Cada vitória de Bodø/Glimt é uma redenção cultural e social


LaPresse
Não é só esporte
Do risco de rebaixamento em 2018 a quatro títulos em cinco anos até 2024, por meio de uma semifinal da Liga Europa contra o Tottenham, a primeira vez que um clube norueguês chega lá. E este ano, a confirmação final chegou: a primeira classificação histórica para um único grupo da Liga dos Campeões.
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Bodø é uma cidade extrema, suspensa sobre o Círculo Polar Ártico, onde o sol nunca se põe no verão e a escuridão parece infinita no inverno. Cinquenta mil habitantes cercados por fiordes espetaculares e ventos gelados, uma Capital Europeia da Cultura de 2024 que, até meados do século XX, era apenas uma vila de pescadores. Daqui, deste canto do mundo aparentemente impróprio para a vida e o esporte, surge um dos contos de fadas futebolísticos mais surpreendentes da Europa : Bodø/Glimt.
O clube amarelo e preto, fundado em 1916, passou décadas como coadjuvante, um símbolo do Norte rural e periférico em comparação com a moderna Oslo da Noruega. Sua primeira copa nacional, em 1975, foi vista como uma vitória social: o Norte finalmente se colocando "no mapa". Hoje, cinquenta anos depois, esse sentimento se tornou um épico esportivo. Do risco de rebaixamento em 2018 a quatro títulos em cinco anos até 2024, passando por uma semifinal da Liga Europa contra o Tottenham, um feito nunca alcançado por um clube norueguês. E este ano, ao superar o austríaco Sturm Graz no play-off, a confirmação definitiva chegou: a primeira classificação histórica para um único grupo da Liga dos Campeões. Mas Bodø/Glimt não é apenas resultado. É uma identidade coletiva. Na cidade, não há outros times, nem outras cores: aqui, tudo é amarelo e preto. Um em cada dez cidadãos tem ingresso para a temporada, e mais de 6.500 pessoas acompanharam o time até Londres para enfrentar o Tottenham. As casas com vista para o Estádio Aspmyra — o estádio com capacidade para 8.000 pessoas, que em breve será expandido para 10.000 — são varandas de onde as famílias assistem aos jogos como se fosse um ritual doméstico. O estádio, com seu pequeno corredor de entrada e arquibancadas expostas, tornou-se uma fortaleza inóspita para todos, de gigantes portugueses a clubes da Premier League: um lugar onde vento, neve e torcida se fundem em uma única e inconfundível vantagem de jogar em casa.
Cada vitória é vista como uma redenção: não apenas esportiva, mas cultural e social. Aqui, futebol não é entretenimento; é uma linguagem comum que une gerações. Em dias de jogo, a cidade se transforma: bandeiras nas varandas, bares lotados, cânticos que chegam até o porto. A ascensão do clube foi construída sobre uma filosofia precisa, explicada pelo CEO Frode Thomassen: "Não pensamos em termos de objetivos, mas em termos de desempenho. Confio nas pessoas; sei que todos darão tudo de si pelo Bodø." Essa decisão, em 2020, em meio a uma pandemia, levou o clube a contrariar a tendência: investir em contratações em vez de recorrer a empréstimos. A partir daí, nasceu um rápido crescimento, impulsionado por figuras icônicas como Patrick Berg, filho de uma lenda do futebol e o cérebro por trás do time, e Jens-Petter Hauge, ex-jogador do AC Milan.
Hoje, o Bodø/Glimt é muito mais do que um clube de futebol: é parte da comunidade, uma ponte entre o passado e o futuro, um desafio permanente à lógica de centro e periferia. Um clube que transformou o frio polar em energia e o isolamento geográfico em uma identidade coletiva. Seja qual for o resultado das próximas temporadas, a cidade já venceu: porque naquele campo de grama sintética, no fim do mundo, o futebol se tornou cultura, pertencimento e orgulho.
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