dúvida essencial mantém-se intocável. Será mesmo possível avançar na flexibilidade sem colocar em causa os direitos laborais?
A resposta, sem menosprezar outras opiniões, é afirmativa. O caminho deve ser o da flexibilização regulada, ancorada no diálogo social e proteção coletiva. E parece ser precisamente esse o espírito do atual anteprojeto. O governo, ciente das fragilidades estruturais da economia portuguesa, propõe-se modernizar o regime laboral, promover maior autonomia nas relações de trabalho e, sobretudo, aumentar a competitividade sem abdicar da coesão social.
Esta agenda de mudança não agradará a todos. Confederações empresariais aplaudirão, enquanto as centrais sindicais, com CGTP à cabeça, farão oposição fortíssima. Greves gerais, manifestações e intensas campanhas de sensibilização marcarão o calendário da contestação ao Governo. É o que se pode esperar quando o objetivo é tentar introduzir maior flexibilidade laboral. A narrativa incidirá em expressões como “facilitar o despedimento” e “retirar direitos laborais”. É natural. Mas é também legítimo perguntar se podemos continuar a viver com um Código de Trabalho que, em muitas dimensões, parece concebido para uma economia do século XX.
O sucesso da reforma dependerá do equilíbrio entre flexibilidade e segurança. Aparentemente, as medidas anunciadas não visam precarizar. Pelo contrário, pretendem reconhecer a crescente diversidade de trajetos profissionais, adaptando a lei às realidades emergentes. Trata-se de criar espaço para soluções personalizadas por setor ou empresa, sem comprometer os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Há lições a retirar do panorama internacional. Os EUA, com um mercado de trabalho marcadamente flexível, demonstraram na crise pandémica uma impressionante capacidade de adaptação. No curto prazo, a flexibilidade teve custos sociais, mas permitiu acelerar a transição tecnológica e ganhar tração económica. Já a Europa, mais rígida e protecionista, e perante atividades económicas paradas, salvaguardou empregos, mas recuperou de forma mais lenta. Os dados do FMI são claros: em 2025, os EUA deverão crescer 1,9%, a zona euro apenas 1%. Os EUA crescem invariavelmente mais. É certo que são vários os fatores que diferenciam o desempenho económico dos Estados Unidos e da Europa, mas a flexibilidade do mercado laboral norte-americano é um dos mais importantes. E, claro, economias mais produtivas tendem a distribuir mais riqueza sob a forma de rendimento do trabalho. É esse o grande desiderato de um governo: criação de mais riqueza para, entre outros, aumentar salários.
Portugal tem, pois, uma escolha a fazer. Pode continuar preso a uma visão laboral estática, pouco amiga da inovação e da agilidade empresarial. Ou pode, com responsabilidade e diálogo, construir um novo modelo de relações laborais, mais moderno, mais eficiente e, ainda assim, mais justo. A proteção coletiva continua a ser a melhor ferramenta para garantir que a flexibilização não se transforma em exploração.
Reformar o Código do Trabalho será sempre arriscado. Mas não reformá-lo, neste contexto global de dissociação económica e transformação tecnológica acelerada, seria um erro estratégico de palmatória. A verdadeira coragem está em assumir que o mundo mudou e que a legislação laboral tem de acompanhar esta mudança.
Professor associado e coordenador da área de Economia e Gestão da Universidade Europeia
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