No Panamá, os Diablos Rojos ainda rugem

O rugido de um motor, seguido de perto pela chegada veloz de um carro de cores vibrantes: esta é a cena que se repetiu por décadas nas estradas atravessadas pelos Diablos Rojos [“Diabos Vermelhos”]. Esses ônibus icônicos não transportavam apenas passageiros. Eles também levavam crenças, histórias, ídolos e emoções para todos os cantos do Panamá.
As frases, os retratos de celebridades e as explosões de cores que cobriam cada centímetro da carroceria faziam dos Diablos Rojos verdadeiros murais ambulantes que contam a história do Panamá.
Cada um desses ônibus é uma obra de arte criada por um artista com mãos manchadas de tinta, olhar orgulhoso e um coração dedicado ao seu bairro. É o caso, em particular, de Óscar Melgar e Rubén Lince, mais conhecido como "Chinoman". Esses dois artistas panamenhos fizeram da arte de rua um modo de vida e lutam para preservar o que ela diz sobre nossas identidades.
Rubén persegue sua paixão desde os 18 anos, mas sua vocação nasceu muito antes disso. "Eu era uma daquelas crianças que, desde muito cedo, mostrava seus desenhos para a mãe, e quando vi aqueles adultos pintando, imediatamente soube o que queria fazer." O gatilho foi a admiração. Ver artistas consagrados criando rostos e paisagens em metal o fez imediatamente dizer a si mesmo: "Quero fazer o mesmo."
Sua carreira foi pontuada por muitos momentos marcantes, mas a anedota que mais o marcou foi um acontecimento inesperado. "Terminei um ônibus no exato momento em que [os Estados Unidos] nos invadiram [para derrubar a ditadura do General Manuel Antonio Noriega, no inverno de 1989-1990]", lembra. A arte tornou-se então testemunha da história nacional, o que deixou uma marca indelével em sua memória e no veículo que ele acabara de pintar.
“Decorar esses ônibus exige muito tempo e investimento: leva de uma semana a um mês e meio”, explica Rubén. A diferença está no uso do ônibus:
"Se for um ônibus de discoteca, vamos com calma. Se for um ônibus de transporte público, nos apressamos um pouco mais."
Mas além do tempo, exige muita atenção aos detalhes, meticulosidade e muita adaptabilidade.
Por fim, pintar esses ônibus icônicos exige um rigoroso processo criativo. "Eles me apresentam uma ideia e eu me encarrego de dar vida a ela." Para Rubén, o trabalho adquire todo o seu significado ao respeitar os pedidos do dono do ônibus: embora ele adicione seu toque pessoal, o ônibus é, acima de tudo, um reflexo dos desejos de seu dono.
Rubén não se limita a pintar ônibus diariamente. Ele combina isso com outra de suas paixões: a tatuagem. "É difícil", diz ele, rindo, quando perguntado sobre como consegue conciliar as duas coisas. Mas, apesar da carga de trabalho, ele insiste que essas duas formas de expressão artística se complementam: uma o conecta à rua, a outra à vida privada das pessoas.
O maior desafio que ele enfrentou foi pintar a Última Ceia no teto de um ônibus, uma pintura que levou um mês inteiro para ser concluída. Se ele tivesse que dizer uma coisa sobre esse projeto de longo prazo, definitivamente seria isto:
"'Satisfação'. Porque eu nunca imaginei que chegaria a esse nível quando era pequena... Agora sou reconhecida em todo o país e no exterior."
Assim como Rubén, Óscar passou grande parte da vida imortalizando a arte popular panamenha na carroceria dos Diablos Rojos. "Tudo começou quando eu tinha 12 anos: eu adorava desenhar." Embora tenha percebido imediatamente que sua vocação era a pintura, seus primeiros passos na música foram dados.
Aos 13 anos, começou a discotecar, e foi nesse ambiente que seu amor pela pintura floresceu gradualmente, enquanto decorava caixas de som. O DJ que lhe dava aulas de mixagem lhe disse: "Se você ama pintar tanto quanto ama música, por que não vai pintar ônibus?"
