Até Lapônia, terra de Papai Noel, sofre com onda de calor na Europa

As atuais ondas de calor na Europa não poupam nem a Lapônia, no norte da Finlândia, autoproclamada terra de Papai Noel. Duas localidades na região registraram em julho 26 dias consecutivos de temperaturas acima dos 25°C, um recorde; contabilizada toda a Finlândia, foram 22 dias acima dos 30°C, outro fato inédito. Excepcionalidades intensificadas pela crise climática proveniente da atividade humana, diz pesquisa divulgada nesta quarta-feira (13).
Análise do WWA (World Weather Attribution), painel de cientistas que investiga a responsabilidade da mudança do clima em eventos extremos, mostra que a canícula observada na segunda quinzena do mês passado na Fino-Escandinávia, região geográfica que abrange Noruega, Suécia e Finlândia, foi incrementada em 2°C pelo aquecimento global.
"Evento semelhante seria estatisticamente impossível na era pré-industrial", afirma Clair Barnes, pesquisadora de Política Ambiental do Imperial College, de Londres.

"Como não temos todos os dados, de séculos atrás, por exemplo, preferimos descrever um cenário mais conservador e falar que ondas parecidas são dez vezes mais prováveis de ocorrer agora do que quando não havia combustíveis fósseis", diz.
Segundo o WWA, a temperatura no planeta já subiu 1,3°C, contra o 1,1°C verificado em 2018, quando os países nórdicos sofreram sua última grande onda de calor.
O aumento de 0,2°C em oito anos, segundo os modelos climáticos analisados pelos cientistas, aumentou em duas vezes a probabilidade da região enfrentar uma canícula prolongada.
"Isso mostra como incrementos aparentemente pequenos na temperatura global expõem a população a períodos mais frequentes de calor perigoso", declara Erik Kjellström, professor de climatologia do Instituto Sueco de Meteorologia.
"Não é certo dizer que ondas de calor são provocadas pela crise climática, elas sempre existiram. O que constatamos é que a frequência e as temperaturas atingidas estão cada vez maiores devido ao aquecimento global", explica o acadêmico, um dos 24 autores do estudo rápido, que carrega limitações pelo prazo de execução, mas dá lastro científico ao debate público enquanto o problema é enfrentado.
"Estou há mais de 30 anos nessa área. O que acontece agora é exatamente o que prevíamos e o que passamos todos esses anos alertando."
Se em julho o calor chamava a atenção no norte da Europa, em agosto é o sul do continente que enfrenta recordes de temperatura e incêndios florestais.
Um bombeiro voluntário morreu na Espanha, aumentando para seis o número de vítimas deste verão no país. Na Grécia, milhares foram evacuados em Pátras. Na França, a segunda grande canícula do ano eleva os termômetros a 43°C e faz políticos discutirem sobre ar-condicionado.
O total de área queimada no continente neste ano já é 87% superior à registrada no ano passado, o ano mais quente da história. "A Europa vive uma situação particular. É a parte do planeta em que o ritmo de aquecimento é o dobro da média global", lembra Barnes.
Também preocupam as chamadas noites tropicais, quando os termômetros permanecem acima dos 20°C. "Tivemos dez noites assim durante a onda de calor no norte, o que é muito incomum", relata Kjellström.
Apesar do apelo do nome, explica o climatologista, as noites tropicais impedem que a temperatura corporal diminua e a pessoa se recupere do estresse térmico do dia. Isso é especialmente problemático nas cidades e entre a população mais velha.
Outro estudo liderado pelo Imperial College, publicado após a primeira onda de calor na Europa, em junho, estimou crescimento de 65% no número de mortes devido à crise climática.

Segundo relatos colhidos pela Cruz Vermelha sueca, julho foi um mês de hospitais lotados também na região da atual análise. Médicos e enfermeiros relataram condições difíceis de atendimento em instalações de saúde nas áreas mais ao norte, preparadas para o frio intenso, não para o calor.
Incêndios florestais, inclusive na Lapônia, empurraram renas e outros animais para áreas urbanas em busca de alimento e água. Os ciclos naturais também ficaram prejudicados no mar Báltico, com registros de proliferação de algas.
Para Friederike Otto, professora do Instituto Grantham de Mudanças Climáticas e Meio Ambiente do Imperial College, a onda de calor nos países escandinavos, de clima frio ou subártico, "deve ser vista como mais um lembrete de que ninguém está a salvo das mudanças climáticas".
"Nas últimas semanas, temperaturas escaldantes atingiram os EUA, o Japão e a Coreia do Sul; enormes incêndios florestais ocorreram na França e na Turquia. A queima de petróleo, gás e carvão está matando pessoas e intensificando os eventos climáticos extremos. Para impedir que o clima se torne ainda mais perigoso, precisamos mudar para energias renováveis", afirma a cofundadora do WWA.
uol