Israel Vallarta agora está livre, mas sua família continua presa.

CIDADE DO MÉXICO ( Proceso ).– Israel Vallarta Cisneros deixou a prisão de Altiplano em 1º de agosto cercado por câmeras de imprensa, as mesmas que participaram da montagem televisiva orquestrada há quase 20 anos pelo grupo de Genaro García Luna, para apresentá-lo como líder de uma gangue de sequestradores chamada Los Zodiacos. A montagem foi o ponto de partida de uma maquinação judicial criminal, baseada em tortura e fabricação de provas, e protegida por um manto de impunidade que se manteve desde o governo de Vicente Fox até o de Claudia Sheinbaum Pardo.
“Ele sai e a primeira coisa que vê é uma tonelada de mídia, e a última coisa que viu em sua liberdade foram câmeras focadas em seu rosto, com jornalistas alegando que ele era culpado”, diz a jornalista Emmanuelle Steels, autora do livro The Theatre of Deception , a rigorosa investigação que desmontou, ponto por ponto, o caso que manteve um homem preso por quase duas décadas, sem julgamento.
Em entrevista ao Proceso , a jornalista belga afirma que a libertação de Vallarta lhe traz uma "sensação doce e agridoce ao mesmo tempo". "É uma grande vitória, e o importante é que este homem esteja livre e seja reconhecido como inocente. Ele sai de cabeça erguida para enfrentar a mídia que o arrastou na lama por quase 20 anos. Mas, por outro lado, resta um homem que passou quase 20 anos em prisão preventiva, que cumpriu uma pena que nunca existiu, e isso permanecerá como uma enorme mancha na história judicial, midiática e política do México", afirma.
“Sabíamos que ela era inocente, e é bom que esse reconhecimento oficial exista, mas também provoca uma certa raiva”, insiste a jornalista, cujo trabalho foi a base do documentário The Cassez-Vallarta Case: A Crime Novel, produzido pela Netflix, que recolocou o caso Florence Cassez e Israel Vallarta na agenda pública em 2022.

Ao deixar a prisão de Almoloya na manhã de sexta-feira, 1º de agosto, Vallarta anunciou que buscará justiça contra os ex-funcionários que o mantiveram em um inferno judicial por quase duas décadas, incluindo Francisco Javier Garza Palacios, Jorge Rosas García e o ex-promotor Daniel Cabeza de Vaca, todos altos funcionários durante o governo de Felipe Calderón.
Vários dos responsáveis por sua desgraça já estão presos: Genaro García Luna foi condenado pela justiça dos Estados Unidos a 38 anos de prisão por ser cúmplice do cartel de Sinaloa quando era Secretário de Segurança Pública (SSP) de Calderón, enquanto seu antigo braço direito, Luis Cárdenas Palomino, está preso no México por tortura.

O jornalista, que foi correspondente da mídia de língua francesa no México durante anos, enfatiza:
García Luna está preso, mas não será responsabilizado por Israel Vallarta; e há outras figuras como Isabel Miranda de Wallace, Felipe Calderón, todos os agentes que estavam envolvidos... O problema é que, durante 20 anos, a capacidade de defesa de Vallarta foi neutralizada.
O jornalista Carlos Loret de Mola, que transmitiu ao vivo a falsa operação policial que capturou Cassez e Vallarta — sabendo que era uma simulação — nunca reconheceu totalmente sua responsabilidade pelo horror vivenciado pela família Vallarta.
Há mais parentes na prisãoDando um passo para trás, Steels lembra que os casos de Florence Cassez e Israel Vallarta receberam mais atenção da mídia do que outros, mas sustenta que inventar gangues de sequestradores para colocar pessoas na cadeia era uma prática comum entre o grupo de García Luna.
Vale lembrar, entre outros, o caso da falsa quadrilha de sequestradores criada por Isabel Miranda para justificar o desaparecimento do filho, cujas falácias são expostas no livro Fabricación, de Ricardo Raphael, publicado este ano.
"Eles formavam um pequeno núcleo, os cérebros, e uma série de subordinados estavam envolvidos nessa máquina e tinham que participar para progredir na carreira; os juízes seguiam cegamente o que os promotores públicos lhes diziam, com medo de serem acusados de conluio com os criminosos", diz Steels, que lamenta o fato de que "com o tempo, a responsabilização tenha sido diluída" e teme que a justiça não chegue a todos os culpados.

Steels lembra que, durante os seis anos de mandato de Felipe Calderón, apenas um punhado de jornalistas e veículos de comunicação investigaram a montagem judicial contra Israel Vallarta e Florence Cassez, entre os quais destacou Anne Vigna e Léonore Mayeux — também correspondentes — da revista Proceso, Anabel Hernández e José Reveles.
“Era paradoxal: por um lado, a mídia nos atacava e, ao mesmo tempo, nos tornava invisíveis; praticamente nos rotulavam como correspondentes hippies que não entendiam nada e queriam proteger sua amiga francesa (Florence Cassez)”, lembra.
"Conversamos sobre uma armação desde o início, mas a percepção do caso permaneceu a mesma por muito tempo; tudo mudou de verdade com a série da Netflix. Há muitos jornalistas que se indignam com a armação hoje, mas que na época repetiram a versão oficial", lamenta o jornalista.
No início, em 2009, quando comecei a investigar, não questionei se Israel Vallarta era um sequestrador ou não, mas quando começamos a investigar, percebemos que era uma armação. A mídia, porém, nunca procurou a família Vallarta; durante anos, apenas três de nós, jornalistas, entrevistamos membros da família.
Steels ressalta que Mario Vallarta Cisneros, irmão de Israel, e Sergio Cortéz Vallarta, seu sobrinho, continuam presos por um caso forjado durante a terceira onda de atentados contra a família em 2012, e lembra que a Procuradoria-Geral da República continua a persegui-los.
De fato, Steels ressalta que "a Procuradoria-Geral da República tem cinco dias para contestar" a libertação de Vallarta, embora acrescente que, para isso, o órgão chefiado por Alejandro Gertz Manero teria que demonstrar que houve um erro grave na abordagem.
"E todos os erros graves no arquivo foram cometidos por eles", insiste o jornalista, "seria delirante".
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