Os cinco presidenciáveis foram a exame na faculdade. Almirante foi alvo de quase todos, mas não atacou ninguém (a não ser os votos)
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Num espaço de 26 horas passaram pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa cinco candidatos ou proto-candidatos presidenciais. Do atual top 6 da corrida a Belém, só faltou Ventura. Dos cinco, três (Marques Mendes, Seguro e Mariana Leitão) apontaram baterias ao almirante, que criticaram pelo uso que quer fazer da “bomba-atómica” presidencial, por ser contra candidatos partidários e, até, por se ter dado a conhecer num artigo de opinião, por escrito, onde não pode ser contraditado. Já o almirante não atacou nenhum adversário, apontando a mira a temas que lhe podiam trazer custos eleitorais, do Serviço Militar Obrigatório ao Estado Social. Mais do que um candidato catch-all, aposta em ser nenhum candidato please-all — que agrada a todos.
António Vitorino foi o único que não atacou o almirante Gouveia e Melo, preferindo atirar aos populismos — onde se pode vislumbrar uma indireta a Ventura. Mariana Leitão e Seguro — que chegaram a partilhar o mesmo painel — também visaram os populistas e a extrema-direita.
Gouveia e Melo venceu na barómetro da audiência (com a sala sobrelotada e pessoas de pé) e esteve ao nível de Seguro no contacto com os eleitores nos tempos de espera. Marques Mendes também fez um esforço, mais esforçado, de interação com os jovens. Já Vitorino e Mariana Leitão mantiveram-se mais à distância de alunos e potenciais eleitores. Gouveia e Melo chegou a estar à mesa com um apoiante de Mendes (o organizador João Perestrello, líder da SEDES jovem) e com um entusiasta de Seguro (Álvaro Beleza, líder da SEDES dos graúdos).
Os cinco entraram como saíram: dois candidatos assumidos e três protocandidatos. Gouveia e Melo, Vitorino e Seguro mantiveram o tabu, com formas criativas. Desde um “o que tiver de ser soará” até a um “estou a exercer os direitos cidadania”.
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Assim foram as cinco prestações do primeiro ensaio pré-presidencial. Com um aviso prévio: a ordem que se segue é regressiva (do que falou mais recentemente para o que falou há mais tempo) e não está relacionada com posicionamentos nas sondagens ou com qualquer outro critério.
Gouveia e Melo
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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
Estado atual: Potencial candidato presidencial
Como foi o contacto com os eleitores: Gouveia e Melo chegou 30 minutos antes da hora do painel e aproveitou para interagir com vários alunos. O momento mais caricato foi quando um grupo (o da fotografia em cima) lhe pediu para tirar uma selfie e o almirante fez uma contraproposta: tiraria as fotografias que quisessem, mas à antiga: de frente para a câmara. Nada de inversões. “Está muito usado”, disse, numa indireta a Marcelo Rebelo de Sousa. Mais do que confortável (e muito) no contacto com as pessoas, foi muito procurado: um dos estudantes ofereceu-lhe uma cerveja, mas o almirante rejeitou. Já se sabe, não bebe. Mas a sala ficou sobrelotada para o ouvir. De tal forma que Marcos Perestrello, companheiro de painel, chegou a fazer uma graça: “Gouveia e Melo fica beneficiado [face a outros putativos candidatos]. Toda a gente percebe que o auditório enche desta maneira devido à minha própria notoriedade.” Havia até pessoas de pé. Gouveia e Melo ganhou no auditoriómetro.
De que temas preferiu falar: No esboço de manifesto eleitoral que publicou no Expresso, Henrique Gouveia e Melo tentou evitar as questões de Defesa, mas desta vez o painel com o tema “O papel de Portugal no mundo” não deixaria grande caminho de fuga. Ainda assim, Gouveia e Melo privilegiou afastar dois temas-fantasma que podiam ser empecilhos eleitorais: o Serviço Militar Obrigatório (SMO) e a afetação de despesas sociais para compensar o aumento de gastos na Defesa. Sobre o SMO, Gouveia e Melo disse mesmo que “não é adepto” e defendeu um sistema de incentivos a reservistas que seriam uma espécie pronto-socorro em caso de necessidade das Forças Armadas. No caso do Estado Social, de que também quis ativamente falar, continuou a admitir cortes (de pelo menos de 0,5%) para reforçar o orçamento da Defesa — mas disse que o ideal é não ter de cortar apoios sociais. E como? Com crescimento económico e/ou com maior eficiência nas várias áreas do Estado Social.
