El Salvador aprova projeto do partido de Bukele que permite reeleição ilimitada

A Assembleia Legislativa de El Salvador, controlada pelo partido governista, aprovou na noite desta quinta-feira (31) uma proposta de emenda constitucional que abre caminho para que o presidente Nayib Bukele permaneça no poder por tempo indefinido.
A iniciativa apresentada pelo partido Novas Ideias, que detém maioria na Casa, prevê a possibilidade de reeleição presidencial ilimitada, a ampliação dos mandatos de cinco para seis anos e o fim do segundo turno nas eleições. A medida foi aprovada em uma votação relâmpago com 57 votos favoráveis —todos de parlamentares governistas— e apenas três contrários.

Bukele, 44, chegou ao poder em 2019 e foi reeleito em 2024, apesar de a Constituição salvadorenha proibir mandatos consecutivos. Na ocasião, o tribunal constitucional do país —com maioria dos magistrados indicados por ele— decidiu que impedir o presidente de concorrer violava seus direitos humanos. Agora, a nova proposta elimina qualquer restrição legal à reeleição indefinida.
"Obrigado por fazerem história", afirmou Ernesto Castro, presidente da Assembleia Legislativa e aliado de Bukele, ao anunciar o resultado da votação.
O texto também propõe mudanças no calendário eleitoral, antecipando o fim do mandato atual de Bukele para alinhar as eleições presidenciais com as legislativas e municipais, previstas para 2027. Atualmente, esses pleitos ocorrem em datas diferentes e, segundo especialistas, a unificação pode favorecer partidos dominantes —caso do Novas Ideias— ao capitalizarem apoio popular em uma única votação.
Embora tenha dito após a reeleição que uma reforma constitucional não seria necessária, Bukele evitou responder se tentaria disputar um terceiro mandato. A nova proposta indica que essa possibilidade aumentou.
Durante a apresentação da emenda, a deputada Ana Figueroa, aliada do presidente, afirmou que a mudança pretende ampliar o poder de escolha dos cidadãos. "É muito simples, El Salvador: só você terá o poder de decidir por quanto tempo deseja apoiar o trabalho de qualquer autoridade pública, incluindo do presidente", disse ela.
Parlamentares da oposição, por sua vez, afirmaram que a medida é uma afronta ao Estado democrático de Direito. "Hoje morreu a democracia em El Salvador. Eles tiraram as máscaras", disse na plenária a deputada opositora Marcela Villatoro. "Eles [governistas] são cínicos."
Bukele, aliado do americano Donald Trump, tem aprofundado o autoritarismo desde que o republicano voltou à Casa Branca. Nos últimos meses, mais jornalistas e ativistas de direitos humanos fugiram de El Salvador, onde o líder torna a vida de opositores cada vez mais difícil.
O mais recente caso é o da Cristosal, uma das mais importantes ONGs do país. Segundo a agência de notícias Reuters informou no último dia 17, o grupo fundado por bispos anglicanos há 25 anos retirou 20 funcionários de El Salvador nas últimas semanas.
Sem resistência no Legislativo e no Judiciário, as ONGs e os jornais salvadorenhos eram algumas das últimas entidades críticas ao governo que tinham resistido às investidas do presidente.
Pesquisas apontam que Bukele mantém popularidade alta devido à política de guerra contra as gangues, que diminuiu a violência no país com a imposição de um regime de exceção. Segundo organizações que atuam com direitos humanos, porém, essa diretriz estimula detenções em massa e sem mandados.
Sob o estado de exceção, cerca de 87 mil pessoas acusadas de pertencerem a gangues ou de serem cúmplices foram presas. De acordo com organizações como Cristosal e Socorro Jurídico, milhares foram detidas de forma arbitrária, e cerca de 430 morreram na prisão.
Uma pesquisa divulgada no início de junho pelo instituto de pesquisa do jornal La Prensa Gráfica mostra que 85,2 % dos salvadorenhos aprovam o governo de Bukele, ante 91% há pouco mais de dois anos.
A confiança nos números, porém, tem caído à medida que outros levantamentos revelam uma possível autocensura no país —segundo uma pesquisa divulgada em maio pela UCA, 57,9% dos salvadorenhos temem criticar o líder e sofrer consequências negativas.
Para Juanita Goebertus, diretora da ONG Human Rights Watch, com a reeleição presidencial indefinida, El Salvador segue "o mesmo caminho da Venezuela". "Começa com um líder que usa sua popularidade para concentrar poder e termina em ditadura", escreveu ela na rede social X.
uol