Os novos capítulos da imunoterapia e da terapia CAR-T no combate ao câncer

Boas notícias! Novos e promissores estudos no tratamento dos chamados tumores sólidos, que representam 90% de todos os tipos de câncer – como o de mama, próstata, pulmão e o colorretal, os mais prevalentes no Brasil – foram apresentados no congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia (ASCO), em Chicago.
Mais de 6 mil novas pesquisas foram apresentadas no evento, que reuniu mais de 35 mil profissionais de saúde, porém cinco delas foram destaque em um imenso hall superlotado, onde médicos e especialistas em oncologia concorriam por um espaço. Tudo para ouvir em primeira mão os avanços mais significativos no tratamento do câncer.
Entre elas, três destes estudos que comprovaram, mais uma vez, a importância da imunoterapia com anticorpos monoclonais inibidores de “pontos de controle” nas fases mais iniciais da doença para aumentar as chances de cura em casos de câncer de cólon, estômago e nos tumores da cabeça e do pescoço.
O que isso significa? O nosso sistema imune conta com “freios” naturais, os checkpoints, para não atacar células saudáveis. No entanto, as células tumorais conseguem driblar esses “freios” e se esconder. Os anticorpos monoclonais inibidores são medicamentos laboratoriais que ajudam o sistema imunológico no combate ao câncer.
Enquanto isso, uma nova geração do chamado anticorpo biespecífico engajador de células T vem sendo utilizada com sucesso para tratar neoplasias hematológicas: linfomas, leucemia e mieloma. Estes anticorpos podem se ligar ao mesmo tempo nas células tumorais e nas células de defesa do nosso sangue, os linfócitos T. Isto resulta na ativação e redirecionamento destes linfócitos e na destruição de tumores. Neste ano começa a ser evidenciada a utilidade destes novos anticorpos também nos chamados tumores sólidos.
Um avanço importante e muito promissor foi a confirmação da chegada do tarlatamab no Brasil, aprovado no país desde o final de 2024 para tratar casos de câncer de pulmão em pequenas células que progrediram após a quimioterapia. O estudo da fase 3, randomizado, apresentado por pesquisadores do Centro de Câncer do Memorial Sloan Kettering de Nova York, nos EUA, mostrou um significativo aumento de sobrevida dos pacientes com este tipo de câncer tratados pela nova droga em relação ao tratamento convencional quimioterápico nesta situação de tumores mais avançados.
Vários outros compostos deste tipo estão em fase inicial de desenvolvimento de outros tipos de tumores, agora com perspectivas reais de tratamento para tumores sólidos.
Muitas expectativas foram projetadas em torno dos avanços da terapia com células CAR-T em tumores sólidos. As células CAR-T são uma nova forma de imunoterapia onde linfócitos T (um tipo de células do sangue) do próprio paciente são coletadas do sangue e modificadas no laboratório para atacar células cancerosas.
Estas células reprogramadas são infundidas de volta na circulação sanguínea do paciente para destruir as células tumorais. Traduzindo: imagine que as células T são como super-heróis que lutam contra invasores, como vírus e bactérias. O problema é que, às vezes, o câncer é um inimigo tão perspicaz que as células T não conseguem reconhecê-lo e combatê-lo de forma eficaz. Quando a terapia CAR-T para tumores sólidos entra em cena, é como dar um “superpoder especial” a essas células T do corpo, para que elas consigam encontrar e destruir as células cancerosas.
Os resultados mais significativos desta terapia demonstraram sucesso nas neoplasias hematológicas. Já nos tumores sólidos ainda estão em fase inicial de desenvolvimento clínico, mas alguns resultados promissores foram apresentados nesta edição do congresso.
O primeiro estudo clínico randomizado da terapia com células CAR-T em tumores sólidos, realizado por pesquisadores do Instituto do Câncer da Universidade de Pequim, na China, foi considerado um marco por muitos especialistas – inclusive eu. Nele, 156 pacientes com câncer gástrico ou da junção gastroesofágica, que já haviam falhado em mais de dois tratamentos prévios, foram tratados com as células CAR-T, resultando em um aumento de 40% da sobrevida destes pacientes – em relação com aqueles tratados com as drogas tradicionais escolhidas pelos médicos nesta situação.
Os resultados foram publicados na revista The Lancet, e agora os pesquisadores devem confirmar os dados num estudo de fase 3, com mais pacientes incluídos, e que poderá transformar este tratamento num padrão para este tipo de doença.
Dados de outro estudo liderado pela Universidade da Pensilvânia, nos EUA, sugerem que este tipo de estratégia também pode beneficiar pacientes com tumores cerebrais. Nele 18 pacientes com glioblastoma – um tumor cerebral muito agressivo – recorrentes foram reoperados e na sequência receberam a infusão, em um cateter colocado dentro do fluido cérebro-espinhal, dos seus linfócitos previamente coletados e modificados geneticamente.
Dos 13 pacientes que mantinham tumores detectáveis depois da cirurgia, oito apresentaram uma regressão significativa das lesões. Na maioria dos casos, houve novo crescimento do tumor nos meses seguintes, mas os resultados iniciais foram considerados positivos pelos especialistas da área. Três pacientes seguem com a doença controlada, um deles com dezesseis meses de acompanhamento.
Na discussão do estudo foi apontado que o tratamento foi seguro e que os períodos de estabilidade podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes. O objetivo dos pesquisadores é refinar o tratamento para proporcionar resultados mais prolongados e testar a terapia na fase mais inicial da doença – quando os resultados podem ser mais expressivos.
Depois do sucesso da terapia com células CAR-T nos tumores hematológicos, nossa expectativa é de que esse tratamento possa ajudar pacientes com tumores sólidos – principalmente aqueles de tratamento mais difícil nos dias de hoje.
* Sergio Roithmann é oncologista, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Moinhos de Vento e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
Veja