A justiça está de férias, mas a violência doméstica não

Os números de violência doméstica continuam astronómicos, considerando que vivemos numa sociedade ocidental livre, letrada e democrática, aparentemente. O verão vai no adro e os casos de violência doméstica aumentam ‘normalmente’ nestes meses quentes. Explica a ciência que meses de mais altas temperaturas ativam maior produção hormonal. E esta não é só a relacionada com a paixão e os corações acesos. Mas, também o outro lado (o lunar): a agressividade aumenta com o calor.
As vítimas continuam também a ser mais mulheres e sobretudo cada vez mais jovens. Daqui importa realçar a violência no namoro que é um fenómeno indescritível numa geração (a Y e a Z) que devia saber muito melhor os limites do amor e do não-amor. Sobre isto fala-nos muito bem a minha colega psicóloga e docente universitária, Edite Oliveira, que se viu motivada a criar uma ONG para apoiar e receber adequadamente todas as mulheres que são vítimas de maus-tratos em contexto conjugal e de namoro. A sua ONG tem um nome cativante – Maria Crescente – e numa entrevista que conduzi, percebi que a Maria Crescente recebeu este nome em jeito de dedicatória e de uma herança: Maria, porque honra de forma representativa mulheres do Ocidente ao Oriente, de todas as religiões e nacionalidades; e Crescente, porque é o nome do fermento que faz ‘crescer’ o pão, desde sempre um tradição das mulheres que se ajudavam na feitura do pão.
Esta farinha-fermento de nome crescente começou no distrito de Aveiro, especialmente Santa Maria da Feira de onde é a Edite. E eu sendo de berço aveirense. Nem sabíamos da nossa origem comum e já colaboramos no mundo académico há tantos anos. Mulheres que se encontram, lá está. E, por falar em origem, o que mais estimo nesta nova ONG, na Rua da Artilharia, n.º1, Lisboa, é o facto de estar a auxiliar mulheres de nacionalidade portuguesa e de outras nacionalidades, com direitos tão desiguais na nossa sociedade ingrata.
Perguntei-lhe sobre o caso das mulheres refugiadas e a Doutora Edite Oliveira pausou no discurso, porque a justiça se tira férias no verão, então imagine-se que também está de agenda ocupada o ano inteiro para mulheres (e homens) vítimas de violência doméstica sendo refugiada ou requerente de asilo. Até obter nacionalidade, a lei não as defende no solo português. E ficam no limbo da violência até à morte, muitas vezes. Pedem silêncio sobre o agressor, mas pedem ajuda também, por fora. Em surdina. E é muito urgente saberem que têm um espaço seguro onde podem pedir ajuda e a recebem com legitimidade. Incluindo aconselhamento jurídico e carinho por entre abraços.
Por mais ‘Edites’, porque assim crescemos enquanto sociedade, como uma lua crescente. Ela contou mais durante a entrevista, mas podem ver os excertos no meu instagram, ao vivo e a cores.
sapo