Quem atacou: Henrique Gouveia e Melo não atacou ninguém diretamente (tinha enviado farpas a Mendes, por exemplo, no artigo publicado no Expresso), mas avisou que “assustar os jovens com a palavra SMO [Serviço Militar Obrigatório] é a pior coisa que existe”. A ideia era visar os críticos (alguns apoiantes de Mendes) que têm utilizado aquela que era até aqui a ideia de Gouveia e Melo sobre o SMO para afastar os jovens do almirante. Deixou ainda uma farpa lateral e tímida a Marcelo quando se recusou a tirar selfies, sugerindo que é algo que está muito batido. As selfies são de uma informalidade que não cola com a imagem do almirante.
Gouveia e Melo evita selfies, rejeita Serviço Militar Obrigatório e pede “tempo” para desfazer tabu
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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
Estado atual: Potencial candidato presidencial
Como foi o contacto com os eleitores: Foi parco, até porque não havia grande “povo” quando António Vitorino chegou ao auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa para o painel sobre “o futuro das políticas migratórias”. Na sala estavam sobretudo jornalistas, a prepararem-se para a sessão da tarde de terça-feira, e poucos membros da organização do debate. Foi o primeiro do seu painel a chegar e por ali ficou, na primeira fila, a falar com quem ia aparecendo para o painel, sem grande alarido à sua volta. Enquanto falava a sala foi enchendo, principalmente quando o painel se aproximava do fim. A razão era o orador seguinte, Henrique Gouveia e Melo.
De que temas preferiu falar: Não ignorou o elefante que estava instalado nesta conferência de presidenciáveis e não se confinou às migrações — o tema do painel para o qual foi convidado, também enquanto presidente Conselho Nacional para as Migrações e Asilo. Nas várias intervenções fez questão de brincar com a “expectativa” gerada pela conferência, atribuindo-a ao “desfile de oradores” e outras piadas do género (ler no ponto abaixo), mas também aproveitou este palco ainda indefinido, para se posicionar num tema “tóxico” — como diz que um amigo o classificou, desaconselhando-o a ir nesta altura: “Não sei no que estaria a pensar que me podia prejudicar”. Desviou-se de “populistas”, mas também não se colou ao “venha quem vier”, defendendo uma “política de imigração de consenso alargado” e “proativa”. Pelo meio ainda foi aos “males sociais” que têm servido aos populistas para atirar aos imigrantes, e enumerou-os: “A baixa de produtividade, as dúvidas sobre o funcionamento do elevador social, o envelhecimento da população, a perda de qualificações e da emigração dos jovens portugueses.” Pode ser um sinal. Ou não. À saída deixou tudo em aberto sobre uma candidatura presidencial, mas por pouco tempo: “Estou à beira de tomar uma decisão”.