Esse conselho o levou a conhecer Andrés Salazar, um dos embaixadores da arte popular panamenha, com quem trabalhou inicialmente antes de se tornar conhecido no mundo de Diablos Rojos. Depois de pintar seu primeiro ônibus sob a orientação desse mentor, ele rapidamente desenvolveu seu próprio estilo e conquistou amplo reconhecimento no mundo da arte urbana. Desde então, decorou dezenas de ônibus com retratos de artistas, personagens de anime, estrelas do reggaeton ou com expressões populares.
Embora essa profissão represente agora toda a sua vida, certas situações o impactaram profundamente durante seus primeiros anos: “Certa vez, houve um concurso [de pintura] com uma exposição no final. Pinturas de diferentes aspirantes a artistas, estudantes de Belas Artes, foram exibidas. Minha pintura ganhou o segundo lugar, mas um dos professores de pintura me disse: ‘Oscar, você sabe por que não ganhou?’ ‘Porque eu deveria ganhar?’, respondi. ‘Sim, você deveria ganhar, mas quando descobriram que você estava decorando ônibus, mudaram de ideia e deram o prêmio para outro artista.’ Isso me deixou muito triste.”
No entanto, Oscar conseguiu transformar essa enorme decepção em fonte de motivação. Foi assim que conseguiu exportar sua arte para a Inglaterra, Portugal, México e Estados Unidos. "Às vezes me mostram fotos de ônibus que tive, mas nem me lembro de tê-los pintado. Isso dá uma ideia do grande valor internacional desses ônibus."
Durante anos, a luta pela preservação dessa arte popular a manteve viva. Óscar aproveitou cada oportunidade para lembrar às pessoas a importância de não deixar morrer aquilo que lhe deu voz e identidade. "Tento fazer as pessoas entenderem que essa arte é parte integrante da nossa cultura. Quando você vê imagens do Panamá, sempre há uma foto de um Diablo Rojo. Sempre. E o mesmo vale para cartões-postais", enfatiza.
“Quando falamos do nosso país, falamos do Canal do Panamá e dos Diabos Vermelhos.”
Com a chegada do metrô [a partir de 2014] e a modernização do sistema de transporte da capital, os Diablos Rojos começaram a desaparecer da paisagem urbana. Ruas antes animadas pelo barulho e pelas cores vibrantes desses ônibus agora estão repletas de veículos cinzentos e impessoais. A cidade mudou, e essa mudança afetou aqueles que colorem seu transporte público.
“Perdi 70% da minha renda. Mas, além do dinheiro, é também um golpe emocional. Aqueles ônibus me fizeram quem eu sou. Eu ainda os pinto por apego ao que eles representam”, acrescenta Óscar. Rubén, por sua vez, se reinventou: “Trabalho nacional e internacionalmente”, responde com orgulho.
Longe de desencorajá-los, o desaparecimento de seus ônibus urbanos os convenceu a fazer tudo o que pudessem para preservar sua arte. Em vez de seguir em frente, eles mostraram seu trabalho ao mundo. Expuseram em galerias, hotéis, exposições internacionais e nas redes sociais. Documentaram o que estavam fazendo, compartilharam suas técnicas entre si e transmitiram seu conhecimento às gerações futuras. Porque, para eles, não é apenas um trabalho. É uma luta para a vida toda.
"Para mim, o mais importante é que as pessoas saibam o que é, como artista, ser um Diablo Rojo. Estou muito comovido com a situação e posso dizer que lutarei até o fim para que esses ônibus não caiam no esquecimento", diz Oscar. Rubén lhe garante: "Os jovens de hoje adoram os Diablos Rojos."
[Hoje], apenas 300 Diablos Rojos permanecem em circulação na região metropolitana. Além de seu papel como meio de transporte, eles transmitem uma expressão autêntica da arte popular panamenha. A tradição visual que representam, nascida das mãos de artistas criativos ávidos por transmitir uma história coletiva, é também uma forma de resistência cultural à modernização da rede de transportes.
Então, sim. Seu rugido pode não ecoar mais tão alto por todas as avenidas. Sua silhueta pode não ser mais tão onipresente na paisagem urbana. Mas, graças a artistas como Rubén e Óscar, seu rugido não se apagou. Ainda há histórias para contar e mãos para desenhá-las. Eles continuam carregando consigo, por onde passam, essas obras de arte, criadas em metal aquecido pelo sol, que expressam a identidade, as cores e o orgulho do país.
Porque enquanto alguém puder dizer “eu pintei”, os Diablos Rojos continuarão seu caminho na memória panamenha.