'Nem a União Soviética' faria o que Trump está fazendo com o Brasil, diz Amorim ao Financial Times

Celso Amorim, principal assessor de política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criticou em entrevista ao jornal econômico britânico Financial Times a ameaça do governo Donald Trump de impor uma tarifa de 50% às exportações brasileiras aos EUA.
Amorim disse ao jornal que a tentativa do republicano de interferir em assuntos internos brasileiros não tem precedentes "nem em tempos coloniais".
"Nem a União Soviética teria feito algo assim", disse, apontando que Trump está tentando agir politicamente dentro do Brasil em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, "seu amigo".
As tarifas foram anunciadas por Trump em 9 de julho e devem passar a valer a partir de 1º de agosto. O presidente americano citou como um motivo para a taxação o tratamento dado a Bolsonaro pela Justiça brasileira no processo em que o ex-mandatário e aliado do republicano é acusado de tramar um golpe de Estado. Para Trump, trata-se de uma "caça às bruxas" contra o aliado. Já Lula disse que a ameaça é uma "chantagem inaceitável".
Na entrevista ao FT, Amorim reafirmou a decisão brasileira de aprofundar sua participação no bloco dos Brics, formado por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul, apesar das pressões de Trump.
O republicano impôs uma sobretaxa de 10% sobre países alinhados aos Brics, que considera um grupo anti-EUA, e criticou as falas de Lula pregando um "desdolarização" da economia mundial durante a reunião do bloco no Rio, no começo do mês.
"O que está acontecendo está reforçando nossas relações com os Brics, porque queremos diversificar nossas relações e não depender de nenhum país só", disse Amorim, ressaltando que o Brasil também pretende fortalecer vínculos com países da Europa, Ásia e América do Sul.
Embora a China seja o maior parceiro comercial do Brasil, com importações que chegaram a US$ 94 bilhões em produtos principalmente agrícolas e minerais no ano passado, o ex-chanceler negou que o Brasil queira que Pequim seja o principal beneficiário das tarifas americanas elevadas.
Ao mesmo tempo, Amorim rejeitou que o Brics tenha caráter ideológico, defendendo o bloco como uma forma de apoiar a ordem multilateral global, especialmente diante da postura unilateral e isolacionista dos EUA sob Trump.
O conselheiro de Lula também pediu que a União Europeia ratifique rapidamente o acordo comercial com o Mercosul, destacando que a ratificação traria não só ganhos econômicos imediatos, mas também maior equilíbrio nas relações globais.
O assessor internacional mencionou ainda que o Canadá demonstrou interesse em negociar um acordo de livre comércio com o Brasil e indicou que o último ano do governo Lula terá um foco maior na integração da América do Sul, região que comercializa menos internamente do que qualquer outra do mundo.
Para Amorim, Trump é um caso incomum na diplomacia: "Países não têm amigos, têm interesses; mas Trump não tem nem amigos nem interesses, só desejos". Ele afirmou que a abordagem do ex-presidente americano é "uma ilustração do poder absoluto".
As declarações do assessor de Lula ao Financial Times acontecem em um momento que o governo brasileiro parece considerar inevitável a entrada em vigor do tarifaço de Trump na próxima sexta-feira.
Autoridades brasileiras e o próprio Lula tem reclamado publicamente de não ter canais de negociação com a Casa Branca.
Na última sexta-feira (25), o mandatário brasileiro disse que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi induzido a acreditar "em uma mentira", de que o ex-presidente Jair Bolsonaro está sofrendo uma perseguição.
"O Bolsonaro não é um problema meu, é um problema da Justiça brasileira", disse o presidente durante evento em Osasco (SP).
"Se o presidente Trump tivesse ligado para mim, eu certamente explicaria para ele o que está acontecendo com o ex-presidente", afirmou.
Lula se colocou à disposição para negociar a taxação de 50% às exportações brasileiras e disse ter escalado um "exímio negociador" para a tarefa, o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin.
Já governadores de oposição, como Tarcísio de Freitas (São Paulo), Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Jr. (Paraná) criticaram a estratégia do governo federal em um evento de investidores em São Paulo.
Ratinho Jr. (PSD) chamou de "falta de inteligência" a fala de Lula sobre desdolarização do comércio. "O Bolsonaro não é mais importante que essa relação comercial entre os Estados Unidos e o Brasil", disse. Nenhum dos governadores citou a exigência de Trump sobre Bolsonaro.
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