A nova moda dos partidos ‘barrigas de aluguer’

Na corrida as câmaras não vale tudo, mas quase: há candidatos que surgem como independentes porque deixaram de ter apoio dos partidos e há outros que são ditos independentes mas que acabam por ser resgatados para estruturas partidárias e outros ainda que passam de independentes a candidatos por pequenos partidos ou coligações porque dá mais jeito. Um dos casos mais recentes diz respeito à Guarda, que, tal como o Nascer do SOL anunciou, vê o seu atual presidente da câmara, Sérgio Costa – que nas últimas eleições conquistou a autarquia com o movimento independente ‘Pela Guarda’ e antes foi líder da concelhia do PSD –, ser agora o rosto da Coligação Pela Guarda, do Nós Cidadãos e PPM. Outro caso emblemático é o de Maria das Dores Meira, que, depois de ter liderado a Câmara de Setúbal pela CDU, volta ao concelho com o movimento ‘Setúbal de Volta’, agora com o apoio declarado do PSD.
Ao nosso jornal, José Filipe Pinto, professor catedrático e especialista em Relações Internacionais, vê com naturalidade estes ‘movimentos’ e acredita que a tendência são para se manter. «É evidente que a nível do poder local conta muito a empatia que o candidato ou a candidata criou com a população e, por isso, é normal que alguns partidos procurem cativar anteriores independentes ou até mesmo membros de partidos para que troquem o partido e optem por um novo apoio partidário», salienta.
É certo que do lado dos partidos a tentação é grande, como reconhece o especialista: «Os partidos percebem que quem tem poder ao nível do poder local é quem criou um bom relacionamento junto dos munícipes e, simultaneamente, tem obra feita. E, como tal, são pessoas apetecíveis».
José Filipe Pinto acrescenta que há «independentes que são apetecíveis para os partidos e há pessoas dentro de um partido que são apetecíveis para outro partido. O partido aposta sempre em quem lhe parece que tem mais condições para vencer e, por isso, é natural que tentem atrair militantes de outros partidos ou independentes, preferencialmente independentes».
Este é o caminho que deverá ser seguido pelo Chega, uma vez que o partido concorre aos 308 municípios, defende José Filipe Pinto. «É evidente que vai precisar de 308 cabeças de lista e mesmo usando os seus deputados que já apresentam um número muito significativo nas listas tem de recorrer a personalidades locais com peso político». E frisa que «é evidente que está sempre interessado em tentar captar dissidentes de todos os partidos».
O mesmo cenário, diz, aplica-se ao PS e ao PSD. «Numa tentativa de se apoderarem da Associação Nacional de Municípios tentam atrair que figuras que já foram dos partidos ou que estavam ligadas aos partidos regressem à vida interna partidária», refere, dando o exemplo do Porto: onde Rui Moreira foi eleito como independente apesar de contar com apoios partidários. «Os partidos hoje estão a tentar capturar alguns daqueles que foram feudos de movimentos independentes, como por exemplo o Porto, em que já percebemos que vai ou para o PS ou para o PSD e deixará ser gerido por um movimento, o mesmo se passará com Oeiras, que verdadeiramente volta para o PSD», salienta.
E lembra que, assim, do lado de quem é o rosto do movimento fica com a vida facilitada. «Tanto o movimento de Rui Moreira, como o de Isaltino Morais são movimentos muito centrados numa figura. O que é que acontece? É normal que os principais partidos tentem atrair essas figuras porque, além de contarem com o apoio da máquina partidária também verdadeiramente ficam livres de uma infinidade de tarefas burocráticas», acrescenta.
Por outro lado, chama a atenção para quem bata com a porta para não ter de responder às exigências dos partidos. Um desses casos é Aníbal Pinto, que desistiu da sua candidatura à Câmara do Porto como cabeça de lista pelo partido Nova Direita, alegando falta de autonomia nas listas e no programa da candidatura. «Nesse caso, entendeu que devia dispor de liberdade para ordenar a lista, mas é evidente que o partido opôs-se a isso», afirma.
Isaltino: um caso isolado
José Filipe Pinto aponta Isaltino Morais como um caso isolado. «Saiu do PSD em litígio com a direção, liderou um movimento, ganhou as eleições com ele e tem a eleição garantida como independente, no entanto, é um rosto apetecível para o PSD. É visto como o regresso do filho pródigo, porque o PSD não teria nenhuma hipótese de vencer em Oeiras, mas acaba por ter como garantida a Câmara de Oeiras através da figura de Isaltino Morais», refere.
O especialista lembra ainda que estes movimentos independentes só têm existência legal até ao dia das eleições e, a partir daí, extinguem-se, o que implica que após vitória seja criado todo um tipo de apoio e uma infraestrutura «para perpetuar a existência do espírito do movimento», porque o movimento, em si, já não existe. «E depois há outra agravante, quando houver nova eleição, estes independentes vão precisar de formar um novo movimento, mesmo que seja com a mesma designação».
Jornal Sol