Quem atacou: O tema do painel era propício a um posicionamento quanto aos “populistas” e António Vitorino não desperdiçou a oportunidade. Fê-lo em três tempos. Logo a abrir, falou na “fantasia de que os imigrantes vêm viver à custa do Estado Social”, apontando aos números: “Foram 700 milhões de benefícios para a Segurança Social”; depois subiu de tom para falar na “forma preguiçosa, demagógica e fácil” de resolver os problemas “culpando os imigrantes”, que diz ser uma “tentação populista” (e enumerou os “males sociais” por resolver no país); por fim, desconstruiu, com números, a “perceção” europeia de uma onda de refugiados, já que 80% desses 40 milhões de refugiados procuram os países em vias de desenvolvimento. Quanto ao Governo, atacou e elogiou. Atacou pela proibição de acesso de imigrantes irregulares ao SNS e elogiou pelo diálogo que quer promover com as empresas para aquilo que Vitorino espera ser uma abordagem “proativa” da imigração: preparar as condições de receção de imigrantes. E aqui, voltou a picar o elefante, ao dizer que, em relação ao Governo, “não há nada como manter o equilíbrio nestas coisas, sabe se lá porquê…”
António José Seguro
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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
Estado atual: Potencial candidato presidencial
Como foi o contacto com os eleitores: António José Seguro, a quem um aluno se referiu como “possível candidato”, diz que anda a ouvir o país — mantendo o tabu de uma candidatura a Belém — e, pelos cinco minutos que esteve sentado à mesa de uma esplanada da Faculdade de Direito, pode dizer-se que tem jeito, pelo menos para os jovens. Esteve mais à vontade que Marques Mendes, que pareceu bem mais tímido nesse contacto. Seguro foi ao bar pedir um café e pediu autorização para se juntar a uma mesa com uns dez estudantes. As opiniões sobre o tipo de avaliação ideal colocaram os estudantes em oposição e António José Seguro moderou o debate, questionou sobre prós e contras de cada solução e explicou a sua preferência enquanto professor. Conseguiu captar a atenção de todos, promoveu um momento divertido, com várias gargalhadas, e ainda acabou com duas ideias: “Sejam felizes, de preferência em Portugal” — uma preocupação clara com a emigração jovem; e “estão-me a fazer sinal que tenho de ir falar de democracia, o que fizemos aqui foi praticá-la”.
De que temas preferiu falar: Num painel em que a sustentabilidade da democracia era o foco, o ex-líder socialista aproveitou para alertar para as “quantidades inaceitáveis de populismos” que existem em algumas democracias, com a justificação de que é como o veneno — em pequenas quantidades solucionável; em grandes, mortal. É na ação que encontra a solução para combater os populismos, por estar crente de que “as pessoas já não acreditam em palavras e só recuperam confiança através de ações”. Acima de tudo, Seguro alimentou a tese de que as pessoas “querem políticos diferentes” e que “façam diferente”, para combater a “ideia de gratificação imediata” que leva a aproximações aos partidos populistas.
Quem atacou: O principal alvo de António José Seguro foi Henrique Gouveia e Melo e nem sequer precisou de grande tempo de antena dedicado ao almirante. A resposta a uma pergunta da plateia foi suficiente para que o socialista colocasse em causa, com estrondo, uma opinião dada pelo antigo chefe do Estado-Maior da Armada no artigo de opinião no Expresso — onde disse que a “bomba atómica” pode ser usada se existir “um desfasamento grave entre os objetivos-prática do Governo e a vontade previamente sufragada pelo povo”. Na avaliação de Seguro a opinião é completamente ao lado (até da Constituição): “Quem avalia o cumprimento das promessas eleitorais é o Parlamento durante os quatro anos e depois, no final, é o povo. Isso é muito claro na Constituição. Aliás, quem pensa o contrário está a cometer um verdadeiro atropelo à Constituição.” O nome do almirante não disse, mas para bom entendedor, meia palavra basta.
Mariana LeitãoCandidata e “possível candidato” alinhados contra o populismo e nas farpas ao almirante
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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
Estado atual: Candidata presidencial
Como foi o contacto com os eleitores: Ao contrário de Gouveia e Melo, Seguro e Mendes, Mariana Leitão seguiu o modelo Vitorino: pouco contacto com os alunos. Enquanto o almirante e os dois ex-líderes partidários interagiram com os alunos e procuraram isso, Mariana Leitão até foi ao bar exterior, mas limitou-se a conversar com a sua equipa. Ainda não tem o chip de candidata-protagonista ativado.
De que temas preferiu falar: Mariana Leitão alertou para o crescimento dos populismos e para a desinformação, que também considera um dos fatores que impulsiona a “extrema-direita”. Apontou também o dedo aos partidos tradicionais — que chamou de “moderados” — por terem tornado a imigração e a segurança em temas tabu e terem deixado o campo livre para a extrema-direita capitalizar votos com esses temas. Contra a ideia de voto obrigatório, ainda contou com a concordância do colega de painel, António José Seguro, quando argumentou que o populismo só se combate pela “via da educação”.
