Tarifas: exceções reduzem impacto no PIB e mantêm apreensão na indústria

O tarifaço dos Estados Unidos contra o Brasil ainda não é uma página virada. As exceções anunciadas pelo presidente Donald Trump na quarta-feira (30) aliviaram a barra de parte dos exportadores brasileiros, mas ainda são discutidas incertezas que vão além da macroeconomia.
Antes, apenas com a expectativa de que os EUA taxassem os produtos brasileiros em 50%, as estimativas para as perdas no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro giravam em torno de 0,3 ponto percentual.
Agora, as apostas são mais otimistas, rondando 0,15 ponto, como indica a XP em seu relatório mensal Raio-XP. O Banco Daycoval tem uma estimativa ligeiramente melhor, de 0,13 ponto; já a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) projeta perda de 0,2 ponto.
Adicionalmente, com as exceções promovidas por Trump, os analistas de economia da XP apuraram que a alíquota efetiva aplicada pelos EUA sobre o Brasil - a média das taxas que de fato são aplicadas sobre nossos produtos - caiu para cerca de 30%.
"Antes mesmo das exceções, imaginava que o impacto fosse ser relativamente pequeno no agregado. Mas sim, as exceções aliviam, foram poupados quase 700 produtos, quase metade das exportações, não é pouca coisa que foi beneficiada", aponta Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
A sobretaxa aos produtos brasileiros está prevista para entrar em vigor na próxima quarta-feira (6). Contudo, produtos como aço, suco de laranja, aeronaves e suas partes e até castanhas brasileiras serão poupados dos 40 pontos adicionais de tarifa, ficando com uma alíquota base de 10%.
As estimativas indicam que pouco mais de 40% dos envios do Brasil aos norte-americanos ficaram com a cobrança menor.
"Muita gente ainda vai ser bem atingida, mas para esses setores que seguem com 10%, isso não é nada que inviabilize o negócio", ressalta Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos.
Itens importantes da pauta exportadora brasileira aos EUA, como café e carne, não ficaram a salvo.
A busca pelo que fazer com esses produtos é uma das incertezas que ainda paira no ar. No caso desses alimentos, porém, Vale observa a possibilidade de eles serem redirecionados para o consumo interno, o que, "no primeiro momento, acaba ajudando a inflação brasileira".
A lógica é simples: aumenta a oferta de produtos e os preços não se sustentam tão elevados.
InviabilizaçãoManga, açaí e pescados são alguns dos produtos que Cruz aponta uma possível paralisação dos envios aos EUA.
O estrategista da RB ressalta que o impacto é "mais regional do que nacional, algumas regiões acostumadas a exportar para os americanos que serão afetadas".
Para os produtores de carne e café, ainda há alguma esperança, na visão dos analistas. Os pecuaristas devem conseguir escoar seus produtos internamente, enquanto os cafeicultores ainda podem ser completamente isentos.
O secretário do Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, reconheceu que a Casa Branca pode reconsiderar e isentar das alíquotas bens incapazes de crescer em solo norte-americano, citando nominalmente o grão, que é amplamente consumido nos EUA.
Para quem "não tem jeito", enfatiza Vale, é a indústria. O Brasil tem uma pauta de valor agregado ampla aos EUA, pauta essa que tende a sofrer mais para encontrar alternativas.
"O agro pode escoar para a China, mas a indústria tende a sofrer com mais intensidade, a saída de levar para outros lugares é mais difícil e não tem como essa indústria escoar para o Brasil. A tendência é de diminuição de produção no primeiro momento", afirma o economista.
Porém, ele reforça que ainda há muito em aberto e para se acompanhar ao longo dos próximos meses.
Além do macro: incertezas nos negócios e no mercadoComo resultado do tarifaço, o índice de sentimento da XP caiu de ligeiramente otimista (76 pontos, de uma escala que vai até 100) para neutro (37), aproximando-se do nível pessimista.
"Embora o impacto direto das tarifas seja limitado, ainda existem efeitos mais amplos que podem vir por meio de fluxos de investidores e o canal político", expõe o relatório.
Os analistas da casa de investimentos ressaltam que as tarifas pesaram no mercado em julho — mês no qual o Ibovespa acumulou queda de 4% —, tendo observado um movimento de "rotação na Bolsa, dos setores cíclicos domésticos para os setores de commodities, à medida que os investidores buscavam proteção contra taxas de juros mais altas e um real mais fraco".
Tânia Gofredo, economista-chefe da GEP Brasil, compara o cenário atual ao pós-pandemia, indicando para a "volatilidade mais acentuada e frequentemente imprevisível" do período. Contudo, avalia que "com as medidas do tarifaço, essa característica se intensifica ainda mais" hoje em dia.
"Logo, o planejamento deve ser focado em 'janelas de oportunidade' para negociar em momentos de menor volatilidade, os estoques devem ser estratégicos e o monitoramento dos cenários devem ser em menor espaço de tempo para mitigar riscos e aproveitar oportunidades", pontua.
Mas apesar da volatilidade no curto prazo, a XP pondera que "as perspectivas de médio e longo prazo para as ações brasileiras permanecem atraentes", destacando que "o Brasil se beneficiou de uma rotação global de capital para fora dos EUA em meio ao aumento das tensões comerciais".
Enquanto o tarifaço afugentou parte dos investidores, o dólar mais fraco ajudou a manter o fluxo no país, registrando R$ 25,2 bilhões em entradas líquidas de capital estrangeiro em ações, segundo a casa de investimentos.
"Além disso, o status do Brasil como uma superpotência em commodities — com posições globais de liderança em alimentos (soja, carne bovina, aves, café) e energia (minério de ferro, petróleo) — proporciona segurança alimentar e energética inerente, sustenta superávits comerciais, atrai entradas de câmbio e âncora investimentos de longo prazo em infraestrutura e logística", conclui o relatório.
Com informações de Estadão Conteúdo
CNN Brasil