Portugal e “os outros portugueses”

Os resultados nos dois círculos da emigração, tanto no da “Europa” como no do “Resto do Mundo”, vieram confirmar e acentuar a “direitização” do voto dos emigrantes, nas recentes eleições legislativas. Historicamente, mais inclinados a votar no PS, no PSD e mesmo no PCP-CDU, os emigrantes portugueses deram agora uma fatia muito importante ao partido Chega.
Só quem não quis ver a tendência de um crescente descontentamento e de um abandono recorrente da parte das autoridades é que se admira dos resultados que não são mais do que um grito de revolta contra a maneira com que Portugal e os serviços portugueses no estrangeiro têm tratado os emigrantes!
Estes portugueses a viverem fora de Portugal foram sempre considerados como os “outros portugueses”, designação bem sucedida para nomear esta classe de pessoas que foi utilizada pela primeira vez por um amigo de longa data, José Rebelo Coelho, o Conselheiro Social, sucessivamente, em Bruxelas, Berna e depois Berlim, num livro escrito há quase 15 anos, com um título bem identificador desta problemática: “A Pátria e os Outros Portugueses”.
É bem conhecido que nunca estivemos à-vontade com o termo “EMIGRANTE”. Os portugueses a viver em Portugal colocavam os emigrantes numa classe à parte: eram os broncos, os fáceis de enganar, os que vinham de um outro lado das fronteiras. Porém, os portugueses a viver no estrangeiro que tiveram sempre Portugal no coração, pensavam que as saudades e o amor pela Pátria eram motivo para serem recebidos de braços abertos. Foram cognominados de brasileiros, americanos, franceses, enfim, de emigrantes!
Os portugueses a viver em Portugal olhavam-nos de longe, com curiosidade, talvez com inveja, às vezes com desdém. Eram “os outros”, não eram portugueses. Eram emigrantes, eram os “outros portugueses”. Portanto, não eram da mesma natureza. Eram diferentes.
A perceção que os portugueses têm fora de Portugal é também formada através dos serviços do Estado, geralmente dos Consulados, e estes não têm funcionado bem. Os consulados, actualmente, são quase inacessíveis. Tudo tem de ser feito através de agendamentos, telefonando para Lisboa ou através de consultas de sites, na Internet. A geração mais antiga relata dificuldades em tratar de documentação, registos e outros processos burocráticos essenciais.
Os serviços sociais e de apoio também estão a desaparecer. Os funcionários destes serviços iam regularmente às associações, aos convívios que os emigrantes organizavam. Estavam regularmente em contacto com as pessoas. E, atentos às dificuldades da comunidade, tentavam resolvê-las. Por motivos económicos, estes serviços quase desapareceram. Em Bruxelas, por exemplo, já não existem.
Por isso, não admira que seja com os boletins de voto, nas urnas, que os portugueses no estrangeiro se manifestem. Para muitos emigrantes, votar no Chega não significa necessariamente adesão ao seu programa, que nem conhecem, mas sim um grito de revolta contra estes procedimentos que lhes fazem sentir uma certa exclusão. Não admira, pois, que o partido Chega capitalize esta insatisfação. A Bélgica, que era um país onde a esquerda ganhava sempre, nestas eleições legislativas, o Chega foi o mais votado!
Joaquim Tenreira Martins
Jornal A Guarda