Quem atacou: Gouveia e Melo, que só iria no dia seguinte, ficou com as orelhas quentes de tantas críticas da liberal. Deu umas boas-vindas irónicas ao almirante, mas logo o atacou por ter feito um pré-anúncio “à sua boa maneira”. Registou, a esse propósito, que Gouveia e Melo tenha feito esse esboço de arranque “por escrito, sem direito a perguntas e apenas de uma via”. Ainda criticaria o almirante por atacar os candidatos com “lealdades partidárias”, lembrando que o “sistema democrático, é composto por partidos políticos, caso contrário, vivíamos numa anarquia ou numa autocracia”.
Marques Mendes
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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
Estado atual: Candidato presidencial
Como foi o contacto com os eleitores: Marques Mendes não fugiu ao contacto com os jovens que por ali estavam — pelo contrário. Dirigiu-se ao jardim onde estudantes aproveitavam o sol para conviver e, apesar de ter tomado café numa mesa com os mais próximos que o acompanhavam, fez questão de ir às mesas cumprimentar possíveis eleitores. Os cursos serviram de desbloqueador de conversa, Mendes ainda recordou que também tirou Direito em Coimbra, mas revelou alguma falta de jeito para lidar com os jovens (pelo menos em comparação com Seguro). As respostas foram curtas e o candidato não soube cativar quem ali estava. Manteve-se de pé, aparentemente tímido. No caminho para o auditório, a mão estendida serviu para cumprimentar os poucos que andavam nos corredores. Uma selfie ou outra, coisa pouca, selaram a passagem de Marques Mendes por ali.
De que temas preferiu falar: Marques Mendes estava sozinho no palco, ao contrário dos convidados que dividiram protagonismos em painéis de discussão, e aproveitou o mote da conferência — “Pensar Portugal” — para refletir sobre o que é preciso para tornar Portugal conseguir ser uma “sociedade mais justa, mais rica e mais culta” em que haja “ideias, objetivos e ambição” no vocabulário. Focou-se nos jovens, no fundamental que é ter “melhores salários” para estancar o “drama” da emigração dos mais novos e sugeriu até que “não era má ideia” que Governo, sindicatos e empresários pensassem “num acordo de concertação social virado para o objetivo de fazer crescer os salários”. Tocou no assunto das “enormes desigualdades sociais e assimetrias”, reconheceu que é preciso “distribuir melhor a riqueza” e fez questão de mostrar que apesar de Portugal ser um “país pequeno”, “não é um país irrelevante”. Naquilo que pode ser uma resposta aos que utilizam a sua estatura física para o atacar, Mendes atirou: “Pequenez não é sinal de insucesso.”
De resto, recuperou por mais do que uma vez o seu percurso para justificar decisões que tomou — e que considera as certas, desde logo ao sublinhar um líder da oposição que tem “visão estratégica” e trabalha para a alcançar não deve ser visto como “fraco” ou “frouxo”, mas também explicou as funções do Presidente, referindo que não pode governar nem legislar, mas também “não é uma rainha ou rei de Inglaterra” como uma “entidade meramente simbólica”. Voltou ainda a insistir na defesa da ética: “Não há boas decisões políticas com maus decisores políticos”.
Quem atacou: A maior crítica de Luís Marques Mendes durante a aparição na Faculdade de Direito de Lisboa teve como alvo Henrique Gouveia e Melo. E nem sequer foi em cima do palco. Aos microfones dos jornalistas, o candidato a Belém abriu a porta e deu passagem àquele que já dá como seu adversário. Descreveu o artigo de opinião no Expresso como “uma declaração de candidatura” e, por isso, reforçou: “É bem-vindo.” Não se estendeu em comentários sobre o conteúdo escrito pelo almirante, contudo na palestra deixou-lhe uma resposta à crítica feita sobre a ligação dos candidatos a partidos políticos: um dos compromissos de um Presidente da República deve ser fazer “um mandato com isenção, imparcialidade e independência”. Ainda atacaria Marcelo indiretamente (quando disse que um país em constantes dissoluções “não é levado a sério” e também Miguel Arruda (defende que a AR já devia “ter criado condições” para que o parlamentar fosse afastado do cargo.
observador