A revolta do “bom aluno”: Lisboa rompe com Bruxelas na tributação do tabaco

Portugal tem sido historicamente “o bom aluno” de Bruxelas, estando alinhado com as políticas de saúde pública nomeadamente no que diz respeito às restrições sobre o tabaco que se verificaram no país nos últimos anos. No entanto, um comunicado do Ministério das Finanças que considerou preocupantes as novas diretrizes comunitárias sobre a revisão do tabaco quebra com uma tradição de décadas.
Decorria o ano de 2004, quando Portugal transpunha sem polémica a diretiva que restringia a publicidade e o patrocínio da indústria, naquilo que já era o início de uma infantilização do consumidor e uma interferência num mercado legal.
Poucos anos depois, em 2007, o país aprovava uma das leis antitabaco mais restritivas da Europa, proibindo fumar em bares, restaurantes e espaços fechados, indo inclusive mais longe do que o exigido por Bruxelas.
Em 2010, Portugal aceitou os novos patamares mínimos de tributação definidos pela União. A diretiva passou a exigir que cada maço tivesse uma carga fiscal de pelo menos 57% do preço de venda e um valor mínimo de 1,28€ por maço. Portugal, que até então aplicava impostos mais baixos em algumas categorias, teve de subir a carga fiscal para cumprir estes patamares, prejudicando a indústria, aqueles que dela dependem e o consumidor final.
Em 2014 alinhou novamente, desta vez com a Diretiva dos Produtos do Tabaco, que impôs advertências gráficas a ocupar 65% das embalagens, regras de rastreabilidade e até a proibição de aromas como o mentol, que viria a ser efetivamente aplicada em 2020. Mesmo com contestação de produtores e consumidores, Lisboa não hesitou.
No entanto, é Portugal que agora se junta aos países que estão a contestar a nova TED, sinalizando que as novas diretrizes sobre o tabaco têm arestas problemáticas e contraditórias bem sinalizadas pelo governo português, uma vez que as medidas, para além de serem ineficazes naquilo a que se propõem, representam uma ameaça à soberania fiscal dos países.
As preocupações de Lisboa são assentes em três pilares fundamentais.
O primeiro está relacionado com questões orçamentais, considerando que a nova TED prevê o mecanismo TEDOR, no qual 15% das receitas geradas através dos impostos sobre o tabaco seriam desviadas dos países-membros para Bruxelas e esse impacto, num país como Portugal, representará uma perda estimada em 1,5 mil milhões de euros até 2034, um valor que não pode ser ignorado num país cujas contas públicas já estão sob forte pressão.
Recorde-se que Portugal mantém uma dívida pública próxima dos 100% do PIB e no último Orçamento do Estado o governo acabou por não avançar com reduções significativas de impostos porque não havia margem orçamental para tal, chegando o Ministério das Finanças a afirmar que só poderia aliviar impostos como o IRS e o IRC em 2027 ou 2028.
Ao propor que cigarros combustíveis, tabaco aquecido e cigarros eletrónicos sejam sujeitos praticamente à mesma carga fiscal, a Comissão Europeia desvirtua o princípio elementar da redução de danos e isso foi bem identificado por Lisboa: se o objetivo declarado é proteger a saúde, não faz sentido tributar de forma idêntica produtos cujo perfil de risco é substancialmente diferente.
Se é verdade que a sobrevivência política dos governos depende da sua popularidade, quando a realidade impossibilita decisões populares, é necessário que a sua ausência seja justificada com coerência, e o Ministério das finanças percebeu que tinha de mantê-la.
O segundo pilar é a coerência da política de saúde pública. Ao propor que cigarros combustíveis, tabaco aquecido e cigarros eletrónicos sejam sujeitos praticamente à mesma carga fiscal, a Comissão Europeia desvirtua o princípio elementar da redução de danos e isso foi bem identificado por Lisboa: se o objetivo declarado é proteger a saúde, não faz sentido tributar de forma idêntica produtos cujo perfil de risco é substancialmente diferente. O próprio comunicado do governo português, emitido a 1 de agosto, sublinha que os impostos já representam uma forma de desincentivo e portanto as formas de fumar que são menos nocivas para a saúde devem ter uma tributação menos agravada, para incentivar as pessoas que fumam a mudarem para estes produtos, expondo assim as intenções contraproducentes da Comissão.
O terceiro e último pilar exposto no comunicado português é o risco do contrabando. Uma tributação excessiva, sem calibragem com a realidade económica dos países do sul da Europa, abre espaço para a expansão do mercado ilegal. Esse mercado paralelo não só retira receitas ao Estado como expõe os consumidores a produtos sem controlo de qualidade e mina os próprios objetivos de saúde pública que Bruxelas diz defender, expondo mais uma vez a contradição.
Ao empurrar os preços para patamares ainda mais altos, a nova TED não reduzirá o consumo, apenas mudará o canal de compra, do legal para o ilegal.
Há um risco ainda maior, de natureza política, que não foi mencionado diretamente no comunicado do Ministério das Finanças: o mecanismo TEDOR abre a porta à criação de um verdadeiro “imposto europeu”, um recurso próprio da União disfarçado, que retira soberania fiscal aos Estados. Hoje é o tabaco; amanhã poderá ser o álcool, os combustíveis ou até o IVA. Essencialmente, estamos perante um precedente que aproxima a Europa de uma uniformização fiscal forçada, em que Bruxelas decide não só as regras, mas também recolhe parte da receita.
É neste contexto que Portugal se junta à Grécia, Itália, Roménia, Bulgária e Suécia na contestação formal à proposta. Os países-membros da União Europeia devem estar conscientes de que não está em causa apenas o tabaco, mas sim a defesa da autonomia orçamental e a resistência a uma integração europeia feita à custa da soberania fiscal dos Estados-membros, e a preservação do equilíbrio institucional dentro da União.
Se Bruxelas insistir em abrir este precedente, não estará apenas a fragilizar os orçamentos nacionais, estará a corroer a confiança dos cidadãos num projeto europeu que deveria respeitar a subsidiariedade.
Coordenação do movimento Ladies of Liberty Alliance - Portugal e Fellow Young Voices Europe
sapo